Segurança pública

Para José Luiz Ratton, mentor do Pacto pela Vida, ação da PM em protesto no Recife foi ''inaceitável e ilegal''

Na manifestação, dois homens foram baleados no rosto e perderam parcialmente a visão. Além disso, a vereadora Liana Cirne (PT) foi agredida com um jato de spray de pimenta e precisou receber atendimento médico

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Renata Monteiro

Publicado em 02/06/2021 às 22:15 | Atualizado em 02/06/2021 às 22:16
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Um dos idealizadores do Pacto pela Vida, programa implementado em 2007 pelo governador Eduardo Campos (PSB) para reduzir os índices de criminalidade em Pernambuco, o professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Luiz Ratton, classificou como um "ataque inaceitável e ilegal" a ação da Polícia Militar durante o protesto contra o governo Bolsonaro que ocorreu no Recife no último sábado (29). Na ocasião, dois homens foram baleados no rosto e perderam parcialmente a visão. Além disso, a vereadora Liana Cirne (PT) foi agredida com um jato de spray de pimenta e precisou receber atendimento médico.

"No sábado, no Recife, houve um ato pacífico, organizado, com distanciamento social e uso de máscaras, que foi atacado por policiais militares que deveriam estar garantindo a segurança e a integridade física dos manifestantes. Não houve qualquer ato de violência, nenhuma ameaça à ordem pública, nenhuma reação à violência policial gratuita dos setores da Polícia Militar que foram designados para o acompanhamento do ato. A forma como os policiais do Batalhão de Choque atacaram, de forma deliberada e súbita, uma manifestação que estava se dispersando de forma absolutamente pacífica, mostra que houve autorização vinda de cima, não se sabe de onde, para que o ataque, ao arrepio completo da lei, fosse realizado. Não existe a mínima possibilidade de uma decisão que não tenha vindo de oficiais da PM. As PMs no Brasil funcionam de forma absolutamente hierarquizada, especialmente em situações como esta e nenhum policial no nível de rua tomaria a decisão de agir tão 'organicamente' sem autorização de um comandante que fosse um oficial", observou o docente, que também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas de Segurança da UFPE (NEPS-UFPE).

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Na visão de Ratton, de acordo com as informações que já foram divulgadas até o momento, é possível identificar falhas de procedimento da Secretaria de Defesa Social (SDS), mas, segundo ele, o governador Paulo Câmara (PSB) têm conseguido se colocar de maneira mais assertiva no caso. "É preciso notar que a manifestação estava sendo acompanhada pela cúpula da segurança pública do Estado, através de câmeras de videomonitoramento. Houve erro da SDS e da cúpula da PM, não se sabe de que natureza. No mínimo houve omissão, pois o ataque inaceitável e ilegal poderia ter sido interrompido por uma ordem imediata vinda de cima. A reação do governador inicialmente foi ambígua e tímida. Contudo, a declaração de ontem, o afastamento dos policiais envolvidos e a exoneração do comandante da PM mostraram de forma clara que a autoridade civil eleita democraticamente precisa se posicionar de forma assertiva diante de uma ilegalidade institucional e o governador agiu corretamente no segundo momento. Falta, no entanto, identificar os policiais envolvidos no ato, não só quem praticou os atos que causaram danos sérios à visão de duas pessoas e atacaram uma vereadora, mas quem ordenou tais atos", cravou.

No mesmo dia do protesto, Paulo Câmara se posicionou oficialmente sobre o caso anunciando que a Corregedoria da SDS instaurou um procedimento para investigar os fatos e informando o afastamento do oficial que comandou a ação no Centro do Recife e do policial que disparou o spray de pimenta contra Liana Cirne. De lá para cá, outros cinco policiais, entre oficiais e praças, já foram afastados das funções operativas e o então comandante da PM-PE, coronel Vanildo Maranhão, pediu exoneração do cargo. Paulo afirmou nesta quarta (2) que não concorda com a ação violenta e que pediu celeridade nas apurações.

Questionado sobre a influência bolsonarista entre as forças policiais brasileiras, Ratton afirmou que, nos últimos 30 anos, todos os governos que passaram pelos Palácios do Planalto e do Campo das Princesas subestimaram a capacidade de setores militares de agirem de forma contrária a Constituição e de "sabotarem a democracia".

"O que aconteceu em Pernambuco vem acontecendo há anos em todas as unidades da Federação no Brasil. Houve um trabalho de anos, de setores políticos ligados à extrema-direita brasileira, que se identificam com o bolsonarismo, que buscaram insuflar as bases das Polícias Militares contra os governadores, utilizando-se de métodos violentos, ilegais e que colocam em risco a democracia no País. Todos os governos dos últimos 30 anos em Pernambuco e no Brasil cometeram erros em subestimar a capacidade de setores das polícias militares de sabotarem a democracia e de agirem de forma contrária à Constituição brasileira e aos direitos humanos. É preciso que a autoridade civil eleita democraticamente retome, com apoio das instituições (Sistema de Justiça, Parlamento), de forma clara e dentro da lei, o controle sobre as forças policiais que não podem agir à revelia da lei e da cadeia de comando definida pela Constituição. O comandante das polícias estaduais é o governador do Estado. Espero que Paulo Câmara e outros governadores do País recuperem a capacidade de comando sobre as polícias, sem terceirizar a responsabilidade para os secretários de defesa social ou de segurança pública. Tudo isto, seguindo os parâmetros definidos pela Constituição brasileira", declarou Ratton.

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