CORONAVÍRUS

Estados falham na prestação de contas durante a pandemia

Somente quatro Estados foram considerados ótimos em detalhar as despesas realizadas para enfrentar o covid-19, segundo ranking elaborado pela Transparência Internacional Brasil

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 24/05/2020 às 11:30 | Atualizado em 25/05/2020 às 12:16
JAILTON JR./JC IMAGEM
A pandemia chamou a atenção para outra realidade do poder público: a falta de transparência nas despesas - FOTO: JAILTON JR./JC IMAGEM

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) chamou a atenção para outra realidade do poder público brasileiro: a falta de transparência. Mais de 50% dos Estados brasileiros foram classificados nos conceitos de regular ou ruim no ranking divulgado na semana passada pela respeitada Transparência Internacional Brasil, que mede a clareza das informações sobre as contratações de bens e serviços para enfrentar a crise sanitária.

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Somente três Estados (Espírito Santo, Goiás e Paraná) conseguiram a classificação de ótimo e nem o primeiro lugar (ES) obteve a nota máxima que era 100. Pernambuco ficou no 14º lugar dessa lista com mais 11 Estados, que apresentaram desempenho regular. Os que registraram a pior performance foram Roraima e São Paulo, o Estado mais rico do País.

O ranking divide as notas obtidas pelos Estados em cinco grande conceitos e suas respectivas notas: ótimo (de 80 a 100), bom (de 60 a 79), regular (40 a 59), ruim (20 a 39) e péssimo (zero a 19). São 14 Estados classificados nos conceitos mais baixos. E 12 nos conceitos mais altos, sendo nove no conceito bom.

Para elaborar a lista, a Transparência Internacional visitou os sites específicos das contratações feitas para combater a pandemia entre os dias 12 e 19 últimos. Foi observado se os Estados estavam obedecendo a lei federal de nº 13.979, a qual disciplina as contratações emergenciais feitas durante a pandemia. Essa lei diz que todas essas contratações têm que ser colocadas “imediatamente” em sítios específicos nos portais da transparência.

“Observamos tanto o que é exigido na 13.979 assim como as informações que são desejáveis de estarem nesse sítio específico na internet. Por exemplo, o poder público têm obrigação de dizer quem foi contratado, o valor total, o valor unitário, a íntegra do contrato, entre outros. A transparência contribui para que esses recursos sejam usados corretamente”, resume o pesquisador da Transparência Internacional Brasil Vinícius Reis.

Até a semana passada, foram liberados cerca de R$ 258 bilhões no orçamento paralelo da covid-19 e existem, em todo o País, 400 denúncias de mau uso dessa verba, segundo informações da ONG Contas Abertas. Somente para se ter uma ideia do que isso representa, o Brasil gastou R$ 25,5 bilhões para realizar a Copa do Mundo em 2014.

“A falta de transparência ficou mais evidente com o covid-19. O que impulsiona a transparência é o interesse do público. E, no Brasil, esse interesse não é tão grande como em outros lugares do mundo”, resume o secretário adjunto de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Marcelo Luiz da Souza Eira. O TCU chegou a elaborar um manual de 12 páginas – que está no site da Transparência Internacional – com recomendações para os gestores se enquadrarem na lei 13.979.

Os motivos pelos quais os gestores não estão dando muita importância à transparência são vários, segundo os especialistas consultados nessa reportagem. “Falta uma cultura no gestor de dar prioridade à transparência”, acredita o auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), Gustavo Diniz.

DINHEIRO DO POVO

Mas por que a transparência é importante? Por várias razões. “A transparência permite que o povo, a quem pertencem os recursos públicos, saiba o destino que é dado a eles pelo gestor de plantão. É o chamado controle social, indispensável numa República”, explica Germana Galvão Cavalcanti Laureano, procuradora-geral do Ministério Público de Contas que atua no TCE de Pernambuco. O órgão fez várias recomendações que resultaram em suspensão de algumas das contratações do covid-19.

Controle social é feito pelos cidadãos que acompanham os gastos e quando percebem que há algo de errado fazem uma denúncia aos órgãos competentes, como o TCE ou o Ministério Público (MP), do Estado ou da União (MPF).

“A transparência não é vista como uma necessidade urgente. É linda de ter, mas não é considerada tão importante. A pressão dos eleitores nessa área não é suficiente, porque a maioria dos eleitores no Brasil se preocupam mais com questões materiais, como escola, os serviços de saúde, feijão, arroz, entre outras coisas”, resume o coordenador do Programa de Transparência Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Robert Gregory Michener.

HISTÓRICO

Tanto Robert como Marcelo, do TCU, dizem que a falta de transparência no Brasil faz parte da nossa história. “O País foi um dos últimos países a aprovar a Lei de Acesso à Informação (LAI). E, historicamente, o Brasil não valorizou a informação. Também faltam instituições que cuidem da transparência. Por exemplo, o Chile e México têm órgãos que acompanham especificamente esse assunto”, argumenta Robert. A Lei de Acesso a Informação (LAI) surgiu no Brasil em 2011 e foi um marco porque estabeleceu que toda informação é pública, com exceção da que é sigilosa.

A LAI também trouxe o conceito de transparência ativa, que é aquela informação que o órgão público tem obrigação de publicar na internet. “Ser transparente também não é fácil. Dá mais trabalho. Além do gestor fazer, ele tem que mostrar o que faz. Mas a transparência é essencial para o combate à corrupção”, lembra Marcelo.

 É senso comum entre os especialistas que todos os países que levaram a transparência a sério conseguiram ser desenvolvidos. “A Dinamarca é um dos países mais transparentes, mas a transparência está lá há três séculos e foi um dos critérios exigidos, quando aquele País ainda era uma monarquia”, revela Marcelo. E complementa: “Não adianta só colocar as informações na internet. Elas devem estar traduzidas para que qualquer cidadão entenda. Esse é um passo que terá que ser dado”, conclui.

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