Com aumento de 30% da população de rua, Prefeitura do Recife promete 50 moradias permanentes para vulneráveis
Censo da População de Rua do Recife foi divulgado na última sexta-feira (25) trazendo dados preocupantes sobre a situação social da cidade
O levantamento preocupante de que a capital pernambucana tem 1.806 pessoas em situação de rua, divulgado nessa segunda-feira (28) pelo JC, resultou em uma mobilização do poder público. A Prefeitura do Recife prometeu ampliar a assistência social na cidade, promovendo, enfim, moradia permanente para uma pequena parte dessa população.
O projeto foi batizado de Moradia Primeiro Recife e vai ofertar 50 moradias para famílias que não aderem aos atuais modelos de acolhimento. A habitação será ofertada em um imóvel alugado, cuja localização ainda está sendo escolhida, e financiada pelo empréstimo de R$ 2 bilhões firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“A gente pretende atender os casos mais complexos e que estão nas ruas há mais tempo. É um projeto piloto no Recife que vai oferecer a moradia com toda assistência para essas pessoas. Deve começar ainda este ano”, disse a secretária executiva de Assistência Social do Recife, Geruza Felizardo, em entrevista à Rádo Jornal nesta terça-feira (29).
Isso será realizado pelo acesso imediato à moradia e com o acompanhamento de equipe técnica que responda às demandas apresentadas pelas pessoas, possibilitando uma oferta de serviços mais eficaz e de menor custo, como estratégia de superação da situação de rua.
Essa é a primeira solução habitacional - de fato - apresentada para a população de rua pela gestão João Campos (PSB), que, até então, focou na ampliação de mais 80 vagas de em abrigos da cidade desde 2021.
A necessidade de uma casa foi o que mais apareceu durante as entrevistas feitas pelo Censo da População de Rua do Recife. Essas pessoas fazem parte do déficit habitacional acima de 70 mil residências da cidade, que contabiliza também as moradias precárias e em áreas de risco.
REDE DE ACOLHIMENTO
Hoje, 17 locais acolhem essas pessoas vulneráveis na cidade de forma temporária, disponibilizando 619 vagas no total - quase um terço da população de rua recenseada. As unidades oferecem seis refeições diárias, espaço para guarda de pertences, atendimento psicossocial com encaminhamentos para rede de serviços socioassistenciais.
Entre eles, há duas pousadas credenciadas pelo Programa Recife Acolhe que, juntas, têm 100 vagas disponíveis e 60 ocupadas. A ideia, lançada em 2021, era de ofertar 200 vagas, mas a iniciativa recebeu resistência da rede hoteleira, jamais conseguindo alcançar o objetivo inicial.
Outro desafio que o município precisa lidar, hoje, é a falta de adesão da população de rua ao abrigamento, que está 80% ocupado. “Às vezes as pessoas não se adaptam às regras e à rotina das casas de acolhida. Existe uma resistência em irem para o acolhimento institucional”, afirmou Geruza.
O coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua no Recife, Robson Silva, de 48 anos, explica que isso acontece porque, nas ruas, as pessoas perdem o convívio com outras e a perda da sociabilidade, necessária nos abrigos. “É preciso trabalhar a pessoa mentalmente e fisicamente. É importante que venha tudo junto.”
Ele fala por experiência própria, já que morou nas ruas durante 12 anos e só foi resgatado porque contou com uma rede de apoio do poder público e da sociedade civil. “Eu era acompanhado por um Centro Pop, fui um dos primeiros a trabalhar no abrigo Irmã Dulce quando inaugurou e tive ajuda para fazer a faculdade. Hoje sou formado em Tecnologia da Informação. Sou fruto de várias mãos que se uniram e acreditaram em mim”, contou.
RESULTADOS PREVEEM AÇÕES URGENTES
O Censo mostrou que 48% da população de rua do Recife não está cadastrada em qualquer benefício social, como o Bols Família, escancarando que falta direcionamento e assistência social para o cadastro. Perguntada sobre isso, Geruza afirmou que vai "desenhar a estratégia" para incluí-las.
Cerca de 5,1% de quem está ao relento na cidade, a crianças e adolescentes, público considerado mais vulnerável, também devem ser contemplados por políticas específicas, segundo a Secretaria.
Para eles, será criado o primeiro Centro Popinho, uma unidade do Centro de Referência de Atendimento à População em situação de Rua (Centro Pop) destinada ao atendimento de crianças e adolescentes, entre 11 e 17 anos, que estejam dormindo nas ruas desacompanhados de adultos responsáveis. A inauguração acontece ainda neste semestre, no bairro de Santo Amaro, região central.
Ainda, a promessa é que serão beneficiados pelo Programa Pão e Letra, que pretende promover ações educativas e comunicativas com a população em situação de rua do Recife, focadas em práticas de cuidado, alfabetização, letramento e promoção da cidadania. Enquanto isso, fornecendo bolsas de até R$ 600 para garantir a permanência.
CENSO DA POPULAÇÃO DE RUA DO RECIFE
O Censo da População de Rua do Recife foi tocado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em parceria com a Prefeitura do Recife e teve os resultado divulgados na última sexta-feira (25). Ele apontou um número 30% maior que o da última contagem feita pela gestão municipal. Em 2019, eram 1.400 pessoas vivendo ao relento.
Ainda, mostrou que essa população tem cor, gênero e idade bem definidos. A maioria, 76%, é do sexo masculino, 80% autodeclarou-se preta ou parda e 83% é adulta. Apesar dos homens cisgêneros representarem 75%, a presença de mulheres cisgêneros e de mulheres trans têm crescido, correspondendo a 25%.
Foi constatado que um quarto das pessoas estava na rua há menos de um ano, o que indicou uma condição recente. Cerca de 19% vive entre um e três anos nas ruas, 13% entre três e cinco anos e 35% há mais de cinco anos. Quase metade veio de outras cidades, a maioria (33%) em busca de emprego. Conflitos familiares são o principal motivo (50%) de atração às ruas.
“As pessoas em situação de rua estão e são provenientes de contextos periféricos e de trajetórias intergeracionais de violação de direitos”, disse o estudo. “Nesse sentido, é sempre importante reafirmar que sociedades extremamente desiguais não são capazes de produzir condições de vida digna e partilhadas.”
A região com maior concentração dessa população (623) é a Região Político-Administrativa (RPA 1), que compreende a região central da cidade. Depois, está a RPA 6, na Zona Sul do Recife.