A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta quarta-feira (12) uma operação que mira suspeitos de desvios de recursos das obras de requalificação da BR-101, no trecho do Contorno Viário da Região Metropolitana de Recife (RMR). Batizada de "Outline", a ação conta com a atuação de 50 policiais, que cumprem dez mandados de prisão em bairros do Recife e em Jaboatão dos Guararapes.
De acordo com a PF, mais de R$ 190 milhões foram empregados para a execução das obras. Desses recursos, a maior parte foi destinada pelo Governo Federal ao Estado de Pernambuco, sob a gestão do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE).
Materiais de baixa qualidade
Relatórios dos Tribunais de Contas da União (TCU) e do Estado de Pernambuco (TCE-PE) entregues à PF apontam que a obra vem sendo executada com material de baixa qualidade e pouca durabilidade, o que pode estar afetando trechos de rodovias já entregues à circulação, conforme levantamentos fotográficos realizados recentemente.
Ainda de acordo com a PF, apenas um servidor do DER-PE teria atuado como fiscal dos serviços por aproximadamente metade do período das obras, algo considerado incomum para obras como estas. Os policiais disseram ainda que uma empresa que fazia parte do consórcio vencedor da licitação para execução da requalificação de trechos da BR-101 na RRM chegou a atuar como supervisora da obra, após o servidor do DER-PE.
Quebra de sigilo bancário
A PF encontrou indícios de desvios dos recursos repassados pelo DER-PE para empresa responsável pela obra para pagamento de propinas a servidores públicos após pedir à Justiça a quebra dos sigilos bancários das pessoas e empresas suspeitas.
A corporação estima que, ao menos, R$ 2 milhões teriam sido desviados, no entanto, o valor só pode ser confirmado após após perícia para calcular o valor exato.
Durante a 'Outline' policiais federais apreendem documentos e arquivos digitais, que serão analisados para auxiliar nas investigações. Entre os crimes investigados pela ação policial estão os de peculato, corrupção ativa e passiva, fraude em dispensa de licitação e lavagem de dinheiro. Se condenados, os suspeitos podem pegar penas que somadas ultrapassam os 20 anos de reclusão.
DER se posiciona
Por meio de nota, o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Pernambuco (DER) informou que "desde o primeiro momento, a diretoria do órgão disponibilizou o acesso e a documentação solicitada pela Polícia Federal, que cumpriu mandatos de busca e apreensão de documentos relativos a prestação de contas de obras na BR 101."
Ainda segundo o órgão "as obras da BR - 101 são realizadas em Regime de Contratação Diferenciada, resultante de um termo de compromisso firmado entre o Governo Federal, através do DNIT, e o Governo de Pernambuco, através do DER, em 2017, com percentuais de participação financeira de 20% para o Estado de Pernambuco e 80% do Governo Federal."
O DER também informou, em nota, que a obra conta com uma fiscalização própria, supervisionada por uma empresa contratada, além de uma gerenciadora de obras e outra ambiental. O órgão também disse que o Tribunal de Contas do Estado acompanha a fiscalização dos serviços e que está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos.
Problemas antigos
Os problemas nas obras do do Contorno Viário da RMR não são novos. Em 2 de outubro de 2017, o Jornal do Commercio ouviu especialistas em mobilidade de urbana que apontaram erros dos governos Federal e Estadual na execução das intervenções na via. À época, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Maurício Pina criticou a escolha de asfalto, tecnicamente chamado de CBUQ, para toda extensão da via foi feita por ser um material mais barato.
“Isso é o mais lamentável. O governo simplesmente escolhe o tipo de pavimento pensando em economizar, de se ajustar à falta de recursos. Mas é preciso lembrar que o pavimento flexível tem uma vida útil muito menor do que o pavimento de concreto. O asfalto, com a manutenção correta, não passa de dez anos, enquanto o concreto chega a 20 anos”, argumentou Maurício Pina.
“O contorno da BR-101 é da primeira metade da década de 1970, ou seja, deveria ter sido substituída há 20 anos. E isso porque é de concreto. Os trechos mais destruídos são, exatamente, aqueles onde se colocou o asfalto sobre as placas de concreto”, alertou Pina. A opção pelo pavimento em concreto, entretanto, significaria duplicar o valor do projeto, aproximadamente.
