Crise social se agrava e mais de 5 mil vivem nas ruas de Pernambuco

Nas calçadas e praças, famílias convivem com a falta de políticas públicas integradas, que envolvam não apenas a assistência social

Publicado em 09/01/2025 às 12:56
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O número de pessoas em situação de rua aumentou 25% em todo o Brasil. No final de 2024, o número chegou a 327.925 pessoas, que se concentram, principalmente, nas regiões Sudeste (63%) e Nordeste (14%).

Os dados são do levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O estudo tem base no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), que reúne os beneficiários de políticas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e é um indicativo das populações em vulnerabilidade e dos repasses do governo federal aos municípios.

Em Pernambuco, o número de pessoas em situação de rua supera a marca dos 5 mil. De acordo com a pesquisa, a maior parte delas está concentrada no Recife, que conta com 2697 pessoas nessas condições.

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No Centro do Recife e em Boa Viagem, pessoas convivem com falta de políticas públicas integradas e dividem espaços nas calçadas e praças - Guga Matos/JC Imagem

Em áreas como o Centro da cidade e o bairro de Boa Viagem, na Zona Sul, esse número fica evidente. Nas calçadas e praças, essas pessoas convivem com a falta de políticas públicas integradas, que envolvam não apenas a assistência social, como também educação, saúde, segurança, infraestrutura e lazer.

Políticas públicas

O professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenador do Censo da População em situação de Rua do Recife, divulgado pela Prefeitura em agosto de 2023, destaca que “o combate à pobreza precisa ser visto como uma questão de política pública”.

De acordo com o Governo do Estado, entre 2023 e 2024, o Registro Mensal de Atendimentos (RMA) contabilizou 53.251 atendimentos nos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centros POP nos municípios pernambucanos. O número indica a média de dez atendimentos por pessoa em dois anos - se for considerada apenas a população que está nas ruas.

A gestão afirma que, para reforçar as políticas de Assistência Social e Segurança Alimentar e Nutricional voltadas para essas pessoas, foram investidos mais de R$ 85 milhões no cofinanciamento de serviços socioassistenciais e na implantação de cozinhas comunitárias no estado.

Apesar disso, a sociedade civil tem se mobilizado para atender à demanda de políticas públicas para garantir a segurança alimentar de todas as pessoas.

O Convento de Santo Antônio, na área central da capital pernambucana, é um dos espaços que concentra pessoas que não têm moradia e, por isso, conta com iniciativas de assistência a elas.

Frei José Edilson é guardião do convento e coordena um grupo que faz doações para pessoas em situação de rua. “Nós sempre distribuímos o pão de Santo Antônio, nas terças-feiras, e vimos a necessidade de incrementar, colocando a sopa, o munguzá e a água”, explicou.

Uma das voluntárias é Polyana Souza, que assinala: “Infelizmente a fome tem pressa”.

Infelizmente a fome tem pressa
Polyana Souza, voluntária no Convento de Santo Antônio

Para diminuir os índices de pessoas em situação de rua com fome, a Prefeitura do Recife destaca que criou um Banco de Alimentos, que arrecada insumos que seriam descartados da rede comercial alimentícia, recebe produtos da agricultura familiar e centraliza as doações de alimentos não-perecíveis.

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Sociedade civil se mobiliza para atender à demanda de políticas públicas e garantir segurança alimentar das pessoas - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Além disso, a gestão afirma ter ampliado a Cozinha Comunitária de Gurupé. Antes, o serviço contava com 60 atendimentos diários e, agora, 200. O equipamento funciona de segunda a sexta na Rua Gurupé, 253, no bairro de Afogados, na Zona Oeste da cidade.

Falta de moradia no estado

Uma das principais - e mais óbvias - privações vivenciada por essas pessoas é a de moradia. O Governo de Pernambuco promove o Programa Atitude, que possui modalidades que buscam minimizar esses dados através do acolhimento e apoio a essas populações.

