Um Recife pichado
A sequência de imóveis rabiscados, inabitados ou não, assusta na cidade. E a pandemia da covid-19 potencializou o problema
A indignação que o radialista Geraldo Freire, da Rádio Jornal, demonstra nos flagrantes de pichações da cidade do Recife que têm feito em suas redes sociais deve ser sentida na alma de cada morador e frequentador da capital. O Recife nunca esteve tão sujo. É preciso se indignar e cobrar do poder público vigilância. E como afirma o próprio Geraldo, é preciso punir quem picha a cidade. A sequência de imóveis rabiscados, inabitados ou não, assusta. E a pandemia da covid-19 potencializou o problema ao reduzir o movimento de pessoas nas ruas e avenidas e forçar o direcionamento da segurança pública para funções como, por exemplo, a fiscalização das regras sanitárias.
E, por tudo isso, o Recife nunca esteve tão sujo. Bairros do Centro da capital, da Zona Sul, Oeste e Norte. Todos têm pichações. Muitas, sem dúvida, não são de agora, mas percebe-se um aumento da quantidade de imóveis, espaços e equipamentos urbanos rabiscados. Públicos e privados. Circular por muitas partes da cidade tem sido constrangedor diante de tanta pichação. Nem mesmo corredores viários importantes escapam, como as avenidas Conde da Boa Vista, Cruz Cabugá e Caxangá, no Centro e Zona Oeste, respectivamente, só para citar exemplos. Na Zona Sul, eixos importantes como as avenidas Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar também têm uma sujeira impressa em seus muros e portas.
Nada escapa aos pichadores. Até mesmo a fachada de estabelecimentos em pleno funcionamento são poupadas. “Virou terra de ninguém. Uma esculhambação. Não pode continuar desse jeito”, alerta Geraldo Freire em seus flagrantes. O Circuito da Poesia, projeto que reúne 18 esculturas em homenagem a grandes nomes da literatura e da música, é um exemplo da liberdade que os rabiscadores têm na capital - e na Região Metropolitana do Recife também - e que ganhou força com a crise sanitária. Praticamente todas as esculturas já sofreram algum dano desde que o circuito foi criado, há mais de dez anos.
Nem mesmo a escultura do cantor Reginaldo Rossi, a 18ª a integrar o Circuito da Poesia e instalada no Pátio de Santa Cruz, na Boa Vista, Centro, foi poupada. Vinte dias depois de inaugurada, amanheceu rabiscada. Um dos prédios da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), localizado na Avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, área central da capital, também. O dano ao patrimônio público da cidade é calculável: segundo a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), são gastos R$ 2 milhões por ano com ações de vandalismo, furto e depredação do patrimônio público, o que inclui as pichações. Já o dano privado, por ser responsabilidade do proprietário do imóvel, não é mensurado. Mas com certeza é alto.
FALTA PUNIÇÃO
A falta de punição para os pichadores é o ponto central defendido por todos que de alguma forma lidam com o problema. É difícil flagrar a pichação e é difícil enquadrá-la criminalmente. Uma das principais dificuldades apontadas pela Secretaria de Defesa Social (SDS), é a identificação da autoria dos crimes por causa do horário em que eles são cometidos, majoritariamente à noite, quando há poucas testemunhas. E, geralmente, além de um efetivo menor nas ruas, o policiamento é lançado para reprimir crimes mais graves, como assaltos a mão armada e homicídios.
E, quando é possível, a punição também é branda. E exige o flagrante. Caso contrário, não há prisão. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), existem duas leis que tratam sobre a destruição do patrimônio. Uma delas - o Artigo 163 do Código Penal - criminaliza o ato de destruir ou deteriorar objetos alheios, sob a detenção de um a seis meses e multa. Ou seja, não resulta em prisão.
Mesmo se for qualificado, o que acontece quando o dano é praticado contra um patrimônio da União, do Estado, do município ou fundação pública. Nesses casos, a pena de detenção sobe para seis meses a três anos e multa. O pichador pode até ser processado criminalmente se ficar comprovada a autoria, mas para ser preso, é necessário ser flagrado no ato, o que é difícil.
Os crimes contra o patrimônio público e cultural também se encaixam na lei 9.605 de 1998, que trata, entre outros delitos, sobre as atividades lesivas ao meio ambiente, incluindo o ordenamento urbano e patrimônio cultural, sob pena de reclusão de um a três anos e multa.
Segundo a Prefeitura do Recife, a fiscalização do patrimônio público é feita pela Guarda Municipal, que tem um efetivo de quase duas mil pessoas, entre guardas e agentes de trânsito (cerca de 600). Além de atuar em parceria com a Polícia Militar, a prefeitura conta com 40 câmeras distribuídas em pontos estratégicos, além de uma central de operações e denúncias, que funciona 24h. Quem presenciar atos de vandalismo pode entrar em contato através do número 153.