Combate à corrupção

'A Lava Jato acabou. E acabou porque teve sucesso', diz o procurador Cristiano Pimentel, do MPCO

Declaração do procurador foi dada na manhã desta quinta-feira (4), em entrevista à Rádio Jornal

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Luisa Farias, Renata Monteiro

Publicado em 04/02/2021 às 11:29 | Atualizado em 04/02/2021 às 15:50
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Após o anúncio do Ministério Público Federal no Paraná de que a força-tarefa da Operação Lava Jato foi dissolvida, o procurador Cristiano Pimentel, do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO), afirmou que a medida foi tomada por que a operação "teve sucesso". A declaração de Pimentel foi dada na manhã desta quinta-feira (4), durante entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal.

De acordo com o MPF-PR, os processos tocados pela Lava Jato não deixarão de existir, pois eles ficarão a cargo de quatro procuradores que atuavam na força-tarefa e agora farão parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Para Pimentel, contudo, na prática a nova organização dificulta e praticamente inviabiliza o trabalho dos procuradores.

"Na minha opinião, e opinião da grande maioria do Ministério Público brasileiro, a Lava Jato acabou. Ela foi encerrada por decisão e força do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ontem, na abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, o procurador-geral disse que (a força-tarefa) não acabou, que apenas mudou de nome para Gaeco, mas, na prática, quem tem experiência nisso sabe que não é bem assim. A Lava Jato chegou a ter 14 procuradores com dedicação exclusiva à operação em Curitiba. Atualmente, tinha dez procuradores com dedicação exclusiva e agora vai ter quatro procuradores apenas, sendo que apenas três moram em Curitiba, e um vai trabalhar remotamente. A Lava Jato acabou, e acabou de uma forma muito triste, muito melancólica, e acabou porque teve sucesso", declarou Cristiano Pimentel.

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Questionado se não haveria outros mecanismos no País além da Lava Jato para garantir que investigações com foco no combate à corrupção sejam realizadas, Pimentel informou que, em muitos casos, a estrutura oferecida pelo Ministério Público aos procuradores não permite que tais apurações sejam feitas. "Quando falamos de um crime que envolve o sistema político, envolve a Petrobras, desvios de recursos públicos em estatais, em órgãos do governo, de maneira geral, eles são muito sofisticados. Nós estamos falando, por exemplo, de um gerente de terceiro escalão da Petrobras, um senhor chamado Pedro Barusco, que confessou que tinha 99 milhões de dólares depositados na Suíça. Não é um procurador na sua salinha, que às vezes só tem um servidor lhe ajudando, que vai conseguir desbaratar um esquema de corrupção internacional", observou o procurador.

Vaza Jato

Durante a entrevista, o representante do MPCO também comentou a divulgação de conversas trocadas pelo Telegram por procuradores da força-tarefa com o ex-juiz Sergio Moro, episódio que ficou conhecido como "Vaza Jato". Para Pimentel, nenhuma irregularidade grave ficou comprovada com os vazamentos, que, segundo ele, são apenas "farofa e fofoca".

"Há mais de um ano e meio existem debates sobre essas conversas que o hacker roubou dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Apesar disso ser um crime, quem está sendo punido não é o hacker, são os procuradores que foram invadidos. Apesar de fazer um ano e meio que sites e jornais prometeram fazer revelações gravíssimas sobre os procuradores e sobre o ex-juiz Sergio Moro, o que eles conseguiram descobrir nesses quatro anos de conversas hackeadas é puramente farofa e fofoca. Eu garanto que vocês, no trabalho, como acontece em qualquer empresa, falam coisas, piadas até, que não podem vir a público porque geram um constrangimento. Em quatro anos de conversas hackeadas, não acharam um suborno, uma mala de dinheiro, nada dos procuradores da Lava Jato", declarou Pimentel.

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Divulgadas pelo site The Intercept, as mensagens trocadas pelos membros da Lava Jato com Moro indicam que o ex-juiz repassou informações privilegiadas ao Ministério Público para que os procuradores pudessem construir seus casos. Também há indícios, entre outras coisas, que o ex-ministro da Justiça deu orientações à promotoria, inclusive sugerindo mudanças nas fases da operação em curso. O hacker responsável pelo vazamento foi preso pela Polícia Federal em 2019.

Na última segunda-feira (1º), a pedido da defesa do ex-presidente Lula (PT), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Eleitoral (STF), tornou públicas todas as conversas entre Moro e os procuradores que citam o petista direta ou indiretamente e estejam relacionadas com as investigações e ações movidas contra ele no Brasil ou no exterior. Para Pimentel, a decisão do magistrado foi "surreal".

"Essa decisão do ministro Ricardo Lewandowski está punindo as vítimas do crime. Eu acho surreal que isso aconteça no Brasil. Isso não aconteceria em nenhuma democracia civilizada. (...) Os procuradores recorreram dessa decisão do ministro, mas como sempre, decisão monocrática de ministro do STF é
praticamente irrecorrível. Nem o papa pode enfrentar uma decisão monocrática de ministro do STF. Vai ficar divulgando essas conversas que não têm nada de ilegal, mas são constrangedoras, são invasão de privacidade", opinou o procurador.

A Lava Jato do Paraná

A Força Tarefa da Lava Jato do Paraná tem quase sete anos de atuação com a deflagração de 79 fases. O saldo durante o período é de 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 mandados de prisão temporária contra 533 acusados, o que levou a 278 condenações (das quais 174 foram contra nomes únicos) e um total de 2.611 anos de pena. Além disso, o grupo entrou com 38 ações civis públicas. Dessas, três foram contra partidos políticos (PSB, MDB e PP), com um termo de ajuste de conduta firmado.

A Lava Jato também atuou em parceria com órgãos de investigação internacionais, através de 735 pedidos de cooperação internacional - 352 passivos (pedidos a outros países) e 383 passivos (pedidos de outros países ao MPF). Também houve o compartilhamento de provas obtidas com outros órgãos do País, a exemplo do Tribunal de Contas da União (TCU), Advocacia-Geral da União (AGU) e Receita Federal.

Os 209 acordos de colaboração (chamadas de delações premiadas) e 17 acordos de leniência (com empresas) possibilitaram a devolução de R$ 4,3 bilhões e R$ 15 bilhões, respectivamente, aos cofres públicos.

Com a sua dissolução, a Lava Jato do Paraná passou a integrar o Gaeco do MPF a partir do dia 1º de fevereiro. Quatro ex-integrantes da Força Tarefa, com mandatos até agosto de 2022, foram transferidos para o Gaeco, que já tinha outros cinco membros. Da nova formação com nove procuradores, cinco deles vão dar andamento aos casos do acervo da Lava Jato.

Outros dez membros da extinta Força Tarefa - que não integrar o Gaeco - vão permanecer até 1º de outubro de 2021 designados para atuar em casos específicos ou em caso de eventual necessidade.

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