O projeto de lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, voltará à pauta do Senado Federal nesta terça-feira (30), depois de ter a votação adiada pela segunda vez, na semana passada. Criado para tentar responder ao cenário de desinformação crescente na pandemia de covid-19, o projeto segue um movimento de tentativas de legislar sobre o tema no Brasil. O texto que vai à votação já passou por várias modificações desde que foi submetido a análise dos congressistas, contudo segue envolto em críticas dos principais órgão e centros de pesquisa em direitos da internet no Brasil.
O texto inicial enviado ao Senado é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), porém o que deve ir à votação é do relator, o senador Angelo Coronel (PSD-BA). O PL já recebeu 152 emendas. Entre as propostas que já fizeram parte, estava a de identificação de usuários por meio de documentos como registro geral (RG) e CPF e a determinação para o limite da quantidade de usuários por grupo e do envio de mensagens encaminhadas em aplicativos de mensagem. A matéria segue sem consenso, e o texto final que deve ir à votação nesta terça-feira foi divulgado na noite dessa segunda (29). Confira abaixo o que você precisa saber sobre o PL 2630/2020.
Histórico
Desde que começou a pandemia, vários textos começaram a circular na Câmara e no Senado Federal desde abril para tentar legislar sobre a desinformação. Os primeiros a fazer a publicação foram os deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). Em seguida, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) submeteu o projeto de lei número 2.630.
Ele começou a tramitar em 13 de maio de 2020. A primeira votação ocorreria em 2 de junho, mas não houve deliberação em função de não haver consenso entre os parlamentares sobre a matéria. Em 25 de junho, na semana passada, haveria uma nova votação, mas mais uma vez ela foi adiada, depois de uma sequência de debates entre os congressistas. Nos dois casos, houve pressão da sociedade civil e entidades do setor, que tecem uma série de críticas aos textos já apresentados.
As propostas do atual projeto
O texto que deve ir à votação nesta terça foi protocolado no Senado às 20h51 dessa segunda. O novo relatório do senador Angelo Coronel é composto por 31 artigos, divididos em seis capítulos. As principais propostas são:
- Usuários de aplicativos de mensagens só poderão encaminhar uma mesma mensagem a cinco usuários ou grupos, limite reduzido a um único usuário ou grupo durante período de propaganda eleitoral, situações de emergência ou de calamidade pública.
- Máximo de 256 usuários em cada grupo de aplicativo de mensagem.
- Os usuários dessas plataformas passam a ser obrigados a declararem a utilização de disseminadores artificiais de conteúdo, sob pena de exclusão de suas contas.
- As empresas de aplicativos de mensagens devem fornecer aos usuários o histórico do conteúdo patrocinado com os quais tiveram contato nos últimos seis meses.
- Os conteúdos patrocinados devem ser rotulados para indicar que se trata de conteúdo pago ou promovido, identificar o pagador e disponibilizar as fontes de informação e os critérios para definição do público-alvo.
- Os serviços de mensagem ficam obrigados a suspender as contas de usuários cujos números forem desabilitados pelas operadoras de telefonia e cujos donos não pediram portabilidade da conta para um novo número.
- Aplicativos como o Whatsapp devem guardar os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa pelo prazo de três meses, quando a mensagem atinge mais de 1 mil pessoas.
- Considera-se encaminhamento em massa o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários, em intervalo de até 15 dias, para grupos de conversas, listas de transmissão ou mecanismos similares.
- As redes sociais podem retirar o conteúdo do ar quando identificarem indução a erro, engano ou confusão com a realidade pelo uso de conteúdo de áudio, vídeo ou imagem alterados ou fabricados.
- As operadoras de telefonia devem enviar, todo mês, uma lista para os aplicativos de mensagem com os números cancelados.
As propostas retiradas
Desde que foi submetido a apreciação no Senado, o PL já foi alvo de diversas críticas, parte delas em função das propostas apresentadas ao longo desse tempo. Para muitos ativistas, pesquisadores e jornalistas especializados em checagem de fatos, algumas das propostas feriam diretamente o direito à liberdade de expressão e caminhariam no sentido de ampliar a vigilância pública sobre os dados privados de cada usuário. Nesse sentido, foram retirados do último texto apresentado por Angelo Coronel:
- A exigência de celular e documentos como CPF e RG para abrir uma conta em uma rede social
- A obrigatoriedade de as empresas de rede social manterem um banco de dados no Brasil
Antes disso, em textos anteriores, tinham sido ventiladas propostas como a punição dos usuários pelo encaminhamento de mensagens falsas, a obrigatoriedade de as plataformas identificarem e excluírem todo o conteúdo considerado desinformação. Essas propostas já haviam sido excluídas, pois esbarram - entre outras questões - na falta de uma definição única do conceito de desinformação e na capacidade de checagem humana dos conteúdos em todos as aplicações de redes sociais. Também havia sido excluída a possibilidade de as plataformas retirarem o conteúdo do ar sem possibilidade de contestação, assim como a proibição de funcionamento das plataformas de redes sociais em caso de infrações graves.
Quais as críticas ao PL das Fake News
O projeto de lei tem sido alvo de queixas desde que começou a tramitar. Uma das principais delas está concentrada na velocidade de tramitação e votação da matéria, que segundo especialistas em direito digital e combate à desinformação tem que ser discutida com maior nível de detalhamento e aprofundamento. “Em menos de um mês, queriam fazer a votação, sem escutar plataformas, estudiosos. Havia propostas como a possibilidade de as plataformas fazerem a identificação por meio de CPF, endereço, o que vai totalmente contra a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Ou de criar um sistema de pontos, para usuários, o que é muito perigoso e pode levar a exclusões e punições de pessoas mal classificadas”, explicou a pesquisadora do Instituto Liberdade Digital Roberta Battisti ao JC Online no começo de junho.
As críticas também incluem o confronto do PL com o estabelecido no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados. A Coalização Direitos na Rede tem um site dedicado ao PL das Fake News. Na página, o grupo formado por organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil elenca os problemas do projeto anterior ao apresentado nessa segunda por Angelo Coronel. Para eles, a permissão da identificação em massa de usuários ocorre a partir de requisitos genéricos, como simples denúncias; e a coleta em massa de registros de encaminhamentos de mensagens e a vinculação entre um número ativo de telefone celular e o uso de aplicativos de mensageria prejudica a inclusão digital e também afeta a privacidade dos usuários. O site também traz posicionamentos oficiais de várias entidades sobre o PL e classifica o projeto como “a pior lei de internet do mundo”.
A lei pode acabar com as “fake news”?
Alvo inicial do PL, a desinformação deixou de ser o problema central a ser atacado ao longo da atualização dos textos que tramitam no Senado. Ainda assim, especialistas em checagem de fatos defendem que dificilmente uma lei é capaz de conter o compartilhamento de conteúdos falsos na internet. Em entrevista ao JC Online no início de junho, a diretora adjunta da Rede Internacional de Checagem de Fatos (IFCN) Cristina Tardáguila afirmou que até hoje, no mundo, nenhuma lei conseguiu esse feito.
“Estou estudando regulação e desinformação há dois anos. Sou responsável hoje em dia na IFCN por uma base de dados que acompanha esse tema em aproximadamente 60 países, ativa desde 2018. O que a gente vê é que nenhum país venceu a desinformação, por nenhum método. Nenhum país que optou por regulamentação, por leis, registrou redução no número de notícias falsa”, disse Cristina, em entrevista que pode ser conferida nesta reportagem.
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