Contas públicas

TCE vai mandar que Previdência dos municípios voltem para INSS

Em mais uma reportagem sobre os desafios que os prefeitos eleitos vão enfrentar em seus mandatos, o Jornal do Commercio mostra o problema crônico do déficit da Previdência. Sem reforma ou soluções, a expectativa é que ainda nesta década grande parte dos 148 municípios do Estado que aderiram ao Regime Próprio de Previdência quebrem.

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 04/10/2020 às 6:30 | Atualizado em 21/01/2022 às 10:39
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Não adianta mais julgar as contas irregulares. Agora a gente vai dizer se o sistema de uma determinada cidade é viável ou não", diz o presidente do TCE, Dirceu Rodolfo. O Tribunal de Contas vai passar a indicar a troca de regimes próprios de Previdência dos municípios pelo regime geral. - FOTO: DIVULGAÇÃO

Cansados de rejeitarem as contas dos prefeitos por causa de irregularidades na administração das aposentadorias de seus servidores, os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) mudaram de estratégia. A ideia agora é passar a indicar que os municípios voltem ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

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O primeiro município em que as contas apontam neste sentido é Barreiros, na Mata Sul pernambucana. A relatoria do processo de uma conta anterior a 2019 está com o conselheiro Carlos Neves. O município já foi notificado sobre as irregularidades em seu regime próprio, e, como o seu sistema é relativamente recente, é possível que o pleno do TCE julgue pela volta de Barreiros ao regime geral.

Pernambuco e Rio de Janeiro são os Estados em que a maior parte dos municípios adotou o regime próprio de previdência (RPPS). Aqui são 148 cidades, ou 80% dos municípios.

Hoje, 77% dos sistema próprios dos municípios só possuem certidão de regularidade previdenciária por decisão judicial. Desses, 94% têm a pior nota em indicadores técnicos de cobertura de benefício e de situação previdenciária e 47% do total têm a pior nota no que se refere ao índice de liquidez, ou seja, têm pouca capacidade de pagar as suas obrigações de curto prazo. "Não adianta mais julgar as contas irregulares. Agora a gente vai dizer se o sistema de uma determinada cidade é viável ou não", adiantou o presidente do TCE, Dirceu Rodolfo.

Apesar de Barreiros ser o primeiro da lista, o TCE ainda está padronizando suas auditorias para esse tipo de indicação. Este ano foi criada uma gerência de Previdência e Gestão Fiscal, com foco específico na avaliação atuarial das previdência municipais. A análise atuarial é um cálculo probabilístico que todo sistema previdenciário tem que fazer anualmente, levando em conta aspectos como longevidade para projetar o custo do sistema em 20 anos.

ANÁLISES

O TCE começou a analisar este ano as contas de 2019 dos prefeitos. "Neste exercício de 2019, temos a análise crítica de 12 indicadores. Além de julgar as contas, vamos dizer quais são os problemas atuariais, fazer uma análise econômica do sistema para chegar a uma solução. Se não houver viabilidade econômica, vamos dizer ao prefeito que ele tem que mudar a lei, aumentar alíquota, fazer corte de elegíveis ou voltar para o RGPS", disse.

Elegíveis são os funcionários que entraram no serviço público depois da criação do regime próprio. Hoje, a maioria dos municípios tem duas massas de contribuição. Os servidores antigos contribuem no regime de repartição simples, ou seja, eles pagam a quem já está aposentado. Esse geralmente é o sistema financeiro em que o município entra com recursos para completar as aposentadorias além da contribuição patronal. Há ainda o regime previdenciário, no qual os elegíveis contribuem para um fundo e cujo o dinheiro tem que ser aplicado no mercado financeiro para render a aposentadoria futura. Mesmo esse regime tem enfrentado controvérsias.

Os problemas encontrados nas contas previdenciárias dos prefeitos são inúmeros, vão de desvio do recolhimento do servidor e da contribuição patronal paga pelo município até a administração temerária dos recursos do fundo de aposentadoria. O exemplo mais notório foi a Caboprev, sistema de aposentadoria do Cabo de Santo Agostinho, que levou o prefeito Lula Cabral à prisão. Ele e o presidente da Caboprev teriam transferido R$ 90 milhões do fundo dos aposentados de aplicações seguras para investimentos de alto risco. Além do déficit, o problema envolve falta de pessoal técnico que tenha noção de investimentos no mercado de capitais e a própria relação entre o prefeito e o seu indicado para gerir os recursos dos fundos de aposentadoria.

Depois do caso do Cabo em 2018, até o TCE passou a melhorar seus procedimentos. Dois servidores fizeram cursos de estatística atuarial, e a intenção agora é recrutar pessoas com capacidade de análise técnica na área de investimentos financeiros.

Em boa parte dos casos, no entanto, os problemas já começam antes mesmo de o dinheiro chegar ao sistema. "Os prefeitos não recolhem o que é devido, então se cria o déficit atuarial e financeiro", diz Rodolfo. Para fechar as contas do próprio município, muitos prefeitos usam o dinheiro dos aposentados. "A verba da Previdência não é do município e não pode ser usada para nenhum gasto. Mas muitos prefeitos com problema de caixa recolhem o dinheiro da aposentadoria e desviam para pagar compromissos", diz o conselheiro. Esse tipo de manobra é um indício de improbidade administrativa. "Quando o valor é alto, a gente julga a conta irregular."

Para Dirceu Rodolfo, o problema da previdência dos municípios é de origem. A partir da Emenda Constitucional 20/98, as cidades passaram a trocar o INSS pelos regimes próprios, mas não fizeram a transição dentro de parâmetros sólidos. "Quando se começou com tudo isso, o cálculo atuarial foi feito sem precisão ou rigor técnico. Os atuários faziam o cálculo inicial em cima de aproximações, um modelo para todo mundo", critica.

Como os cálculos foram mal feitos desde o início, o pessoal elegível ao novo sistema acabou tendo que contribuir com o regime antigo de repartição simples. Muitos municípios fizeram a segregação das massas (plano financeiro antigo e plano previdenciário novo), mas mesmo assim não foi suficiente, com o regime financeiro gerando rombos cada vez maiores nas contas municipais e o regime previdenciário sem conseguir captar recursos. Os municípios aumentam aportes, alíquotas de contribuição e pagamentos complementares, mas "nada deu jeito, é uma bomba-relógio", diz Rodolfo.

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