LINGUAGEM NEUTRA

'Agressão gratuita e homofóbica', diz Teresa Leitão após Clarissa Tércio denunciar escola do Grande Recife ao MPPE

Clarissa realizou a denúncia após fazer 'vistoria' e encontrar materiais com linguagem neutra em escola de Camaragibe

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Marcelo Aprígio

Publicado em 19/05/2021 às 10:46 | Atualizado em 19/05/2021 às 12:00
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A deputada estadual Teresa Leitão (PT) criticou a também deputada Clarissa Tércio (PSC) após a social-cristã realizar uma 'vistoria' na Escola Estadual Professor Nelson Chaves, no bairro de Tabatinga, em Camaragibe, no Grande Recife. Após a visita, Tércio denunciou a diretora da instituição ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e à Secretaria de Educação e Esportes (SEE) do Estado. Para a petista, Clarissa "invadiu" a unidade de ensino "com um comportamento agressivo e ameaçador". Teresa classificou ainda a atitude da colega parlamentar como uma "agressão gratuita, preconceituosa e homofóbica".  

"Nós, parlamentares, temos o direito de entrar em locais públicos para vistoriar e fiscalizar, mas ela não fez. Ela, na verdade, invadiu uma escola com um comportamento agressivo e ameaçador", declarou Teresa Leitão, que integra a Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), assim como Clarissa Tércio.

"Primeiro a deputada precisa saber que orientação sexual é do livre arbítrio. Não é ela que vai e nem pode determinar. Segundo, ela levantar isso como se fosse uma suspeita de conduta negativa de um escola sem saber o contexto pedagógico no qual a instituição estava fazendo aquele debate. Foi agressão gratuita, preconceituosa e homofóbica", disparou Teresa, afirmando que homofobia é crime.

Procurada pelo JC, Clarissa Tércio afirmou que "escola não é local de doutrinação" e que continuará fiscalizando unidades de ensino.

"Não adianta tentar desvirtuar o foco do problema. Fiz minha parte como representante do povo e continuarei fazendo. Continuarei fiscalizando. Escola não é local de doutrinação. É âmbito acadêmico e como tal, deve ser preservado", afirmou.

Denúncia contra 'todxs' e 'todes'

REPRODUÇÃO
Clarissa Tércio (PSC) - REPRODUÇÃO

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) vai analisar uma denúncia feita pela deputada estadual Clarissa Tércio (PSC), que alegando ter recebido uma reclamação, decidiu 'vistoriar' a Escola Estadual Professor Nelson Chaves, no bairro de Tabatinga, em Camaragibe, no Grande Recife. A social-cristã, acusa a escola de fazer uso de novas formas de flexão de gênero, popularmente conhecidas como “linguagem neutra”, no lugar da norma culta da Língua Portuguesa.

Durante a visita à unidade de ensino, a diretora da instituição liberou o acesso da parlamentar ao local, mas o clima ficou tenso após a deputada resolver tirar fotos e filmar materiais que considerava ter conotação ideológica.

As imagens capturadas durante a visita foram usadas em um vídeo publicado nas redes sociais de Clarissa Tércio, conhecida por sua atuação alinhada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Só no Instagram, a postagem foi vista por mais de 44,2 mil pessoas em menos de 24 horas. No material, a social-cristã critica uma mensagem de boas vindas que continha a expressão "sejam bem vindes", ao invés de "sejam bem vindos", como indica a norma padrão da Língua Portuguesa.

"Isso aqui é só a ponta do iceberg. Talvez vocês questione [e diga] que é só uma pequena mudança em uma letra. Mas não é apenas isso. Seus filhos estão sendo doutrinados lá dentro das salas de aula", afirma a parlamentar, enquanto imagens relacionadas ao movimento LGBT surgem na edição. 

Em outro trecho do vídeo, a deputada mostra uma foto supostamente tirada em uma das salas da escola, antes da visita dela. Na imagem, expressões como "tod@s", "todxs" e "todes" aparecem escritas em um quadro branco. "Essa doutrinadora aqui, ou esse doutrinador, não representa a categoria dos professores", disse Clarissa, afirmando que denunciou a diretora da instituição ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e à Secretaria de Educação e Esportes (SEE) do Estado.

