Governo de Pernambuco confunde população ao informar que Barragem de Serro Azul poderia sangrar e depois mandar a Apac desmentir o alerta
JC teve acesso a documento encaminhado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura à Codecipe, na última quinta-feira (7), alertando que a Barragem de Serro Azul poderia transbordar nos próximos dias
O Jornal do Commercio teve acesso ao documento comprovando que a Coordenadoria de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe) foi informada na quinta-feira (7) sobre um possível transbordamento da Barragem de Serro Azul, em Palmares. Assinado pela Secretária Executiva de Recursos Hídricos, Simone Rosa da Silva, o Ofício 084/2022 foi endereçado ao tenente-coronel George Vitoriano de Almeida. No documento, a secretária explica que a barragem vem registrando uma elevação média de um metro por dia e que, seguida essa tendência, poderia sangrar nos próximos dias.
O documento também orienta a Codecipe a entrar em contato com as defesas civis locais para alertar a população ribeirinha sobre o cenário. De acordo com a Defesa Civil de Palmares, no mesmo dia em que recebeu o comunicado estadual realizou uma reunião com a comunidade de Serro Azul. A intenção foi esclarecer que não há motivo para pânico, mas existe uma necessidade de cadastrar as famílias caso seja necessário desocupar as casas por conta do transbordamento do reservatório.
Depois de a Codecipe pedir às defesas civis municipais que alertassem a população sobre o possível vertimento, a Apac desmentiu a informação nas suas redes sociais e em comunicado à imprensa. O desencontro de informações do governo de Pernambuco confundiu a população no entorno da barragem e provocou sensação de insegurança. Os moradores já não sabiam em que acreditar. Na quinta (7) participaram de uma reunião para alertar sobre a previsão de vertimento de Serro Azul e no sábado (9) o discurso já era outro.
No sábado (9), o JC publicou a matéria Chuvas em Pernambuco: Barragem de Serro Azul poderá verter pela 1ª vez e assusta moradores no pé do paredão. O medo da população se justifica. No Distrito de Serro Azul existe um conflito com o governo de Pernambuco que se estende há anos. O imbróglio foi parar inclusive na Justiça.
O principal motivo do desentendimento é o fato de o estudo de impacto ambiental estabelecer uma distância de, no mínimo, 500 metros entre a barragem e as famílias do Distrito. A associação de moradores de Serro Azul afirma que o Estado chegou a realizar algumas desapropriações, mas o processo não teria sido concluído. Sem a retirada das famílias, existem casas a uma proximidade de até 50 metros do paredão. A notícia de um possível transbordamento assustou, porque desde sua inauguração, em 2017, esta seria a primeira vez que a barragem sangraria.
Após a publicação da matéria do JC, a Codecipe negou que tivesse passado a informação sobre o possível vertimento da barragem, embora a reportagem tivesse conhecimento de que a Defesa Civil de Palmares havia sido alertada. O coordenador da Defesa municipal, Toni Brasil, chegou a dar entrevista a veículos locais de imprensa, como a a rádio Nova Quilombro FM, explicando o comunicado recebido pela Codecipe.
- Barragem de Serro Azul: possibilidade de vertimento gera polêmica e medo neste sábado
- Barragem de Serro Azul: Apac nega que reservatório esteja perto de verter; entend
O coordenador da Defesa Civil de Palmares também conversou com o JC e detalhou o comunicado da Codecipe, explicando sobre o comportamento da barragem, os possíveis percentuais de vertimento, o tempo em que isso poderia ocorrer e que fatores poderiam levar a barragem a sangrar, além das chuvas em Palmares, que já diminuíram.
Sabendo se tratar de um assunto delicado para a comunidade de Serro Azul e com expertise em infraestrutura de barragens, por conta da sua formação de engenheiro, Toni Brasil tratou o assunto com cautela para não provocar pânico. Apesar disso, a notícia da possibilidade do transbordamento da barragem pela primeira vez assustou. Desde a enchente de 2010, a população da Mata Sul de Pernambuco convive com medo do fantasma da destruição trazido pela força das águas.
Na época da enchente na Mata Sul, os governos Estadual e Federal prometeram construir cinco barragens de contenção na região, mas apenas Serro Azul ficou pronta. Ainda assim, sem cumprir os acordos de desapropriação dos moradores próximos ao empreendimento e sem dar andamento à implantação de uma agrovila, discutida como compensação às famílias do distrito afetadas pela chegada do empreendimento.
