1 ANO DA TRAGÉDIA DAS CHUVAS

CHUVAS EM PERNAMBUCO: "A bolsa era igual à do meu filho". Bombeiro relembra dor de encontrar criança soterrada

Bombeiro militar Jemerson Teixeira atuou no maior desastre natural do Estado do século em número de mortes, com 134 vítimas, e ainda carrega as marcas da tragédia

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Katarina Moraes, Cinthia Ferreira

Publicado em 28/05/2023 às 10:00 | Atualizado em 30/05/2023 às 9:04
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Jemerson Teixeira precisou passar por um concurso público, cursos de formação e meses de treinamento para se tornar um Bombeiro Militar de Pernambuco. Mas nenhuma técnica foi capaz de blindá-lo da própria humanidade quando, há um ano, atuou naquela que foi, talvez, a mais importante e difícil ocorrência de sua carreira.

Quando foi acionado para atuar no que, depois, se tornaria o maior desastre natural do Estado do século em número de mortes, com 134 vítimas, sabia que haveria muitas batalhas perdidas. Em deslizamentos de barreira, é um verdadeiro milagre encontrar sobreviventes. O barro sufoca, tomando conta de todas as vias aéreas e levando vidas antes da maioria dos resgates.

“A gente não lembra muito do cansaço, porque fica focado em completar a nossa missão. O problema maior é o psicológico, em ver o sentimento [das famílias]. De início, vamos minando, mas depois a gente se vê envolvido na dor das pessoas. A empatia vai reinando dentro de você”, contou o bombeiro.

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O nome do pequeno Arthur Cabral da Silva, encontrado sem vida no fatídico 28 de maio de 2022, jamais saiu de sua cabeça. Ao chegar ao Barro, Zona Oeste do Recife, onde a casa dele havia sido engolida pelo morro, o pai mostrou uma foto e indicou, para Jemerson, o local onde a criança deveria estar.

“Com o passar do tempo, vamos cavando e analisando em que cômodo a gente está. Entendi que estava no quarto de Arthur e achei a bolsa dele, que era igual a do meu filho, com os brinquedos dele”, relatou, emocionado. “Como pai, pensei no choque e na dor que ele iria sentir”.

Em um primeiro momento, o pai não aceitou. Depois, pediu para que retirassem o corpo - segundo o profissional. E a equipe seguiu. Depois de algumas horas, na impossibilidade de trazer as vítimas vivas à superfície, a missão - tão digna quanto - se torna a de dar às famílias a dignidade de poder enterrar os seus amores.

A dignidade que não tiveram enquanto vivam sob o perigo constante.

Arthur foi homenageado pelos Bombeiros em seu velório. Por uma triste e bonita coincidência da vida, o pequeno tinha o sonho de ser bombeiro. “Tinha uma foto em frente a uma viatura”, disse Jemerson. Um plano que, pela insegurança urbana em que vivia, jamais poderá se realizar.

As histórias que a equipe ouviu - e os consolos que, por vezes, precisou dar - fez com que a tragédia habitasse a mente do bombeiro por muitos dias. “Eu passei uns dias triste por saber que não pude fazer muita coisa. A gente está acostumado a salvar, levar ao hospital, ter as vítimas vivas nas mãos. Aqui é diferente.”

A corporação que faz parte foi uma das que integraram o socorro durante os dias que se equipararam a cenários de guerra durante o inverno do último ano. Para 2023, Jemerson espera não atuar, “mas, se for preciso, fazemos tudo de novo e ainda com maior excelência. A gente espera que não tenham mais Arthur passando por essa situação.”

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Autônomo Thiago Alves da Cruz, de 28 anos, morador do Curado 4, em Jaboatão dos Guararapes, ajudou no socorro de vizinhos soterrados - WELLINGTON LIMA/JC IMAGEM

SOCORRO DEMOROU A CHEGAR

Os relatos de familiares de vítimas e de sobreviventes por diversas localidades da Região Metropolitana do Recife foi que o socorro demorou a chegar aos locais de deslizamento. Com isso, os próprios vizinhos precisaram atuar retirando os corpos enquanto esperavam as autoridades oficiais.

Um deles foi o autônomo Thiago Alves da Cruz, de 28 anos, morador do Curado 4, em Jaboatão dos Guararapes, que presenciou a "imagem da avalanche" de barro, como ele mesmo descreve, e correu para socorrer os feridos. “Em um momento como esse, não importa dinheiro, classe social. Só se quer salvar a vida”, disse.

Sem nenhuma estrutura técnica, muito menos preparo emocional, ele e outros foram retirando corpo a corpo da lama. “Quando tiramos os mais velhos, a esperança era de achar mais gente viva, mas a ficha foi caindo quando achamos o primeiro corpo da criança (Hadassa Lima da Silva, de 3 anos)”, relatou.

O assessor do Corpo de Bombeiros do Estado, Coronel Wagner Pereira, afirmou que a preparação para o inverno deste ano começou mais cedo, desde a notícia de que deve haver uma chuva similar à do último ano. “Todo o efetivo treinou a execução de atividades específicas, como em deslizamentos e o resgate em áreas inundadas", disse.

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Assessor do Corpo de Bombeiros do Estado, Coronel Wagner Pereira - WELLINGTON LIMA/JC IMAGEM

Também estão passando por treinamento as equipes de posto de comando, parte do exército brasileiro e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) “para que todos saibam como se comportar diante desses cenários adversos, para que não se coloquem em risco e que tenhamos uma operação segura”, explicou.

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