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Léo, leão do Parque de Dois Irmãos, morre de câncer; ele era o último sobrevivente do Circo Vostok

Léo era filhote dos leões que foram assassinados no Circo Volstok, em Piedade, por terem atacado e matado uma criança. Após a morte dos pais, ele foi transferido para o Parque Dois Irmãos

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Adriana Guarda

Publicado em 16/01/2021 às 15:51 | Atualizado em 18/01/2021 às 9:13
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O Parque de Dois Irmãos amanheceu mais triste neste sábado (16) com a notícia da morte do leão Léo, como era carinhosamente chamado pela equipe técnica do zoológico. Ele morreu por causa de complicações de um câncer na mandíbula, além do comprometimento de suas funções hepáticas. Desde o diagnóstico, o felino considerado idoso para a sua espécie vinha sendo cuidado por uma junta de especialistas na área veterinária, que trabalharam para reverter a taxa de crescimento do tumor e melhorar a sua função renal. O animal ficou conhecido por ser filhote dos leões que foram mortos no Circo Vostok, em Piedade, depois de atacar e matar uma criança. Ainda filhote e muito traumatizado, ele transferido para o Parque Dois Irmãos.

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O médico veterinário e gerente técnico científico de fauna do zoológico, Márcio Silva, falou emocionado sobre a morte do leão. "A junta de especialistas que cuidava de Léo, entre oncologista, cirurgiões, anestesistas, tratadores, além de doutores com experiência em terapias alternativas para animais silvestres, fez um tratamento muito cuidadoso para melhorar as condições de saúde do animal, tendo como principal objetivo garantir o seu bem-estar. Infelizmente, como havíamos comunicado anteriormente, este tipo de neoplasia é a maior causa de morte entre os felinos abrigados sob os cuidados humanos, e não conseguimos reverter o seu quadro, apesar de todo empenho da equipe técnica envolvida”, lamentou.

Léo tinha completado 21 anos no dia 30 de dezembro do ano passado. Na data, os técnicos do Parque, equipamento ligado à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas-PE), prepararam um presente especial para ele: picolé de sangue e uma caixa de presente com carne. Desde quando foram notados os primeiros sinais da existência de um problema e a realização de exames, o Parque de Dois Irmãos intensificou a rotina de acompanhamento de Léo, com visitas e avaliações diárias de veterinários e biólogos, inclusive com câmeras noturnas. Tudo foi registrado em um prontuário próprio para ele para acompanhamento da junta veterinária.

Atenção especial

Léo chegou ao Parque Estadual de Dois Irmãos em 2000. Ele ficou sob os cuidados da equipe técnica durante um bom tempo num setor específico, fora da área de exibição. Isso porque ainda precisava de atenção especial após chegar após a tragédia no circo bem traumatizado e com as garras arrancadas. Um dos primeiros técnicos a cuidar do felino no equipamento foi Dênisson Souza, que atualmente integra a equipe do zoológico, e em 2002, era estudante de medicina veterinária e atuava no local.

Dênisson conta que foi logo estabelecendo uma aproximação com aquele leão assustado, mas que adorava uma atenção especial. “A amizade começou quando ele ainda era um leão juvenil. Durante o estágio, falava com Léo todos os dias, ao chegar e antes de ir embora. Assim conquistei a confiança dele”, narra. Após um período sem trabalhar no zoológico, o médico veterinário retomou as atividades no Dois Irmãos em 2009, já como profissional, e de lá não saiu mais, cuidando não só do Leão, que era o seu xodó, mas de todos os animais do plantel.

Entre as principais ações que garantiram a longevidade do Léo, recém completados 21 anos, e cuja espécie em vida livre não chega aos 12 –, merecem destaque uma alimentação balanceada, exames de rotina, além de atividades para manter o comportamento natural da espécie. “Na rotina diária, sempre olhava o animal de perto, junto com os tratadores. Dávamos carinho e observávamos o seu comportamento. Se havia sobra de alimentos na dieta oferecida ou qualquer outro detalhe fora da rotina, isso logo era investigado”, relatou Dênisson.

E foi com esta dedicação que a relação de confiança com o animal selvagem se manteve até hoje. Quem conviveu ou presenciou alguns momentos entre Léo e Dênisson, garante que, perto do médico veterinário, o leão virava um gatinho. Perguntado sobre esta proximidade, o veterinário do zoológico esclareceu: “tinha uma relação de muita confiança com o animal. Ele permitia muito afago e encostava a cabeça na grade para ser acariciado. Várias vezes fiquei sozinho com Léo e assobiei uma música no seu ouvido. Eu ficava ali por muito tempo, coçando a sua cabeça. Era maravilhoso vê-lo descansar a cabeça na minha mão”, falou emocionado.