Hoje a Seinfra corre para concluir a construção das barragens de Gatos (em Lagoa dos Gatos) e de Penelas II (em Cupira). Já os reservatórios de Igarapeba (São Benedito do Sul) e Barra de Guabiraba (na cidade de mesmo nome) aguardam captação de recursos, depois de terem recebido milhões em investimento. Enquanto os recursos públicos são desperdiçados, neste inverno a população de São Benedito do Sul assistiu, mais uma vez, suas casas serem cobertas pela enxurrada, ficando de fora da água apenas os telhados. O governador Paulo Câmara visitou o município, mas não se comprometeu a concluir a barragem.
- CHUVAS EM PERNAMBUCO: pagamento de R$ 130 milhões em auxílio daria para concluir três barragens e evitar cheias
- Chuvas em Pernambuco: duas barragens ainda sem recursos para conclusão 10 anos após promessa
Seinfra desmente sua própria secretária
Em texto conjunto, a Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos de Pernambuco (Seinfra) e a Agência de Águas e Clima (Apac) desmentiram a informação do possível vertimento da Barragem de Serro Azul, após a secretária Simone Rosa ter encaminhado ofício à Codecipe, Compesa, Apac e à titular da pasta, Fernandha Batista.
Em discurso contraditório, na quinta-feira (7) a Seinfra envia aos municípios da Bacia do Rio Una o ofício informando que o nível da barragem vem subindo em média um metro por dia e que, caso essa tendência se mantivesse, o reservatório transbordaria nos próximos dias.
Com a repercussão da reportagem, a Seinfra adota outro discurso. Desmente a informação repassada por ela mesma às defesas civis dos municípios e dentro do próprio governo. No texto publicado nas redes sociais e encaminhado à imprensa, comenta uma vistoria que fez na barragem um dia após encaminhar o ofício. A secretaria argumenta que "com a diminuição das chuvas, a tendência é de redução do volume acumulado no reservatório".
Apesar de comentar a queda no volume, nem a Seinfra nem a Apac responderam o questionamento da reportagem sobre como tem se comportado a acumulação de água nos últimos dias. O JC vinha solicitando esta informação desde o início da semana passada.
Veja o documento:
Documento sobre Serro Azul
Com a apresentação do documento da Seinfra, comprovando o aviso de possível vertimento de Serro Azul, a Codecipe esquivou-se de comentar o assunto, embora no dia anterior tenha insistido que a informação para a Defesa Civil de Palmares não teria partido do órgão. A Coordenadoria também corroborou o desmentido do governo de Pernambuco, mesmo sendo o principal destinatário do ofício da Seinfra.
Já a Seinfra, em nenhum momento admitiu ter encaminhado o documento sobre um provável sangramento da barragem, quando tentou desmentir as reportagens publicadas sobre o assunto e colocar em dúvida a credibilidade da imprensa. Neste domingo (10), diante da apresentação do ofício, tentou justificar que o acompanhamento da barragem é diário.
Por meio da sua assessoria de comunicação voltou a argumentar que "na sexta (8), a equipe verificou que com a diminuição da intensidade das chuvas na região, a tendência de elevação do reservatório está se modificando e a cota do nível de água diminuiu".
Conforme o JC apontou na matéria, com base na análise de especialista, a chuva em Palmares não é o único fator que pode contribuir para a elevação do nível da barragem. As águas na cabeceira do Rio Una e o fato de a Barragem do Prata estar vertendo na região também podem influenciar no volume de água em Serro Azul.
Após muita insistência do JC, a Seinfra divulgou o comportamento do nível de água em Serro Azul, mas ainda incompletas. Foram solicitados os dados da semana inteira, mas foram repassados apenas de três dias, que coincidem com o período de redução do volume na barragem. (Veja arte)
O fato de encaminhar um documento oficial, assinado por uma secretária estadual, em um dia e desmentir o que foi dito no outro, coloca em xeque a confiabilidade das informações do governo Estadual. Sem falar na questão da transparência, uma vez que a Seinfra não admitiu ter divulgado que Serro Azul poderia sangrar. Além disso, é difícil imaginar que o Plano de Segurança das Barragens seja elaborado em curtíssimo prazo, mudando drasticamente de um dia para outro.
Ninguém torce pelo pior
Com moradores vivendo aos pés do paredão da Barragem de Serro Azul, a torcida é para que o reservatório não transborde. Até porque esta seria a primeira vez que o fenômeno aconteceria e os impactos ainda são desconhecidos. Esconder e desmentir que a barragem pode sangrar só deixa a população ainda mais insegura e confusa sobre a confiabilidade dos comunicados.
O que se espera do governo Paulo Câmara é transparência nas informações e ações preventivas para evitar que a tragédia das chuvas em Pernambuco se alastre. A dor das famílias de 132 mortos e as centenas de desabrigados e desalojados são, em boa parte, resultado da falta de investimento preventivo em infraestrutura e de zelo com o dinheiro público. Um ciclo que se repete a cada inverno, mas precisa ser quebrado.