Covid-19

Familiares de pacientes com coronavírus em Pernambuco reclamam da espera por um leito de UTI

Internados em UPAs ou outras emergências, pacientes aguardam durante dias uma vaga em unidades de saúde especializadas no combate à covid-19

JC
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Publicado em 24/05/2020 às 20:49 | Atualizado em 25/05/2020 às 10:25
Médico teria estuprado pacientes durante atendimento na UPA da Imbiribeira. Foto: Divulgação
Rosilda Tomaz da Silva, de 69 anos, faleceu após ser transferida para a UTI - FOTO: Médico teria estuprado pacientes durante atendimento na UPA da Imbiribeira. Foto: Divulgação

“Até ontem (sábado, 23) a minha mãezinha estava bem, só relatou um pouco de dificuldade em respirar. Agora ela está na ala vermelha, com uma máquina do lado. A equipe que cuida dela disse que estava aguardando a liberação de um leito de UTI no Hospital Otávio de Freitas, mas não deu nenhum detalhe sobre quando a transferência iria acontecer”, afirmou a dona de casa Jaqueline Silva de Oliveira, filha de Ana Maria Firmino da Silva, de 67 anos, internada com suspeita de covid-19 há quatro dias na UPA da Cidade Tabajara, em Olinda. Assim como Jaqueline, familiares de outras pessoas que estão com o coronavírus ou que podem estar infectadas queixam-se da demora do governo estadual em providenciar leitos de terapia intensiva para pacientes com sintomas respiratórios graves que dão entrada em emergências.

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), Pernambuco conta, hoje, com 614 leitos de UTI exclusivos para o tratamento de pacientes com a covid-19, dos quais apenas 18, 3% do total, não estão ocupados. A pasta não informou quantas pessoas estão aguardando por uma vaga atualmente, e limitou-se a dizer que “todo dia entram dezenas de pacientes (na fila de espera por leito) e outras dezenas saem, transferidos para hospitais de referência”.

“Não há interesse dos governantes em agilizar essas transferências, por isso o País está desse jeito. Nós ficamos sem notícias da minha mãe, não podemos visitá-la e ainda sofremos com o receio de que ela piore sem o atendimento adequado”, pontuou Jaqueline. A preocupação da dona de casa se justifica porque a mãe, além de idosa, tem histórico de diabetes e hipertensão, comorbidades comuns em pacientes que desenvolvem as formas mais graves da covid-19.

Depois de passar cinco dias internada na UPA da Imbiribeira, a aposentada Rosilda Tomaz da Silva, de 69 anos, conseguiu, neste domingo (24), um leito de UTI no Hospital Nossa Senhora do Ó, em Paulista. Segundo a filha dela, a comerciante Cléa Tomaz da Silva, durante os dias de internação a família ouviu da equipe que cuidava da paciente que ela precisava seguir para uma UTI o mais rápido possível. “A minha mãe foi intubada assim que chegou à UPA, e a solicitação de encaminhamento dela para uma UTI foi feita. Os próprios médicos nos disseram que lá na UPA só havia estrutura para que ela passasse um dia, mas isso se arrastou até hoje (ontem). Durante esse período vimos várias pessoas mais jovens darem entrada na unidade com sintomas da covid-19 e já seguir para a UTI, enquanto a minha mãe, idosa, permanecia aguardando”, rememorou Cléa. Rozilda faleceu no início da noite.

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Através de nota, a SES-PE informou que, atualmente, “a priorização das transferências é realizada a partir da discussão técnica entre o médico solicitante e o médico regulador, levando em consideração, primeiramente, a gravidade do caso, a estrutura disponível e a qualidade do suporte clínico nas unidades de saúde onde cada paciente se encontra”. A pasta disse, também, que “o Estado tem uma das maiores redes públicas do País” e que “todas as UPAs e emergências hospitalares estaduais têm uma estrutura de suporte à vida com capacidade de atendimento e estabilização aos casos mais graves da Covid-19, com pontos de oxigênio e respiradores disponíveis”.

PREPARAÇÃO

No início do mês, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) editou a recomendação nº 05/2020, que cria o Escore Unificado para Priorização (EUP-UTI), um sistema que deve ser usado caso haja o colapso do sistema de saúde pernambucano para orientar médicos e o serviço público quanto aos protocolos de internação em UTIs da covid-19 indicados para essa situação. “A intenção é que o Estado adote esses critérios no caso de absoluta falência do sistema de saúde, o que ainda não ocorreu, para que se consiga não só priorizar os leitos de UTI para aqueles que verdadeiramente vão se beneficiar disso, como também amparar o médico que está na assistência na hora de decidir”, explicou a médica Zilda Cavalcanti, diretora do Cremepe e uma das criadoras do EUP-UTI.

Em coletiva de imprensa na última segunda-feira (18), o secretário estadual de Saúde, André Longo, disse que já tem estudado a implantação do EUP-UTI no Estado. O auxiliar de Paulo Câmara (PSB) frisou, contudo, que mesmo em um cenário de colapso, pretende aplicar “o conceito da paliação discutida com familiares” nos casos em que não há condição de sucesso terapêutico. “Não queremos nunca o abandono terapêutico, mas é preciso pensar nessa situação e sempre fazer a interação adequada com a família dos pacientes e com as equipes que estão ali no trabalho”, ressaltou o secretário, na ocasião.

JUDICIALIZAÇÃO

Na última quinta-feira (21), o atraso em uma transferência hospitalar levou o juiz Luiz Gomes da Rocha Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, a determinar que o Estado de Pernambuco transferisse o paciente Adailton Cosme dos Santos, de 67 anos, para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no prazo de até 24 horas. O homem deu entrada na UPA de Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife, no dia 30 de abril com sintomas da covid-19 e como não foi encaminhado a uma unidade de tratamento adequada, acionou a Justiça.

De acordo com a decisão judicial, quando procurou atendimento médico Adailton já apresentava sintomas como tosse, febre alta e dificuldade em respirar há sete dias. Ao chegar à UPA, a família do idoso foi informada que ele precisaria ser encaminhado a uma UTI e que a solicitação de vaga já havia sido enviada à Central de Regulação de Leitos. Como até então o pedido não havia sido atendido, no dia 13 de maio o juiz resolveu fazer uma inspeção na UPA onde o paciente estava internado, na Central de Leitos e no Hospital de Referência Covid-19 (Antigo Alfa).

Ao justificar o deferimento da liminar, o juiz disse que a solicitação do paciente é pertinente porque está "respaldada em prova inequívoca, circunstância que denota seguramente a gravidade de seu quadro de saúde”. O magistrado determinou, ainda, que caso o Estado não cumprisse a ordem, uma multa diária de R$ 2 mil deveria ser aplicada.

Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde encaminhou uma nota informando que dois dias após a visita do juiz à UPA de Nova Descoberta, no dia 15 de maio, o paciente foi transferido para um leito de UTI no Hospital Dom Hélder Câmara, no Cabo de Santo Agostinho, e que recebeu alta médica no último sábado (23). A pasta ressaltou que “em todo período em que esteve na UPA de Nova Descoberta, (o paciente) recebeu atendimento e acompanhamento adequado, inclusive com suporte de respirador e oxigênio”.

A SES também informou que “reconhece a gravidade do momento em todo o País e ressalta que vem tomando todas as medidas para aumentar a estrutura da rede estadual, bem como para sensibilizar a sociedade e aumentar os níveis de isolamento social – única forma de evitar o colapso da rede de saúde”.

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