Na manhã desta sexta-feira (8), a Polícia Federal deflagrou a segunda fase da Operação Outline, que investiga a atuação de uma organização criminosa no desvio de recursos da obra de Requalificação da BR-101 - trecho do Contorno Viário da Região Metropolitana do Recife. A organização também é investigada por corrupção e lavagem de dinheiro. A ação acontece nos municípios pernambucanos Recife, Paulista e Serra Talhada, além de Brasília, no Distrito Federal. Foram cumpridos dois mandados de prisão temporária por cinco dias, no Recife, e outros nove mandados de busca e apreensão. Não foram revelados os nomes dos alvos.
A requalificação da BR 101 teve início em setembro de 2017 e o projeto foi financiado através de um contrato de mais de R$ 190 milhões entre o Governo de Pernambuco e o Ministério dos Transportes. Segundo relatórios de auditoria entregues pelo Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas Estadual, recebidos pela Polícia Federal, a obra vinha sendo realizada com materiais de baixa qualidade e pouca durabilidade, afetando trechos de rodoviais que já haviam sido entregues.
OPERAÇÃO
A operação foi dividida em duas etapas. Na primeira, deflagrada em 13 de novembro do ano passado, foram apreendidos documentos e mídias digitais, cuja análise foi capaz de revelar desvio de verba. Foram encontradas transações que chegam a R$ 4,2 milhões, entre a empresa contratada para execução da obra e firmas fantasmas. Além disso, houve a constatação de que ex-funcionários do Departamento de Estradas e Rodagens (DER/PE), que foram responsáveis pela fiscalização e liberação de recursos da obra, tiveram exorbitante acréscimo patrimonial, incompatível com seus rendimentos nos últimos anos. Embarcações, veículos e apartamentos de luxo foram adquiridos, todos registrados em nome de terceiros.
Na época, a PF afirmou que as investigações teriam sido iniciadas desde o início de 2019, após terem recebido uma "notícia-crime"do Tribunal de Contas do Estado (TCE). "Os relatórios revelavam baixa qualidade do asfalto empregado na obra. Diante dessas evidências, iniciamos a investigação", revelou a polícia.
De acordo com comunicado enviada pela PF, "foram coletadas também evidências de que provavelmente a Secretaria de Transporte do Estado de Pernambuco (atualmente extinta), à qual era vinculada o DER/PE, foi condescendente com as práticas criminosas apuradas, podendo ter havido recebimento de vantagens por pessoa ligada à pasta".
As provas encontradas durante a investigação apontam para a prática de crimes como peculato, corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As penas máximas, somadas, chegam a 42 anos de prisão.
Nesta segunda etapa, cerca de 40 policiais estão cumprindo 9 mandados de busca e apreensão e dois de prisão temporária, expedidos pela Justiça Federal de Pernambuco. A Justiça Federal em Pernambuco também decretou o embargo de imóveis situados no Recife e em Gravatá, no Agreste do estado, pertencentes aos investigados, que não tiveram os nomes divulgados.
Em nota enviada pela Reportagem do Jornal do Commercio, o DER/PE informou que está à disposição da Polícia Federal e vem contribuindo ativamente com as investigações no "sentido de esclarecer qualquer dúvida de ordem técnica ou jurídica referente às obras de requalificação da BR-101, no Contorno do Recife". O Departamento disse ainda que atua em conformidade com os órgãos de Controle e que as recomendações técnicas indicadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) foram atendidas.
De acordo com o DER/PE, o TCE acompanha a fiscalização das obras, "cujo andamento segue as normas de engenharia vigentes e obedece a todos os critérios técnicos previstos no projeto de execução das intervenções".
A requalificação da BR 101 é um problema antigo
Os problemas nas obras do do Contorno Viário da RMR não são novos. Em 2 de outubro de 2017, o Jornal do Commercio ouviu especialistas em mobilidade de urbana que apontaram erros dos governos Federal e Estadual na execução das intervenções na via. À época, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Maurício Pina criticou a escolha de asfalto, tecnicamente chamado de CBUQ, para toda extensão da via foi feita por ser um material mais barato.
