A ampliação do uso da cloroquina para pacientes com quadro leve do novo coronavírus, medida defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pode elevar a pressão por vagas em centros de terapia intensiva (UTI) e provocar mortes em casa por arritmia, alertou o ex-ministro de saúde Luiz Henrique Mandetta.
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Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele afirmou que resultados iniciais de estudos que recebeu quando ainda estava no governo já indicavam riscos no uso do medicamento.
"Começaram a testar pelos [quadros] graves que estão nos hospitais. Do que sei dos estudos que me informaram e não concluíram, 33% dos pacientes em hospital, monitorados com eletrocardiograma contínuo, tiveram que suspender o uso da cloroquina porque deu arritmia que poderia levar a parada [cardíaca]".
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Ele diz ver na pressão de Bolsonaro pela cloroquina uma tentativa de estimular o retorno das pessoas ao trabalho. Para Mandetta, contudo, o País atravessou até o momento apenas 1/3 da crise e deverá ter pelo menos mais 12 semanas “duras” adiante.
O ex-ministro avalia que a situação mais complexa hoje esteja no Pará. “É um estado que provavelmente vem agora com um número muito alto de casos, dobrando muito rápido e com sistema de saúde que vai ter que se desdobrar.”
Confira trecho da entrevista
O presidente anunciou que vai mudar o protocolo de uso da cloroquina também para casos leves da Covid-19. Há riscos?
Toda droga carrega seu risco. No caso desse vírus, tem defensores para tudo, ivermectina, corticoide com uso precoce, heparina, cloroquina, coquetel retroviral. Nenhuma se impõe e nenhuma consegue satisfazer.
Falaram: “então vamos testar”. Começaram a testar [a cloroquina] pelos graves que estão nos hospitais. Do que sei dos estudos que me informaram, e não concluíram, 33% dos pacientes que estavam em hospital, monitorados com eletrocardiograma contínuo, tiveram que suspender a cloroquina porque deu arritmia que poderia levar a parada [cardíaca]. Esse número assustou, é alto. Alguns médicos falaram que “não, a cloroquina tem que usar no primeiro dia para evitar complicação”.
E aí você começa a ter um problema. Se todos os velhinhos tiverem arritmia, vão lotar o CTI, porque tem muito mais casos de arritmia que complicação de Covid. E vou ter que arrumar CTI para isso, e pode ser que morra muita gente em casa com arritmia. Por isso falei que ia adotar para os [casos] graves e gravíssimos em hospital, e fora do hospital o médico assistente que decida e corra o risco.
O que o presidente quer é que o ministério faça como se fosse uma prescrição, para que em todas as unidades de saúde, mesmo sem confirmação da Covid, seja entregue a cloroquina. Tudo baseado nessa coisa de que um médico falou: ‘acho que é bom’. Mas ninguém colocou no papel, ninguém demonstrou. A [médica Nise] Yamaguchi é uma que, quando você pergunta ‘onde está escrito isso?’, fala: ‘é a minha impressão’.
O que leva à campanha pela cloroquina?
A ideia de dar a cloroquina, na cabeça da classe política do mundo, é que, se tiver um remédio, as pessoas voltam ao trabalho. É uma coisa para tranquilizar, para fazer voltar sem tanto peso na consciência. Se tivesse lógica de assistência, isso teria partido das sociedades de especialidades [não do presidente].
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Por isso não tem gente séria que defenda um medicamento agora como panaceia. O Donald Trump [presidente dos EUA] defendeu a cloroquina, mas voltou atrás e parou. Nos EUA, isso gera processo contra o Estado. Aqui no Brasil não, se morrer, morreu. Para mim foi isso que fez com que o Teich falasse: ‘Não vou assinar isso. Vai morrer gente e ficar na minha nota’.
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