Membro da junta veterinária que cuidava de Léo, o veterinário Dênisson fez um relato do quanto foi difícil lidar com a doença do “amigo”. Ele se esforçou bastante para segurar a emoção, mas foi impossível não encher os olhos de lágrimas quando perguntado sobre a importância da perda daquele animal considerado o mais social dos felinos, que ocupa o topo da cadeia alimentar e que são de grande importância para o equilíbrio dos ecossistemas onde vivem. “O diagnóstico foi um "baque" pesado. O sentimento de amor que tinha por ele era muito forte. Era uma amizade que já durava 18 anos, então não está sendo fácil. A gente sabia que a partida dele era algo certo, mas nunca queríamos aceitar. Minha maior preocupação sempre foi de não vê-lo sofrer”, ressaltou.

Fazendo um apanhado de tudo aquilo que viveu e compartilhou cuidando de Léo nos últimos anos, Dênisson Souza ressaltou que, “aprendeu que os animais demonstram os sentimentos mais sinceros e não guardam rancor. Agem apenas por instinto”. Completou deixando uma mensagem para Léo, caso ele conseguisse entender cada palavra sua, além de todo cuidado, atenção e amor oferecidos durante todos esses anos: “Eu agradeço a Léo por tudo que ele me proporcionou de bom. Pela confiança e pelo amor que me deu. E finalizo dizendo que sempre fiz tudo que esteve ao meu alcance para cuidar bem dele”, concluiu.

Tragédia do Vostok

O garoto José Miguel dos Santos Fonseca Júnior., 6 de anos, foi atacado e morto em 9 de abril de 2000 por leões do Circo Vostok, que estava instalado no estacionamento do Shopping Guararapes, em Jaboatão dos Guararapes. Na ocasião, cerca de 3.000 pessoas presenciaram o ataque.

Segundo relatou na época José Miguel dos Santos Fonseca, pai da vitima, o ataque aconteceu durante o intervalo da apresentação, quando ele, seus dois filhos, além de outras pessoas, foram tirar fotos dos cavalos, numa área fora do picadeiro. No caminho, o grupo, acompanhado de um funcionário do circo, passou ao lado da jaula dos leões, ainda no picadeiro. Quando eles voltavam para a plateia, um dos cinco leões do circo puxou o menino para dentro da jaula e o matou. Na sequência, os outros leões também atacaram. A força com que o leão puxou a criança entortou as grades da jaula. 

A Polícia Militar chegou ao local uma hora depois do ataque, tentou afastar os leões do corpo da criança dando tiros para o alto. Como não conseguiram, mataram dois deles. Os outros leões adultos foram isolados, mas foram mortos pouco mais de uma hora depois, pois arrebentaram a grade que os separava do corpo dilacerado e o tentaram devorar.

O filhote, que tempos depois seria batizado de Léo, estava numa jaula separada e foi encaminhado ao zoológico do Recife, que fica no Parque Estadual de Dois Irmãos. Ele tinha seis meses de idade quando chegou, traumatizado e arredio. O esqueleto de um dos leões que foram mortos foi levado para a Universidade Federal Rural de Pernambuco e já foi mostrado duranten a Exposição de Animais do Parque do Cordeiro, evento tradicional realizado anualmente no Recife. 

A empresa Sissi Espetáculos, dona do circo, e também os proprietários do estacionamento onde o espetáculo foi montado foram processados pela família de José Miguel Júnior. Embora na época da tragédia o dono da Sissi Espetáculos, Alexandre Vostok, tenha dado entrevistas dizendo que arcaria com as consequências, a empresa circense fechou e a Justiça não conseguiu executá-la. Dez anos depois da tragédia, a Justiça determinou o pagamento de uma uma indenização de R$ 275 mil, que foi arcada pelos donos do estacionamento, as empresas Omni e Conpar.

A tragédia foi responsável por desencader no Brazil a campanha "Circo legal não tem animal". Um projeto de lei chegou a ser apresentado no Senado para tornar a prática do uso de animais proibida em todo o País, mas nunca foi aprovado. Enquanto isso, 12 Estados implementaram legislações próprias com a proibição - Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

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