O programa atende usuários de drogas e oferece cuidados como higiene, alimentação, descanso, atendimento psicossocial e encaminhamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e outras políticas setoriais.

De acordo com a gestão, por meio dos quatro núcleos regionais, foram realizados, nos anos de 2023 e 2024, mais de 11 mil atendimentos com abordagem social e moradia assistida, na modalidade Atitude nos Territórios. Isso significa que 36.662 pessoas foram abordadas e houve 84 acolhidas.

Já na modalidade Centro de Acolhimento e Apoio, foram mais de 88 mil acolhimentos-dia e mais de 47 mil acolhimentos-noturnos (pernoite); e na modalidade Centro de Acolhimento Intensivo, 3.633 pessoas foram acolhidas.

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Uma das principais - e mais óbvias - privações vivenciada pela população em situação de rua é a de moradia, mas não é a única - Guga Matos/JC Imagem

No Recife, a prefeitura realizou o credenciamento de dois hotéis sociais, em funcionamento integral, no Espinheiro, para disponibilizar vagas e acolher pessoas em situação de rua. Agora, a rede de acolhimento do município conta com 17 unidades - 14 casas de funcionamento integral e um abrigo noturno.

Em agosto de 2023, a Prefeitura do Recife prometeu ofertar moradia permanente para uma parte dessa população. Mas o projeto Moradia Primeiro Recife, que visa garantir 50 moradias para famílias em situação de rua, ainda não foi entregue. A gestão afirma que ele “está na fase de seleção da Organização da Sociedade Civil que vai assumir a sua execução”.

A proposta é que os atendidos tenham acesso à moradia e acompanhamento de uma equipe técnica que responda às demandas apresentadas pelas pessoas.

Assistência além de moradia e alimentação

“Viver em situação de rua é viver no que eu chamo de extremo momento de abandono: abandono familiar, do Estado, e que também pode ser afetivo”, afirma o professor Humberto Miranda.

Além de moradia e alimentação, a população em situação de rua tem demandas que ainda não são atendidas pelo poder público em sua totalidade. Uma delas é a educação. De acordo com o estudo do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, sete em cada dez pessoas em situação de rua no país não terminaram o ensino fundamental. Além disso, 11% encontram-se em condição de analfabetismo.

Outras demandas para a população em situação de rua são o acesso à saúde, emprego, segurança e lazer.

Algumas das ações que a Prefeitura do Recife afirma ter desenvolvido são oficinas e cursos profissionalizantes em parceria com a Secretaria de Trabalho e Qualificação Profissional, a contratação de 26 pessoas que vivenciaram a situação de rua e a ampliação do Consultório na Rua da Secretaria de Saúde, com quatro equipes de médicos, cirurgiões dentista, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e agentes sociais.

Além disso, a gestão destaca a publicação da Política Municipal de Atenção Integral à População de Rua. O texto afirma que a iniciativa “manterá serviços e programas de atenção à população em situação de rua, garantindo padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos seus direitos de cidadania”.

Enquanto isso, o Governo do Estado de Pernambuco instituiu a Política Estadual para a População em Situação de Rua e aderiu ao Plano Ruas Visíveis, do Governo Federal. Ele destaca que tem como um dos princípios o “respeito à dignidade da pessoa, por meio da promoção e da garantia da cidadania e dos direitos humanos, bem como do atendimento humanizado e universalizado”.

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Em 2021, 2624 pessoas estavam em situação de rua no estado - número que dobrou em 2024. - Guga Matos/JC Imagem

Apesar da instauração de políticas públicas, o número da população em situação de rua que se cadastrou no CadÚnico, do Governo Federal, aumentou em todo o estado. Em 2021, por exemplo, 2624 pessoas estavam nessas condições - número que dobrou em 2024.

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Infelizmente a fome tem pressa

Polyana Souza, voluntária no Convento de Santo Antônio

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