Coube ao então diretor de operações e construções do Departamento de Estradas de Rodagem de Pernambuco (DER-PE), Silvano Carvalho, fazer a defesa do projeto de restauração do contorno urbano da BR-101. “É importante explicar que está sendo adotado o mesmo pavimento utilizado na duplicação da BR-101 Sul e Norte, que tem qualidade. Serão 16 centímetros de asfalto. Estamos removendo as placas danificadas e o que existe embaixo dela. Poderemos reconstruir de 40 centímetros a 1,5 metro de área até alcançar o nível da pista”, disse o diretor na época.
Após Maurício Pina criticar a execução das obras, três entidades nacionais de engenharia com representação em Pernambuco se uniram para apontar os erros que os governos cometeram nas obras de restauração dos 30,7 quilômetros do Contorno Viário da RMR, entre Abreu e Lima e Jaboatão dos Guararapes.
Os alertas foram feitos pela Associação Brasileira de Engenheiros Civis em Pernambuco (Abenc-PE), a Associação dos Engenheiros de Segurança do Trabalho de Pernambuco (Aespe) e o Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge) e apontavam, basicamente, os mesmos erros: o primeiro e mais grave é a escolha do asfalto para substituir o que restou das placas de concreto implantadas 44 anos atrás, quando o contorno foi construído. Depois, o modelo de contratação escolhido, que na avaliação técnica não é o adequado e dificultará a fiscalização da obra, o que é alvo da Operação 'Outline' deflagrada pela PF nesta quarta.
Em resposta ao alerta da entidades, o secretário de Transportes de Pernambuco em exercício na época, Antônio Cavalcanti Júnior disse que os custos dimensionados pelas entidades de engenharia não representam a realidade. “É ilusória a afirmação de que seria possível trocar as 20 mil placas que compõem os 30 quilômetros do contorno urbano da BR-101 por concreto (pavimento rígido) gastando apenas R$ 100 milhões. A tabela da Emlurb citada pelos engenheiros não pode ser considerada para rodovias. Somente para retirar todas as placas do contorno seriam necessários R$ 50 milhões. Serão gastos R$ 119 milhões somente para refazer as duas pistas com a técnica do pavimento semi-rígido”, rebateu Cacildo Cavalcante.
Depois de ser criticada por entidades nacionais de engenharia e professores da UFPE, receber do Tribunal de Contas do Estado (TCE) um alerta de má condução e uma medida cautelar suspendendo uma etapa da licitação, em 16 de abril de 2018, as obras voltaram a chamar atenção por supostas irregularidades. Dessa vez as obras voltaram a ser questionadas por, segundo os auditores do TCE, ter irregularidades na contratação de aditivos ao contrato, fuga à licitação e realização de serviço sem cobertura contratual.
As desconfianças foram tantas que levaram a conselheira do TCE-PE Teresa Duere a emitir, após análise técnica, um novo alerta de responsabilização à então gestão do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE), braço do governo do Estado que gerencia a obra. O modelo de contrato da restauração da rodovia é o chamado Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que não permite qualquer tipo de aditivo porque, nele, a empresa responsável pela execução dos trabalhos é a mesma que elabora o plano básico. Ou seja, quem executa também projeta. Por isso, não há desculpas para falhas técnicas ou de planejamento, já que toda a responsabilidade é de um único consórcio ou empresa.
Consequências
Na visão dos auditores do TCE-PE, a execução das obras trouxe prejuízo para a sociedade porque quando se adita um contrato significa que os preços por aquele serviço não foram submetidos ao mercado. Assim, as chances de se estar pagando mais caro existe porque o consórcio construtor vai subcontratar uma empresa especializada. Se houvesse a concorrência pública para a realização dos serviços, os valores poderiam ser menores. Da forma como foi feito, era uma contratação desfavorável para o serviço público.
Na leitura dos técnicos, os gestores da obra deixaram a situação se tornar emergencial para só então agir. Um claro sinal de que houve falha de planejamento.