“Isso é o mais lamentável. O governo simplesmente escolhe o tipo de pavimento pensando em economizar, de se ajustar à falta de recursos. Mas é preciso lembrar que o pavimento flexível tem uma vida útil muito menor do que o pavimento de concreto. O asfalto, com a manutenção correta, não passa de dez anos, enquanto o concreto chega a 20 anos”, argumentou Maurício Pina.
“O contorno da BR-101 é da primeira metade da década de 1970, ou seja, deveria ter sido substituída há 20 anos. E isso porque é de concreto. Os trechos mais destruídos são, exatamente, aqueles onde se colocou o asfalto sobre as placas de concreto”, alertou Pina. A opção pelo pavimento em concreto, entretanto, significaria duplicar o valor do projeto, aproximadamente.
Coube ao então diretor de operações e construções do Departamento de Estradas de Rodagem de Pernambuco (DER-PE), Silvano Carvalho, fazer a defesa do projeto de restauração do contorno urbano da BR-101. “É importante explicar que está sendo adotado o mesmo pavimento utilizado na duplicação da BR-101 Sul e Norte, que tem qualidade. Serão 16 centímetros de asfalto. Estamos removendo as placas danificadas e o que existe embaixo dela. Poderemos reconstruir de 40 centímetros a 1,5 metro de área até alcançar o nível da pista”, disse o diretor na época.
Após Maurício Pina criticar a execução das obras, três entidades nacionais de engenharia com representação em Pernambuco se uniram para apontar os erros que os governos cometeram nas obras de restauração dos 30,7 quilômetros do Contorno Viário da RMR, entre Abreu e Lima e Jaboatão dos Guararapes.
Os alertas foram feitos pela Associação Brasileira de Engenheiros Civis em Pernambuco (Abenc-PE), a Associação dos Engenheiros de Segurança do Trabalho de Pernambuco (Aespe) e o Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge) e apontavam, basicamente, os mesmos erros: o primeiro e mais grave é a escolha do asfalto para substituir o que restou das placas de concreto implantadas 44 anos atrás, quando o contorno foi construído. Depois, o modelo de contratação escolhido, que na avaliação técnica não é o adequado e dificultará a fiscalização da obra, o que é alvo da Operação 'Outline' deflagrada pela PF nesta quarta.
Em resposta ao alerta da entidades, o secretário de Transportes de Pernambuco em exercício na época, Antônio Cavalcanti Júnior disse que os custos dimensionados pelas entidades de engenharia não representam a realidade. “É ilusória a afirmação de que seria possível trocar as 20 mil placas que compõem os 30 quilômetros do contorno urbano da BR-101 por concreto (pavimento rígido) gastando apenas R$ 100 milhões. A tabela da Emlurb citada pelos engenheiros não pode ser considerada para rodovias. Somente para retirar todas as placas do contorno seriam necessários R$ 50 milhões. Serão gastos R$ 119 milhões somente para refazer as duas pistas com a técnica do pavimento semi-rígido”, rebateu Cacildo Cavalcante.
Depois de ser criticada por entidades nacionais de engenharia e professores da UFPE, receber do Tribunal de Contas do Estado (TCE) um alerta de má condução e uma medida cautelar suspendendo uma etapa da licitação, em 16 de abril de 2018, as obras voltaram a chamar atenção por supostas irregularidades. Dessa vez as obras voltaram a ser questionadas por, segundo os auditores do TCE, ter irregularidades na contratação de aditivos ao contrato, fuga à licitação e realização de serviço sem cobertura contratual.
As desconfianças foram tantas que levaram a conselheira do TCE-PE Teresa Duere a emitir, após análise técnica, um novo alerta de responsabilização à então gestão do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE), braço do governo do Estado que gerencia a obra. O modelo de contrato da restauração da rodovia é o chamado Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que não permite qualquer tipo de aditivo porque, nele, a empresa responsável pela execução dos trabalhos é a mesma que elabora o plano básico. Ou seja, quem executa também projeta. Por isso, não há desculpas para falhas técnicas ou de planejamento, já que toda a responsabilidade é de um único consórcio ou empresa.
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