COVID-19

Segurança e saúde mental de profissionais de saúde são tema de pesquisa da Fiocruz

Fundação está ouvindo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem

Amanda Rainheri
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Amanda Rainheri
Publicado em 21/08/2020 às 17:49 | Atualizado em 28/08/2020 às 18:25
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Márcio Sanctos, é médico e atua na linha de frente da covid-19 nas redes pública e particular - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Atualizada às 18h32

A rotina de Aglaia Bianca Cunha, de 43 anos, mudou completamente desde o último mês de março. Assim que a pandemia do novo coronavírus (covid-19) chegou a Pernambuco, ela, que é técnica em enfermagem da rede estadual, adoeceu e travou uma verdadeira batalha pela vida. Assim como Aglaia, mais de 20 mil profissionais da saúde já foram infectados pelo vírus no Estado. Mas adoecer de covid não é o único impacto para quem está na linha de frente do combate à doença. Pensando nisso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está desenvolvendo uma pesquisa junto aos profissionais da saúde para avaliar os riscos a que estão submetidos e também as consequências para a saúde mental.

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Aglaia faz parte do grupo de profissionais que mais adoeceu em Pernambuco, segundo levantamento divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) na última quarta-feira (19). De acordo com o informe, até o dia 17 de agosto, 28,6% dos infectados eram auxiliares ou técnicos em enfermagem. A categoria é seguida pelos enfermeiros, que representam 11,8% dos profissionais da saúde doentes e pelos médicos, que somam 8,4% dos casos. "Quando adoeci, ninguém falava ainda em transmissão comunitária, então era tudo muito novo, a gente ainda estava descobrindo o que precisava ser feito", conta a técnica. 

Aglaia passou 70 dias internada, sendo 42 em coma na UTI. Cinco meses depois, ela, que é diabética e asmática, ainda não retornou ao trabalho. "Fiquei com muitas sequelas devido aos bloqueadores musculares (medicamentos que ajudam na intubação e facilitam a ventilação). Todo dia é uma nova conquista. Hoje eu ando, falo e estou começando a conseguir escrever. A vitória não foi só minha, mas de Deus, dos profissionais da saúde e de quem torceu por mim", comemora. A profissional conta que entre os colegas de trabalho a apreensão ainda é grande. "A preocupação é grande e a reclamação é geral de que faltaram equipamentos adequados para trabalhar. Muita gente adoeceu e outros tantos perderam a vida", lamenta.

Coordenadora do estudo, que já ouviu cerca de 500 profissionais de diferentes especialidades, tanto na rede pública quanto na privada, Fátima Militão afirma que a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) está entra os relatos mais comuns. "A manipulação do paciente é a principal situação de vulnerabilidade apontada. Mas existe a questão da reutilização das máscaras e da desparamentação. Alguns profissionais afirmam que reutilizam a mesma N95 de sete a 15 dias, o que se torna fonte de contaminação. Há ainda relatos de profissionais que têm comorbidades e estão trabalhando", aponta.

Até agora o maior percentual é de profissionais jovens com menos de 30 anos (46,6%) e 52% do total de participantes relataram ter tido sintomas de Covid-19. Sessenta por cento dos profissionais foram testados (239), dentre os quais 41% tiveram resultado positivo no exame RT-PCR.

O protocolo criado em Pernambuco será levado agora a quatro outras Regiões Metropolitanas: de Belém, Fortaleza, São Paulo e Porto Alegre. Outra novidade é que serão acompanhadas questões relativas à saude mental desses profissionais. "Muitas vezes, na correria, muitos não percebem que podem estar desenvolvendo sintomas de ansiedade e depressão. Existe um forte compontente de stress pós-traumático nessa situação, que afeta o emocional dos profissionais", afirma Fátima Militão.

O médico Márcio Sanctos, que trabalha com terapia intensiva nas redes pública e particular, está na linha de frente do combate à doença desde o início da pandemia. Em maio, teve o diagnóstico positivo para covid-19. Para ele, os momentos mais difíceis da pandemia foram no início, quando se tinha muitas dúvidas sobre como proceder nos atendimentos e os profissionais precisaram lidar com os casos graves com menos conhecimento do que se tem hoje. "Era muito angustiante a sensação de impotência. Eu sempre digo que o que nos faz conseguir botar a cabeça no travesseiro e dormir, mesmo atuando em UTI, é a certeza de que se fez tudo o que poderia se fazer. Nesses casos, a gente não sabia de fato se estava fazendo tudo o que era para ser feito, porque a literatura médica estava sendo feita ao mesmo tempo em que a pandemia acontecia", lembra. 

Para ele, isso impacta a saúde mental dos trabalhadores. "Conviver com essas incertezas, ver os pacientes graves e os que faleceram. Talvez não seja tão claro para quem não conviveu com essa realidade. Mas até as notícias eram dadas por telefone. Além do trabalho de assistência, o profissional também precisava conversar com os familiares por telefone. Se não é fácil dar notícias ruins pessoalmente, dessa forma é ainda mais difícil. Tudo isso em meio a uma tentativa diária de desfazer fake news. Não tenho dúvida de que isso impacta os profissionais."

As avaliações seguem sendo feitas e a expectativa da Fiocruz é de que os resultados finais sejam divulgados no primeiro semestre de 2021.

Resposta

Em nota, a SES informou que "desde o início da pandemia do novo coronavírus, tem monitorado permanentemente o abastecimento e os estoques de equipamentos de proteção individual (EPIs) das unidades da rede estadual de saúde" e que "durante todo o processo, não houve falta desses insumos, garantidos por meio de diversas ações para compra de itens, de acordo com as especificações técnicas recomendadas pelos órgãos de controle, visando garantir a segurança do profissional de saúde e dos pacientes."

A secretaria também falou sobre o afastamento de profissionais da saúde e testagem para quem trabalha na área. Confira a nota na íntegra:

A Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) informa que, desde o início da pandemia do novo coronavírus, tem monitorado permanentemente o abastecimento e os estoques de equipamentos de proteção individual (EPIs) das unidades da rede estadual de saúde. Durante todo o processo, não houve falta desses insumos, garantidos por meio de diversas ações para compra de itens, de acordo com as especificações técnicas recomendadas pelos órgãos de controle, visando garantir a segurança do profissional de saúde e dos pacientes.

Ao todo, mais de 30 milhões itens foram adquiridos. É importante frisar, ainda, que a SES-PE e as unidades da rede estadual têm feito um trabalho permanente de conscientização dos seus profissionais sobre o uso adequado e oportuno destes equipamentos.

Em relação ao afastamento de profissionais, Pernambuco foi pioneiro na criação, em abril, de uma portaria para regulamentar a questão. Entre as medidas, orientou-se o afastados de atividades que impliquem atendimento ao público externo de servidores e colaboradores enquadrados nos grupos de risco, como acima de 60 anos, gestantes e com comorbidades. Acima de 70 anos, a orientação era pelo trabalho remoto. Nessa última faixa etária, foram convocados médicos para atuar remotamente prestando teleorientação pelo aplicativo Atende em Casa.

O Estado ainda foi pioneiro na inclusão, também no início de abril, dos profissionais de saúde como prioritários para a testagem para a Covid-19. Desde então, mais de 50 mil fizeram o exame.

Por fim, a SES-PE ressalta seu comprometimento em implementar as medidas necessárias para proteger a atuação dos profissionais da rede estadual de saúde e para afastá-los de setores ou colocá-los em trabalho remoto quando necessário.

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