'Não há paralelo em nenhuma Suprema Corte no mundo de tamanhos poderes', diz professor da UFPE sobre o STF
Ernani Carvalho, pesquisador do departamento de Ciência Política da UFPE, apontou o excesso de poder do STF em entrevista a Rádio Jornal
Diante da acusação que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes vem sofrendo, de determinar de "formas não oficiais" a produção de informações para investigar aliados de Bolsonaro durante as eleições de 2022, período em que o ministro foi presidente do TSE, muito tem se discutido a respeito do excesso de poder concedido aos ministros do STF.
Em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o pesquisador e professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho, explicou que essa centralização excessiva das decisões judiciais em cima dos membros do STF passou a acontecer com a partir da redemocratização do País.
"Tem uma história, na verdade, de desenho institucional por trás disso, quando houve a Constituição de 1988, que as elites que estavam disputando o processo de transição... As que estavam a favor da abertura e as que do regime militar discutiram um modelo de transição. E, nesse modelo de transição, era necessário ter um árbitro. Uma figura que fosse capaz de evitar um retrocesso autoritário e ao mesmo tempo garantir que depois da redemocratização não houvesse perseguição aos integrantes do regime. E esse desenho acabou sendo muito peculiar, pois terminou acontecendo um hiper empoderamento do Judiciário, mas não só do Judiciário pensando no Supremo Tribunal Federal, mas de todo o sistema judicial. Por exemplo, você vai ter a OAB sendo citada 15 vezes na Constituição Federal, você vai ter todo o sistema judicial constitucionalizado, ou seja, qualquer mudança que precisa ser feita na Constituição é necessária uma Emenda Constitucional, quando nos EUA se faz essas mudanças no sistema judicial por lei ordinária", explicou o Ernani Carvalho.
Ainda de acordo com o cientista político, o sistema político brasileiro contribui para esse participação excessiva do judiciário. "O presidencialismo de coalizão tem uma genética partidária muito peculiar que é um número elevado de partidos e uma excessiva fragmentação partidária, ou seja, nós temos um número muito elevado de partidos que fazem parte de uma coalizão governista. Então, quanto maior a fragmentação, você amplia as chances de conflitos... E esses conflitos terminam sendo uma porta aberta para entrada do Judiciário para participar do processo decisório", comentou o professor da UFPE.
Para Ernani Carvalho, não há no mundo uma Suprema Corte com tamanhos poderes do STF. "O nosso Supremo tem o poder de julgar todo o controle de constitucionalidade, ou seja, todas as questões relativas a dúvidas sobre o que é constitucional e o que não é constitucional. Tem o poder de revisar todo o direito positivo no âmbito recursal, dada ao tamanho e abrangência de nossa Constituição. Praticamente tudo pode ser judicializado a nível recursal. Ele também tem o poder e o foro para processar as autoridades, ou seja, toda a nossa elite política em delitos ou crimes penais, àqueles com o chamado foro privilegiado. Sem falar que o STF também preside e também tem o vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ou seja, controla de certa forma a administração da competição política no País. Então, diante disso, vejo que não há paralelo em nenhuma Suprema Corte no mundo de tamanhos poderes", ponderou.
Brasil seguiu o caminho inverso
O professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco ressaltou que, enquanto os países europeus, mesmo àqueles de regimes monárquicos e parlamentaristas, caminharam para uma direção de divisão de poderes, no Brasil foi o contrário. Apesar de ter ocorrido essa divisão entre Executivo e Legislativo, o mesmo não ocorreu com o Judiciário, que se fortaleceu.
"Enquanto que em toda política moderna e contemporânea tendeu a dissipar e a fragmentar os poderes... Se pensarmos, por exemplo, na época dos reis autoritários que governavam a Europa, todo o processo histórico que se deu foi de dividir o poder. Isso até aconteceu no nosso sistema político, se pensarmos no executivo e no legislativo, mas no caso do judiciário o processo foi inverso e concentrou muito poder nesse grupo", criticou Ernani Carvalho.