"Ele parece muito com ela. O rostinho, o jeitinho de dormir de lado, apoiando a mão na face. Olho para ele e só lembro dela, que não está mais aqui com a gente. A ausência é imensa. Falar ainda é muito difícil". A saudade, em questão, é da fisioterapeuta Viviane Albuquerque, 33 anos, que faleceu há um mês, completado nesta terça-feira (5), vítima de covid-19, no dia seguinte a dar luz ao filho, Erick David, nascido prematuramente com sete meses. Quem nomeia essa saudade sem fim é a mãe de Viviane, a cabeleireira Sílvia Quitéria Castro de Albuquerque, 54, que agora tem a missão de cuidar do neto, como se fosse um filho. "Vou dar colo, amor, carinho, proteção. Tudo muito, muito, muito." Após um mês internado no Hospital da Unimed, no Recife, o menino teve alta e, desde o último domingo (3), está na casa da avó materna, sob os cuidados do pai e também da sobrinha de Viviane.
Pela primeira vez, desde que a fisioterapeuta faleceu, Silvia aceitou falar com a imprensa. Foi uma conversa difícil, carregada de muita emoção. Relembrar da filha saudável, cuidadosa com o bebê, e depois, dos primeiros sintomas, da moleza no corpo, da febre, da internação no hospital, da ida para a UTI, da cesária de urgência, da morte no dia seguinte. A cabeleireira chorou em cada uma dessas lembranças. "Só posso dizer que dói muito." Agora, a avó-mãe tem que lidar com a rotina pesada de ter um bebê de um mês em casa. "Banho, alimentação, remédios, cuidados, carinho, estou vivendo tudo de novo. Mas a satisfação de tê-lo em casa, perto da família, é muito grande", diz Silvia, durante a conversa, só possível depois que Erick David foi dormir.
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O pai do garoto e namorado de Viviane, o empresário Erick David Dias da Silva, 42, visita o filho todos os dias. "O nariz, a boca, os olhos lembram ela. O cabelo, ele puxou ao meu. É uma mistura de nós dois. Dói saber que não vamos poder vê-lo crescer juntos", diz o pai, misturando orgulho com saudade. Durante o mês em que esteve internado, o bebê recebia diariamente visitas do empresário e da avó materna no hospital. Na última segunda-feira (4), foi a vez da avó paterna e das três irmãs, filhas do empresário de um relacionamento anterior, conhecerem o garoto.
"Foi a primeira vez que minha mãe e minhas filhas puderam vê-lo. Foi muito emocionante", conta o pai. Por questões de segurança, as visitas estão restritas. Amigos e parentes mais distantes só se comunicam por telefone, mensagens de áudio e chamadas de vídeo. "Temos que ter muito cuidado. Além dele ter nascido prematuro, tem toda a preocupação por causa da pandemia do coronavírus. Sentimos muita vontade de conhecê-lo, sentir o seu cheiro, fazer um carinho. Mas, por enquanto, isso não é possível", diz a amiga da fisioterapeuta Eduarda Coura.
Pesando cerca de dois quilos, o bebê tem se alimentado, exclusivamente, com leite materno. Os amigos da fisioterapeuta lançaram, inclusive, uma campanha de arrecadação de potes de vidro para ajudar o bebê a receber o leite pasteurizado. A ação pede a doação de potes de café solúvel ou maionese, com tampa rosqueável e de plástico. "Como ele recebe a doação do leite nesses potes, é preciso devolver os fracos às mães doadoras, para que elas tenham onde armazenar o leite doado", explica Eduarda, uma das organizadoras da campanha.
1ª GRÁVIDA VÍTIMA DA COVID
A fisioterapeuta faleceu no dia 5 de março e foi a primeira grávida do Estado vítima do novo coronavírus. A jovem, mãe de duas meninas gêmeas de um relacionamento anterior, chegou à unidade médica com febre, tosse e dores no corpo. Uma semana depois, o teste confirmou a contaminação pelo novo coronavírus. No mesmo dia da testagem positiva, Viviane foi encaminhada à UTI para monitoramento mais rigoroso. Estava bem, mas a equipe médica achou mais prudente acompanhá-la na unidade intensiva. Na manhã do dia 4 de março, após complicações, os médicos decidiram fazer o parto e o bebê nasceu prematuro, com baixo peso.
