Uma explosão irrompeu o céu de Santa Filomena, no Sertão de Pernambuco, e mudou a rotina da cidade nas últimas duas semanas. A corrida pelos fragmentos do meteorito que caiu na manhã do dia 19 de agosto movimentou o então pacato município, de pouco mais de 13,3 mil habitantes, segundo último censo do IBGE. Caçadores estrangeiros, pesquisadores de diversos Estados e moradores locais foram atraídos para a busca pelo valioso material espacial.
O estudante e bombeiro filomense Edimar da Costa Rodrigues, de 20 anos, foi um dos primeiros a conseguir um pedaço do meteorito. Ele estava na casa do irmão quando todos ouviram o estrondo da queda. “Nada parecido com o que já tinha acontecido por aqui. Quando olhei no céu, tinha uma fumaça, como um espiral torcido. Tipo um fio de telefone. Fez um formato de funil e foi sumindo”, descreveu.
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“Quando eu cheguei em casa e abri o WhatsApp, todo mundo estava falando disso. Algumas pessoas relatando que tinha caído pedra do céu. Aí eu relacionei porque já estudei pouco astronomia, tinha um pouco do noção que poderia ser um meteoro”, contou.
Edimar comparou as fotos que já estavam circulando entre os moradores e reconheceu um dos locais onde havia um fragmento. Uma parte do aerolito caiu em frente à igreja central da cidade, a cerca de 400 metros da sua residência.
“Eu saí meio sem esperança de encontrar, porque já tinha 10 a 15 minutos que tinha acontecido. Quando cheguei, tinha umas oito a dez pessoas olhando a pedra mas ninguém com coragem de pegar. Eu só peguei e vim para casa”, disse.
No dia seguinte, começaram a chegar os primeiros visitantes - pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, interessados em levar o material coletado para o estado fluminense. “Depois começou a chegar gente do Uruguai, dos Estados Unidos. Até agora estão aqui, procurando, ainda estão em campo. Eles têm interesse enorme de comprar. A cidade está bem movimentada”, falou. Edimar não comenta o preço exato, mas diz que o valor oferecido por grama flutua de R$ 12 a R$ 40. "Eles (os compradores) orientam a gente a não falar. Variava muito do formato da pedra, do tamanho, se estava intacta."
Segundo ele, as duas únicas pousadas da cidade ficaram lotadas e as pessoas de fora precisaram se hospedar em municípios vizinhos ou nas casas dos moradores. Edimar recebeu pelo menos sete cientistas em casa. “Juntando tudo, compradores e pesquisadores, devem ter vindo (à cidade) umas 20 a 25 pessoas. Hoje deve ter de 10 a 15”.
Um dos caçadores estrangeiros é o porto-riquenho Raymond Borges, de 34 anos, cientista da computação que coleciona meteoritos como hobby. Nos últimos dias, ele viajou dos Estados Unidos, onde mora, até Santa Filomena, atrás do rastro do meteorito.
“Às vezes, como colecionador, nós negociamos com outros colecionadores ou com museus. Quando possível, eu vou aonde novos meteoritos caem ao redor do mundo para obter novas espécimes”, contou, em entrevista ao JC.
Até agora, Raymond não encontrou nenhum fragmento, mas conseguiu comprar pequenas amostras. “Eu não levei muito dinheiro, mas, nessa área, qualquer quantidade de dinheiro pode ser considerada muita”, disse.
Ele detalhou que todos os dias vê dezenas de pessoas em campo. “Muitos disseram que querem virar colecionadores de meteoritos. Eles também querem guardá-los como curiosidade. Alguns moradores me falaram que vão transformá-los em ímãs de geladeira e joias.”
Raymond trabalhou na elaboração de um mapa dos vestígios. “Quando meus colegas colecionadores brasileiros me notificaram dessa queda, eu analisei o vídeo do meteoro e nós cooperamos para fazer uma trajetória estimada e um mapa. Eu contactei Edimar e outros moradores locais para obter coordenadas dos achados que foram feitos com seus pesos, e melhorar os mapas para que pesquisadores do Brasil e outros colecionadores e moradores pudessem encontrá-los mais facilmente”, afirmou.
Perguntado sobre o que o motivou a cruzar o continente até Santa Filomena, o colecionador explicou que, embora o meteorito em questão não seja de material raro, ele é valioso porque foi recuperado rapidamente e não foi erosado pela chuva. “Este é um típico meteorito chamado de condrito ordinário. Eles representam cerca de 90% dos tipos de meteoritos que caem na Terra”, contextualizou. “Mas qualquer meteorito novo é valioso porque é bem preservado nas primeiras semanas. Depois, ele começa a deteriorar rapidamente, especialmente se chove.”
Isso explica a pressa dos cientistas em recuperar o material. De acordo com uma das especialistas que veio ao Sertão pernambucano, a professora Diana Paula Andrade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as quedas são comuns no mundo todo. “O problema são as pessoas assistirem à queda e a gente saber onde caiu. Elas veem no céu, veem a fumaça, mas não encontram o fragmento”, disse. “No Brasil a última queda que a gente soube e que conseguiu pegar o meteorito foi em 2017. Depois disso, a gente não teve conhecimento.”
A astrônoma do Observatório de Valongo, no Rio, exemplificou que as amostras podem ajudar a revelar a história de formação do Sistema Solar. “A gente já sabe que é um condrito ordinário, mas há diversos tipos. Fazendo as pesquisas, a gente consegue saber de que tipo é, e até de que local ele veio”, levantou.
Diana faz parte do grupo de quatro professoras da UFRJ chamado meteoríticas. Ela só veio a Pernambuco na sexta-feira (23), mas as duas primeiras representantes, entre elas a chefe Maria Elizabeth Zucolotto, foram as primeiras a chegar, logo no dia 20. As mulheres embarcaram de volta ao Rio nesta quarta-feira (2), levando sete fragmentos inteiros, o maior com aproximadamente 60 gramas. "Achamos três no campo e conseguimos comprar quatro, mais alguns caquinhos". A ideia é que parte seja usada em estudos e outra seja exibida nos observatórios do Valongo e da UFRJ, ambos no Rio.
Apesar da alta procura, Diana garantiu que o clima da busca não foi de competitividade. “Vieram dois dos Estados Unidos, um do Porto Rico, dois do Uruguai. Teve também os caçadores brasileiros, alguns comerciantes e outros não". "Não vejo como uma disputa, inclusive os caçadores americanos ajudaram bastante na busca, a identificar quais eram os possíveis lugares que a gente poderia encontrar os possíveis fragmentos. A gente ficou sem carro e eles levaram a gente”, relatou.
Sua observação foi em relação à dificuldade nas negociações com moradores. “No começo a gente estava muito desesperada pela amostra, com medo de conseguir no campo. A gente tentou comprar primeiro, mas não venderam. Passamos dias tentando, só conseguimos quando o Christian, filho de Elizabeth, chegou. Houve um pouco de machismo”, atribuiu.
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