"Nós estaremos nas ruas, lutando incansavelmente para que, aqui em Pernambuco, essa linguagem neutra esse tipo de lixo ideológico não avance", declarou a parlamentar do PSC. 

Na publicação, realizada nessa segunda-feira (17), ainda é possível ouvir a diretora da instituição questionando se a deputada estava gravando. Além disso, a deputada afirma que as denúncias já haviam sido feitas antes mesmo de visitar a escola.

Procurada pelo JC, a SEE afirmou que até o momento do contato Clarissa Tércio não havia ingressado com qualquer na denúncia no órgão. Já o MPPE afirmou que "a 3ª Promotoria de Justiça Cível de Camaragibe tomou conhecimento dos fatos e irá analisar" o caso. A deputada também foi procurada, mas não retornou o contato até a última atualização desta reportagem.

Resposta da Secretaria de Educação e Esportes

"A Secretaria de Educação e Esportes (SEE) esclarece que até o momento não recebeu nenhuma notificação oficial ou denúncia do Ministério Público de Pernambuco acerca do caso. Sobre o vídeo em questão, gravado na Escola Estadual Professor Nelson Chaves, em Camaragibe, a SEE enfatiza que repudia todo e qualquer ato de discriminação, preza pela liberdade de cada indivíduo e reafirma o compromisso com a formação cidadã, ética, inclusiva e plural. Relações de Gênero é um dos temas transversais e integradores do Currículo de Pernambuco, documento que norteia a educação básica das escolas no Estado. A postura arbitrária da deputada, que não procurou em momento algum dialogar com a Secretaria de Educação, não condiz com o ambiente escolar que preza pelo respeito às diferenças e promoção da cidadania."

PL contra 'linguagem neutra'

A discussão em torno da linguagem neutra em Pernambuco não é exclusividade de Tércio. Em fevereiro deste ano, o deputado estadual Pastor Cleiton Collins (PP) apresentou um projeto na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para proibir o uso de novas formas de flexão de gênero, popularmente conhecidas como “linguagem neutra”, nas instituições de ensino públicas ou privadas de Pernambuco, além de bancas examinadoras de seleções e concursos públicos no Estado. Se o projeto for aprovado, estarão proibidas expressões como "todes" e "amigxs". 

A proposta prevê ainda que Secretaria de Educação e Esportes do Estado empreenda “todos os meios necessários para a valorização da Língua Portuguesa culta em suas políticas educacionais” para evitar “qualquer conteúdo destoante das normas e orientações legais de ensino”.

Ao justificar o projeto, o deputado-pastor afirmou que a “linguagem neutra” é uma ameaça ao idioma. Segundo Collins, a utilização da flexibilização de gênero não binária é uma prática defendida por “grupos extremistas”, sob o pretexto de anular as diferenças.

“Entendemos que é necessário coibir a ameaça ao idioma no ambiente de ensino, constatada pela tendência que se verifica na sociedade de inclusão ao uso da “linguagem neutra” como adequada à norma da língua portuguesa”, disse o deputado.

“A “linguagem neutra” é toda e qualquer forma de modificação do uso da norma culta da Língua Portuguesa e seu conjunto de padrões linguísticos, de modo a serem escritos ou pronunciados com a premissa defendida pelos grupos extremistas de “anular as diferenças” de pronomes de tratamento masculinos e femininos baseando-se em infinitas possibilidades de gênero não existentes”, concluiu o parlamentar, que considera que a permissão do ensino de tal linguagem nas escolas seria um desserviço aos estudantes.

PL na Câmara do Recife

A proposta de Collins foi publicada um dia após um PL parecido ser publicado no Diário Oficial do Recife. A autora do projeto é a esposa do deputado, a vereadora Michele Collins (PP). O texto apresentado por ela, estabelece que estudantes das redes pública e privada de ensino do município do Recife aprendam apenas a língua portuguesa de acordo com a "norma culta", proibindo, assim, o uso da “linguagem neutra”, do “dialeto não binário” ou de qualquer outra forma de linguagem diferente da oficial.

Diferente do marido, a vereadora decidiu prever punições para quem descumprir a lei, como advertência e multas que variam de R$ 1 mil a R$ mil para os estabelecimentos de ensino. Já o descumprimento por parte do administrador público poderá acarretar a abertura de procedimento administrativo para "apuração de responsabilidades".

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