No dia 24 de março, quatro dias antes da internação, a fisioterapeuta escreveu em suas redes sociais: “Tudo isso vai passar”, na legenda de uma ilustração em que a imagem de Jesus Cristo está com as mãos sobre a barriga de uma gestante, em referência à pandemia do coronavírus. A jovem tinha uma vida saudável e não possuía nenhuma doença preexistente. "Foi um susto muito grande saber que ela tinha sido contaminada", recorda a mãe. O namorado, o bebê, a mãe e a sobrinha da fisioterapeuta foram submetidos ao exame de coronavírus, mas os resultados foram negativos. Agora, todos os esforços estão voltados para Erick David. "Posso dizer que o pior momento passou. Mas a dor ainda é muito forte. Cada dia que passa a saudade só aumenta. Sei que ele será minha força, a de todos nós", confessa Erick, o pai.
Quem quiser aderir à campanha de doação de potes de vidro pode entrar em contato pelo (81) 9.9873.4027 e 9.8467.1574
ENTREVISTA COM SILVIA ALBUQUERQUE, MÃE DE VIVIANE
"Ela faz falta o tempo inteiro”
Silvia Albuquerque, mãe de Viviane, precisou colocar a dor de lado para dar conta do desafio de cuidar do neto. Tão guerreira quanto a filha, ela diz que esse será agora o maior desafio de sua vida.
JORNAL DO COMMERCIO - Como era a sua relação com Viviane?
SILVIA ALBUQUERQUE - Ela era uma filha maravilhosa. Amiga, parceira e confidente. Não havia segredos entre a gente. Tudo era eu e ela, grudadas o tempo todo. Falar dela ainda é muito difícil para mim. Pela falta que ela faz o tempo inteiro. Viviane era muito cuidadosa comigo. Sempre que eu saía, ela mandava mensagens para saber como eu estava, se estava tudo bem. Era uma mãezona. Não só das filhas. Mas minha também. O perfil dela era de cuidar de todos.
JC – Vocês desconfiaram de que ela estava com covid?
SILVIA - De jeito nenhum. Ele era muito saudável, disciplinada. Cuidava do corpo, da alimentação. Tomava muita vitamina C, sempre com uma postura muito regrada para garantir o máximo de saúde para o bebê. Ela estava muito feliz com a gravidez. Num momento maravilhoso da vida, com a chegada do terceiro filho.
JC – Como os primeiros sintomas surgiram?
SILVIA - Começou com uma gripe, uma moleza no corpo. Ela ligou para a médica que avaliou que poderia ser uma virose e recomendou que ela não fosse para o hospital, justamente para evitar o risco de contaminação pelo vírus. Mas aí a febre começou a aumentar e, quando ela foi para o hospital, os médicos diagnosticaram um princípio de pneumonia. Aí ela já ficou internada. Mas em nenhum momento imaginamos que ela podia estar contaminada. Foi um susto quando veio o resultado. Ela recebeu a notícia do teste positivo de manhã e no mesmo dia já foi transferida para UTI. Mas ela estava bem, conversando. Os médicos disseram que era apenas uma medida de precaução. Isso era uma quinta-feira. Na sexta, falei com ela por telefone, pude vê-la pelo vidro. Voltei para casa com minha filha bem. No sábado pela manhã, os médicos ligaram dizendo que ela tinha piorado e que iam fazer a cesária. No domingo, à tarde, ela estava morta. Foi tudo muito rápido e extremamente doloroso.
JC - E agora, diante da missão de ser mãe-avó?
SILVIA - Será o maior desafio da minha vida. Eu sempre fui uma avó muito dedicada. Já tinha sete netos. Mas com ele, agora, é sem palavras. Tudo o que eu puder fazer por ele, eu farei. Ainda estou tentando encontrar explicação para tanta dor. Mas ele é a minha vida agora. É a melhor lembrança que terei da minha filha.
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