Prefeitura e Governo brigam sobre desapropriação de comunidade do Recife
Audiência pública que tratou sobre projeto de urbanização na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Encanta Moça/Pina contou com divergências entre os poderes estadual e municipal
A Prefeitura do Recife e o Governo de Pernambuco protagonizaram um verdadeiro embate durante audiência pública que tratou a regularização fundiária da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Encanta Moça/Pina. No encontro, promovido na tarde desta terça-feira (17) na Câmara Municipal, foram discutidos os impactos habitacionais do projeto municipal Rio Pina.
No escopo do projeto, estão incluídas intervenções viárias, a retirada de 100% das palafitas e a instalação de equipamentos de lazer. Durante a sessão, presidida pelo líder da oposição na Casa, o vereador Alcides Cardoso (PSDB), nenhuma das partes no debate se opôs à realização do projeto; mas todas cobraram que a legitimidade do direito à terra dos moradores seja reconhecida.
A principal discordância foi acerca das desapropriações decretadas pela Prefeitura para realização das obras. Isso porque grande parte do terreno pertence à Pernambuco Participações e Investimentos S/A (Perpart), ligada ao governo Raquel Lyra (PSDB), que diz já estar elaborando, em cartório, a entrega de títulos de propriedades de 41 quadras na região.
Contudo, a empresa alega que, em 11 delas, esse processo teria sido impedido pela desapropriação da Prefeitura. “Não é justo que a Prefeitura realize um ato desapropriatório alegando outra utilidade pública em cima de uma situação dessa, se já foi decretada aquela área como utilidade pública para fins de moradia”, elencou o diretor de gestão da Perpat, Márcio Maranhão.
O pedido pelo título de propriedade é porque, só com ele, os moradores podem ser indenizados pelo valor dos terrenos - situados em uma região com um dos metros quadrados mais caros da cidade. Ainda, pelo fato de que se trata de uma área Zeis, o que, legalmente, protege os assentamentos habitacionais de população de baixa renda.
Eles temem que, caso o não tenham, recebam somente o valor pela construção da casa ou um auxílio moradia mensal de R$ 300. “Empurraram esse processo viário, cortando a Zeis e causando uma infinidade de desapropriações sem processo de reassentamento, sem apresentação de uma alternativa a não ser auxílio moradia e pagamento pelas benfeitorias”, protestou um representante da Comunidade do Bode, Robson Gustavo.
Por causa dessa divergência, a Secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Simone Nunes, pediu que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) intermediasse a situação. A assessoria de imprensa do TJPE informou ao JC que o Núcleo de Conciliação mediará a situação e que deve haver uma primeira reunião entre as partes ainda na próxima semana.
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URB REBATE ACUSAÇÕES
Em contrapartida, a Autarquia de Urbanização do Recife (URB), responsável pelo projeto Rio Pina, alega ter negociado a regularização com a Perpat ainda em 2021, durante o governo Paulo Câmara (PSB), aliado do prefeito João Campos (PSB). "Assim ficaram definidos 2,7 mil títulos de titularidade em incumbência da Perpat, e nós com o processo de urbanização", afirmou a diretora de Integração Urbanística da URB, Tercília Vila Nova.
Nesta terça (17), a URB republicou o julgamento do processo licitatório - que havia sido suspenso em setembro - para contratação de empresa especializada para a construção do parque linear, acompanhada da remoção de 100% das palafitas da Zeis, que compreende as comunidades de Areinha, Encanta Moça, Bode I e II, Beira Rio/Pina e Jardim Beira Rio. As duas empresas licitantes foram aceitas no processo, que agora segue com a tomada de preços.
Também presente, o secretário-executivo de articulação e políticas sociais de habitação da Prefeitura, Felipe Cury, tranquilizou os moradores da área que não foram aprovados para os conjuntos habitacionais Encanta Moça I e II – com 600 apartamentos a serem entregues neste ano no terreno do antigo Aeroclube, próximo dali.
Ele prometeu que as famílias serão incluídas na lista do auxílio-moradia da Prefeitura e, em seguida, cadastradas para serem beneficiadas com um habitacional a ser construído na área urbanizada da bacia do rio Pina. “O projeto já foi, inclusive, mandado para o Ministério das Cidades. Estamos na fase de aprovação da normativa", alegou.
Como encaminhamento da audiência, Alcides Cardoso prometeu enviar o relatório da audiência ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Ainda, a criação de uma comissão conjunta de vereadores, Perpart, Prefeitura e moradores da área afetada, que devem se reunir para dar continuidade ao diálogo sobre a questão.