SEGURANÇA PÚBLICA

Por que Itamaracá e São José da Coroa Grande, paraísos do turismo, viraram sinônimo de violência? Entenda

Em cada um dos municípios, a percepção de moradores e comerciantes é diferente diante dos dados, presentes no Anuário Brasileiro de Segurança Pública

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Katarina Moraes

Publicado em 30/06/2022 às 16:32 | Atualizado em 04/07/2022 às 9:07
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Dois paraísos naturais de Pernambuco tiveram a reputação manchada de sangue nesta semana. A Ilha de Itamaracá, no Litoral Norte, e São José da Coroa Grande, no Litoral Sul, aparecem como as 24ª e 29ª cidades mais violentas do Brasil, respectivamente, segundo a nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No entanto, em cada um dos municípios, a percepção de moradores e comerciantes é diferente diante dos dados, apesar da causa deles, para especialistas, ser a mesma: o crescimento das facções.

O Anuário leva em consideração a quantidade de homicídios em uma escala, com dados coletados entre 2019 e 2021. Assim, caso Itamaracá, que tem uma população de 26 mil pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tivesse 100 mil habitantes, a taxa seria 102,5 mortes - de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que elaborou o levantamento.

Em dados brutos da Secretaria Estadual de Defesa Social (SDS-PE), o município registrou 23 assassinatos em 2021, contra 28 no ano anterior. Em 2019, 2018 e 2017 foram 26, 27 e 28 crimes letais intencionais, respectivamente. No entanto, boa parte da população com quem a reportagem do JC conversou estranhou a Ilha ter adentrado o ranking.

“A gente transita em Itamaracá dia e noite, fica sentado na calçada até meia noite e não vemos nada disso. Em relação ao tráfico, tem em toda cidade. Faço visita em todas as comunidades e em todo canto que chego, tem”, comentou a assistente social Débora Pinheiro, de 44 anos.

Um taxista que quis manter o anonimato contou que, em “tempos de festejo”, como o São João, é comum que mais casos de violência aconteçam, porque "pessoas de fora encontram oportunidade na região por “não ter policiamento ostensivo”. Mesmo assim, diz que não sente que a cidade seja perigosa. “Nunca fui assaltado e trabalho com todo tipo de público, fico até de madrugada nos finais de semana", relatou.

O secretário de Segurança Cidadã de Itamaracá, Célio Oliveira, explicou que a posição da cidade se deu pela época que os dados foram coletados, e que, atualmente, a cidade é considerada segura. “Quando Paulo Batista Andrade (Republicanos) foi eleito, em 2021, a situação era crítica, mas pedimos reforços à Polícia Militar de Pernambuco, que prontamente nos atendeu”, afirmou ele. Neste ano, houve 8 mortes na cidade.

Comerciante e presidente do Conselho de Turismo de Itamaracá, José Inácio Pessoa disse que, de fato, havia um índice alto de criminalidade na cidade, mas que foi reduzido nos últimos anos. Ele afirmou que o turismo já tem sido impactado pela divulgação do Anuário. “As pessoas estão ligando para cancelar hospedagens diante disso. Foi muito covarde para a gente do Litoral Norte, que estamos buscando expandir e trazer um crescimento contínuo.”

Do outro lado do Litoral, em São José da Coroa Grande, a alegação de insegurança é clara. Um jovem de 28 anos que não quis se identificar endossou que ocorrem assaltos e furtos à beira-do-mar, além de homicídios entre jovens envolvidos com drogas. “A população se sente acuada. Assaltos acontecem à luz do dia e nada é feito. Muitas dessas mortes são relacionadas a jovens e drogas, mas não existem tantos incentivos para eles, um projeto social para acolhê-los e afastá-los dessa realidade”, disse.

A especialista em Segurança Pública e coordenadora do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá, pontuou as cidades acompanharam o "boom" de facções no País a partir de 2017, mas que não há estudos consolidados sobre a diferente percepção da violência nos municípios especificados nesta matéria.

Entretanto, avalia que a localização das mortes e a exposição de ambos à violência pode influenciar nisso. “Itamaracá, por ser uma cidade da Região Metropolitana, sempre tem muito mais gente no cotidiano, pelo potencial turístico, e está ambientado a situações de violência. Em uma cidade onde esse não era o cotidiano e de repente começa a explodir, causa maior sensação de insegurança”.

A proprietária de uma pousada no município, que também preferiu não ter o nome relevado, afirmou que a insegurança em São José de fato piorou com o passar dos anos, e que tem afastado os turistas. “A gente trabalha para que o turista venha para a cidade, mas também precisamos de políticas públicas para melhorar. Tem gangues se instalando aqui, que vêm para cidades pequenas porque sabem que o policiamento é menor. O governo estadual precisa abrir os olhos e ajudar a prefeitura”, opinou.

Foram computados 24 homicídios em São José da Coroa Grande em 2021, e 16 em 2020. Antes disso, em 2019, 2018 e 2017, foram 25, 26 e 41, respectivamente. Mesmo sendo procurada e confrontada com os dados e a informação sobre a posição no Anuário, a Prefeitura de São José da Coroa Grande não quis se identificar.

Redução a nível estadual

Por nota, a SDS pontuou que, apesar dos municípios integrarem o ranking das cidades mais perigosas do Brasil, o Anuário trouxe uma redução na taxa de homicídio por 100 mil habitantes “bem superior à média nacional”, e, no ano passado, “as menores taxas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) e Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs) de toda sua série histórica de estatísticas criminais”, além de estar entre os estados mais transparentes e com melhor qualidade da informação. 

Um dia após a divulgação do levantamento, o Estado informou que as duas cidades receberam reforço de policiamento nos últimos anos.

Jatobá disse que, de fato, a violência letal no Estado diminuiu desde a criação do Pacto pela Vida, em 2007, acompanhando uma tendência nacional. “Precisamos dar crédito às políticas públicas estaduais implementadas, mas não só a isso. Também temos que levar em consideração aspectos demográficos, porque houve redução da população jovem, e a pandemia, que de alguma maneira mexeu na crescente que vinha tendo dos dados”, disse.

Ainda, a especialista levanta a necessidade dos municípios trabalharem em prevenção à violência, a partir da organização de espaços públicos e evitar que exista oportunidade para realização dos crimes. “Não se pode atribuir somente ao Estado”, explicou.

“A política pública para os jovens, que são as pessoas que mais são assassinadas no país, tem que ser transversal e de longo prazo. Tem que garantir acesso à educação, ao trabalho formal, às atividades de lazer, o acesso à cidade, à cultura, à renda. A polícia não é capaz de resolver todo o problema, mas também precisa haver fortalecimento da investigação e da perícia. São várias iniciativas que, juntas, podem começar a dar resultado”, afirmou.

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