COVID-19

Pandemia da covid-19 afeta os jovens, e desafio de mantê-los em casa é maior

Pesquisa mostra que 70% dos jovens tiveram a saúde mental afetada pelo confinamento

Amanda Rainheri
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Amanda Rainheri
Publicado em 13/12/2020 às 6:00 | Atualizado em 13/12/2020 às 10:22
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
EXPERIMENTOS Mesmo cansada até das redes sociais, Rebeca sabe que ainda não é hora de ir às ruas e tenta quebrar o marasmo aprendendo a cozinhar - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Em meio ao aumento dos casos do novo coronavírus em Pernambuco, um dos principais desafios apontados por profissionais da saúde e poder público é manter os jovens dentro de casa. Para os gestores, a ascensão da curva da doença está associada ao relaxamento de medidas de prevenção contra a covid-19 pelas faixas etárias mais jovens, com a flexibilização de atividades de lazer. Não coincidentemente, o primeiro recuo no plano de convivência com a doença foi a proibição da realização de festas na úlitma semana. Para especialistas, estamos vivendo um momento de "fadiga pandêmica." Uma pesquisa realizada com jovens de idades entre 15 e 18 anos, que integram a chama geração Z, evidencia essa realidade. Segundo o estudo, 70% dos entrevistados sentem algum tipo de alteração no humor ou de sentimentos . A maioria diz sentir falta de levar uma vida normal, encontrar os amigos e frequentar eventos sociais.

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A pesquisa, fruto da parceria änimä inteligência de marca e a On The Go, start-up de pesquisa de mercado, foi realizada com 407 jovens, entre os dias 11 e 14 de setembro. As informações foram coletadas através de um chatbot, uma espécie de robô que responde a mensagens do usuário. Os resultados chamaram atenção dos pesquisadores. “Foi uma surpresa para a gente ver como a pandemia atingiu em cheio os jovens. Sete em cada 10 deles disseram estar com sentimentos à flor da pele. Esse é um alerta importante para as famílias e as escolas”, defendeu Daniela Teixeira, mestra em consumo e coordenadora da pesquisa.

Outra surpresa, segundo a pesquisadora, diz respeito a uma espécie de saturação do uso de redes sociais. “A pandemia aumentou a exposição ao meio digital, esse era um resultado esperado. Mas chamou atenção que os jovens associassem o uso das redes a um certo ‘tédio’. Como se as redes fossem um refúgio, mas não um alento para a vida dele. A partir do momento em que ele está sem a vida social, a rede social não é mais suficiente. Ele quer voltar a sair”, explica Daniela.

Rebeca da Silva, de 17 anos, faz parte do grupo que se sente cansado das redes sociais. “Não dá mais vontade de entrar no Instagram, só entro em rede social se minhas amigas decidem conversar. É como se tivesse saturado tudo.” Para ela, o cansaço das redes ainda tem mais um motivo. “É cansativo para mim ver pessoas postando que estão saindo para fazer festa. Não é hora de estar fazendo esse tipo de coisa. Eu estou me cuidando tanto, para acabar pegando a doença porque outras pessoas não cumpriram as regras”, argumenta ela, que está em casa, em isolamento, desde que a pandemia chegou a Pernambuco, em março. “Para mim, apesar de ter sido tudo muito diferente, foi até fácil. Me adaptei ao ensino remoto, assisti muitas séries e comecei até mesmo a cozinhar, vendo minha mãe e acompanhando vídeos na internet”, conta.

Para Gabriel Queiroz, 18, o período não foi tão fácil. Para ele, a pandemia tem sido um misto de estresse, segurança e ansiedade, principalmente por estar concluindo o ensino médio e prestes a enfrentar o vestibular. “Tivemos que nos adaptar ao EAD de uma forma emergencial. Para mim, um ensino insuficiente. De longe não é a mesma coisa de forma alguma.” Hoje Gabriel frequenta as aulas presenciais uma semana sim, outra não, conforme o sistema de rodízio estabelecido pelas regras sanitárias. A única flexibilização que o jovem fez nos últimos meses foi frequentar a casa de alguns amigos, sem aglomerações. “Vejo pessoas que não estão se importando muito. Uma parcela acho que por não ser do grupo de risco, pode sair normalmente. Parece que é uma realidade que está muito distante deles, mas não está”, acrescenta.

A pesquisa realizada com os jovens mostra que 55% quer voltar a ter uma vida normal. Encontrar os amigos faz parte dos anseios de 53% dos entrevistados. 52% sentem falta da rotina de estudos e trabalho e 41% das atividades sociais, como baladas, praia, festas e passeios no shopping. Para a psicóloga Giedra Holanda, especialista em infância e adolescência, os quadros encontrados em jovens preocupam. “Temos dados da OMS que falam sobre o aumento de ideias suicidas, tentativas e de fato suicídios. Outra questão é automutilação. Depressão e ansiedade foram outras questões que aumentaram muito. A pandemia, de fato, atingiu todos.” Para ela, a grande quantidade de jovens nas ruas, principalmente em bares e festas mostra a necessidade desproporcional de liberar as tensões. “É como se eles tivessem esquecido da pandemia. Que a doença é da coletividade e só se sai dela pela coletividade também. Isso toca muito no egocentrismo do jovem.”

A médica infectologista Vera Magalhães defende que está acontecendo o que muitos autores chamam de “fadiga pandêmica.” “É como se as pessoas não conseguissem mais manter os cuidados. Não estou dizendo que é uma situação fácil, mas o distanciamento é necessário. Não é que se deva ignorar o sentimento das pessoas, mas entender que existe uma doença extremamente transmissível em circulação”, pontua.

Daniela Teixeira reconhece que, pelos resultados da pesquisa, o cenário é desafiador. “Acho que existe um desafio grande em torno de segurar esse jovem dentro de casa. Quando a pesquisa foi feita, o isolamento estava muito maior. Hoje, vemos um relaxamento. Acho que será um desafio fazer com que esse jovem fique em casa pelos próximos meses, até começar a chegar a vacina.”

Em coletiva de imprensa na última quinta-feira, o secretário de Saúde de Pernambuco André Longo mandou um recado aos jovens. “Faço um apelo para os jovens, que costumam estar mais expostos em eventos que promovem aglomerações e descumprem normas de distanciamento. É fato que a forma mais grave da doença predomina nos grupos de risco, mas os mais jovens não estão imunes nem ao risco de complicações nem à morte por covid. Além disso, podem se transformar em agentes transmissores para pessoas próximas, muitas delas vulneráveis, em especial idosos. Ainda não vencemos a pandemia, ainda não acabou. Precisamos que cada um faça a sua parte.” No início da semana, o governo retrocedeu nas medidas de flexibilização e voltou a proibir festas em todo o Estado.

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