O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria em julgamento para estabelecer que o critério racial na divisão de recursos do Fundo Eleitoral - e do tempo de propaganda no rádio e na televisão de cada partido - deve valer já nas eleições de 2020, marcadas para o mês que vem.
O julgamento foi realizado no plenário virtual do STF, ferramenta digital que permite que os magistrados analisem processos sem se reunirem pessoalmente ou por videoconferência - longe dos olhos da opinião pública e das transmissões ao vivo da TV Justiça. O julgamento se encerra nesta sexta, 2.
No centro da controvérsia, estão os R$ 2 bilhões do Fundo Eleitoral reservados para o financiamento da campanha de vereadores e prefeitos de todo o País.
A lei eleitoral não obriga os partidos a lançar um número mínimo de candidatos negros, e os partidos tradicionalmente privilegiam candidatos homens e brancos na repartição do dinheiro. Segundo o estudo "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça", do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no ano passado, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos, 2,7% receberam pelo menos esse valor.
Em seu voto, Lewandowski disse que a antecipação das regras contribui para a construção de uma "sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação".
O relator foi acompanhado pelos ministros do Supremo que acumulam a função de ministros do TSE, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Além deles, votaram a favor a ministra Cármen Lúcia e Rosa Weber.
"Não tenho dúvidas de que a sub-representação das pessoas negras nos poderes eleitos, ao mesmo tempo que é derivada do racismo estrutural existente no Brasil, acaba sendo um dos principais instrumentos de perpetuação da gravíssima desigualdade social entre brancos e negros", escreveu Alexandre de Moraes, ao fundamentar seu voto.
Em voto divergente, o ministro Marco Aurélio Mello disse que deliberações como essas devem ser feitas pelo Congresso, e não pelo Supremo. Segundo ele, a criação de ações afirmativas são "opção político-legislativa".
"O tratamento conferido à defesa dos direitos da população negra e das questões de raça deve considerar o arcabouço normativo. Ausente disciplina, não se justifica a atuação como legislador positivo, no sentido de prescrever medidas direcionadas a promover candidaturas de pessoas negras", disse. "A sociedade almeja e exige a correção de rumos, mas esta há de ocorrer ausente açodamento."
Questionamentos
Após a decisão de Lewandowski, partidos políticos alegaram que não sabem como aplicar a nova regra. Pressionado, Lewandowski divulgou na última quinta-feira as regras de como deve ser aplicada - já nas eleições deste ano - a reserva de recursos para candidatos negros.
O ministro estabeleceu que, para calcular os recursos destinados a negros, cada partido deverá primeiramente separar candidaturas masculinas e femininas, independentemente da raça - a legislação impõe uma cota de 30% para mulheres. Depois, cada legenda deverá calcular o porcentual de candidatas negras em relação ao total das candidaturas femininas do partido, bem como o porcentual de candidaturas de negros em relação ao total dos candidatos.
A divisão dos recursos deverá obedecer a proporção de homens negros no universo de candidatos, e a quantidade de mulheres negras no universo de candidaturas femininas da legenda. Cabe a cada candidato declarar sua raça à Justiça Eleitoral.
A decisão foi tomada após o ministro receber ofício de Barroso, com questionamentos dos partidos sobre a aplicação das novas regras neste ano. Em reunião por videoconferência na quarta-feira, siglas de diferentes matizes ideológicos criticaram a aplicação da regra já nestas eleições, apontaram para os riscos de candidaturas laranjas, além de acusar o Judiciário de invadir as competências do Congresso.
Embora sejam mais da metade dos habitantes do País, os negros permanecem sub-representados no Legislativo - são 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos estaduais eleitos em 2018, segundo o IBGE.