Questionado sobre o terceiro dia com atraso seguido na divulgação de mortos e infectados pela covid-19 pelo Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta sexta-feira, 5, que "acabou matéria no Jornal Nacional", telejornal da TV Globo, sobre a doença.
Bolsonaro não confirmou que é dele a ordem para que os dados, antes entregues por volta das 19h, sejam apresentados apenas às 22h. "Não interessa de quem partiu (a ordem). Acho que é justa essa ideia da noite, sair o dado completamente consolidado", disse o presidente.
A primeira divulgação às 22h ocorreu na quarta-feira, 3, quando o Brasil confirmou, em 24h, que covid-19 era a causa de 1.349 mortes que estavam sob análise, número recorde. No dia seguinte, novo recorde: 1.473.
Em declaração à imprensa em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que "ninguém tem de correr para atender a Globo" e cobrou que sejam divulgados apenas os números de pessoas que morreram naquele dia.
O número de vítimas do novo coronavírus confirmadas de um dia para o outro, de fato, não significa que todas as mortes ocorreram neste período. Os dados consideram investigações de óbitos que só foram encerradas nas últimas 24h, mas podem ter ocorrido semanas antes.
Há, porém, 4.159 mortes em análise, que podem ainda aumentar a conta de vítimas da covid-19. Ou seja, o número de mortes confirmadas em cada dia cresce conforme estas análises são concluídas.
Como o Estadão revelou, informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviados ao Palácio do Planalto e a ministros alertam para alta subnotificação de infectados e mortos no Brasil. "A participação do Brasil torna-se mais significativa se for considerado que o País tem 10 a 15 vezes menos testes diagnósticos realizados por milhão de habitantes que os demais (países) e, portanto, é provável que os números brasileiros estejam subestimados e sejam de maior proporção do que os apresentados", diz relatório de 12 de maio.
O dia com maior número de mortes (670) pela covid-19 no Brasil foi 12 de maio, segundo dados de quarta-feira, 3. Como a mortes em investigação, este dado ainda deve crescer.
Bolsonaro também voltou a minimizar nesta sexta-feira, 5, números da doença no País. Ele sugeriu que outras doenças são a causa real de muitas mortes.
"Tem de saber quem perdeu a vida 'do covid' ou 'com covid'. A pessoa tem 10 comorbidades, 94 anos. Tem, pegou vírus. Potencializa. Parece que esse pessoal.. Globo, Jornal Nacional, gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Falta, inclusive, seriedade. Mortes por milhões de habitantes nem se faz", disse Bolsonaro.
Conforme dados de quinta-feira, 4, o País atingiu a marca de 34 021 vidas perdidas pela covid-19, tornando-se o terceiro em número de mortos, segundo ranking da Universidade Johns Hopkins, às 19h de ontem.
O Ministério da Saúde nega atraso proposital. "Essas situações podem acontecer, porque esse processo de checagem é muito variável", disse o secretário substituto de Vigilância em Saúde, Eduardo Macário, na quinta-feira, 4.
A divulgação tem sido feita cada vez mais tarde. No começo da pandemia, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta (DEM), a situação epidemiológica era apresentada diariamente em entrevista à imprensa. Desde o começo de maio, na gestão de Nelson Teich, os dados passaram a ser divulgados à noite e são comentados por técnicos apenas em declarações a jornalistas no dia seguinte.
Desde a saída de Mandetta, a comunicação do Ministério da Saúde tem sido esvaziada pelo Palácio do Planalto. Segundo técnicos da pasta, é uma imposição de auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, parar de divulgar nas redes sociais da Saúde o número diário de mortes confirmadas. Agora, o ministério divulga nas redes sociais o "placar da vida", que destaca o número de recuperados.
O número de recuperados, comemorado pelo governo, porém, espelha um dado negativo: o de infectados. Quanto maior a soma de pacientes, maior será o de recuperados.
As entrevistas da Saúde à imprensa também perderam protagonismo. Antes, o ministro ou o "número 2" da pasta, secretário-executivo, conduziam as declarações ao lado de técnicos da Secretaria de Vigilância Sanitária.
O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, porém, não participa das coletivas. As perguntas ao ministério têm sido respondidas por secretários substitutos, que se negam a responder temas mais espinhosos.
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