''Olhe ao seu redor, com certeza vai encontrar uma pessoa para ajudar''; o que dizem os pernambucanos ao exercer a solidariedade na pandemia
Pequenas ações passaram a reunir dezenas de pessoas e mostrar um poder de transformação imensurável aos voluntários e os beneficiados
Os impactos da pandemia na vida dos brasileiros são variados, muitos foram acometidos pela doença, perderam o emprego e, dentro do cenário de crise, encheram-se de desesperança. Diante disso, teve gente que resolveu encarar a urgência do momento para começar a se mover a favor do próximo. Em um ato de solidariedade, cidadãos comuns iniciaram ações para prestar ajuda a pessoas que encontram-se em condições de vulnerabilidade social em Pernambuco. Esse foi o caso da empresária Maria Eduarda Fernandes, que começou aos poucos e, agora, já toca o projeto "vizinhos solidários". Ela pede para qualquer um olhar ao seu redor para encontrar a quem ajudar. E foi isso que ouras tantas pessoas que contaram suas histórias ao Jornal do Commercio fizeram.
Os efeitos da crise gerada pela pandemia da covid-19 são alarmantes, só em 2020 cerca de 19 milhões de pessoas passaram fome no País, de acordo com Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
A pesquisa também alerta que 55,2% dos lares brasileiros vivem situação de insegurança alimentar, o número inédito corresponde a aproximadamente 116,8 milhões de pessoas.
Foi ao observar as condições desiguais de enfrentamento à pandemia, ali, no entorno da sua casa, no bairro do Rosarinho, na Zona Norte do Recife, que a estudante Manuela Aguiar, 19 anos, decidiu agir. Junto com outros 11 amigos, da mesma faixa etária, criou um grupo para fazer quentinhas e distribuir na cidade. Os colegas fizeram uma “cotinha” para comprar os alimentos, cada um doou R$20, R$30, e Manuela divulgou em suas próprias redes sociais a ação para conseguir o dinheiro restante para as compras.
No primeiro dia, o grupo recebeu mais de R$1.000 em doação. O engajamento das pessoas na internet motivou os amigos a transformarem a "quentinha do amor” em um projeto maior.
“Compramos as comidas e ainda sobrou dinheiro, decidimos então fazer de novo num outro domingo e manter [a ação] todos os domingos”, afirmou a jovem.
Os 12 amigos se dividem em três casas para realizar a preparação das quentinhas. O preparo começa sempre aos sábados, um dia antes das entregas. O cardápio é cuscuz com salsicha, água e café. Depois do preparo, os jovens saem pelo próprio bairro e pelo Centro de Recife distribuindo os alimentos.
“É um sentimento de gratidão muito grande saber que você está fazendo o bem e ver como as pessoas ficam gratas. Ficamos muito felizes, alegres, mais animados ainda pra continuar a fazer o que estamos fazendo. Você pensa que não pode mudar o mundo com pequenas ações só suas, mas são as pequenas ações que mudam o mundo de cada pessoa”, declarou Manuela.
O desejo de realizar ações que fizessem a diferença também motivou o empresário Fernando Pimentel, 29 anos, a reverter a frustração em não poder se reunir com os amigos no seu aniversário, devido à pandemia, em solidariedade. O empresário pediu como presente de aniversário doações de alimentos para ajudar pessoas necessitadas. As cestas básicas coletadas foram entregues a famílias de catadoras de mariscos da comunidade do Tiriri, na região de Suape, no Cabo de Santo Agostinho.
“Além de ter vindo mais pesado essa segunda onda da pandemia, a gente viu cada vez mais pessoas precisando de ajuda, seja ela alimentícia, financeira, de carinho. E aí eu fui juntando meus amigos e fizemos”, declarou Fernando.
As doações coletadas por Fernando foram suficientes para a compra de 30 cestas básicas, e a entrega foi feita pelo empresário no dia 25 de março, data do seu aniversário. A alegria em poder ajudar foi tamanha, e Fernando resolveu se mobilizar novamente, uma semana depois, para arrecadar 150 ovos de páscoa para as crianças do Tiriri.
Para o futuro, o empresário deseja continuar junto à comunidade, compreendendo a forma de trabalhar das marisqueiras e quais os recursos básicos necessários para garantir um trabalho seguro para elas.
“Eu tenho no meu coração que eu não quero dar por dar, quero entender a necessidade para me juntar com meus amigos e começar uma cadeia de ajuda em cima disso. A gente mudando a vida daquelas 30 famílias já é uma coisa gigantesca”, afirmou.
As empresárias Maria Eduarda Fernandes, 46 anos, e Mayara Amaral, 31 anos, começaram, assim como outras ações, a fazer marmitas na sala de casa e entregar ao entorno no próprio bairro, em Boa Viagem. No primeiro dia foram 20 quentinhas, no segundo 30, depois 40... e hoje, um ano depois, o projeto “Vizinhos Solidários” já entregou cerca de 76 mil marmitas.
O projeto reúne atualmente 22 voluntários e dois funcionários numa sede no bairro do Pina, Zona Sul de Recife. A associação faz entregas diariamente desde março de 2020, levando em média 200 marmitas e 300 cestas básicas todos os dias a comunidades do grande Recife.
“Durante o dia entregamos cestas básicas, aí quando vai dando 5h/5h30 a gente já se organiza, monta as marmitas e sai pelas ruas entregando pela cidade. Temos uma planilha, todo dia é um lugar diferente… levamos marmita, bolo, suco e água mineral", conta Maria Eduarda Fernandes.
Foi em uma das entregas que Maria Eduarda encontrou Miguel. Na conversa, a criança relatou a empresária que não havia almoçado e nem jantado, naquele dia sua refeição havia sido um biscoito. O encontro com o menino marcou a história de Eduarda e foi um fomento que a sensibilizou a ampliar o empenho com o projeto.
“Eu tenho a sensação de que pela minha cidade eu fiz alguma coisa. Hoje eu sei que tem 200 famílias jantando. Eu deito na cama e digo assim: Meu Deus obrigada porque a gente conseguiu chegar neles. [O sentimento] é de pura gratidão, de ser essa ponte, de estar formando esse ecossistema, de estar formando essa cultura de doação”, afirma a fundadora do Vizinhos Solidários.
As histórias de Manuela, Fernando, Maria Eduarda, Mayara e os demais envolvidos se cruzam, assim como outras, no mesmo num mesmo sentimento: a solidariedade. Todos perceberam a urgência das pessoas e decidiram agir, mesmo aos poucos. “Olhe ao seu redor, com certeza você vai encontrar uma pessoa para ajudar. Veja se não tem uma comunidade ao seu redor, você vai encontrar uma pessoa que precisa de você. Para quem começou, já tem um projeto, eu digo: Não desista, continue firme!”, aconselha Maria Eduarda Fernandes.