Fux afirma que declarações de Bolsonaro atingem STF e cancela reunião entre Poderes
O presidente do STF disse que o presidente da República "tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes da Corte"
Atualizada às 19h29
Em reação aos ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, anunciou nesta quinta-feira (5) o cancelamento de uma reunião entre os chefes dos três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, inicialmente prevista para esta semana. Para demonstrar a seriedade do gesto, Fux pediu a todos os ministros presentes no tribunal que deixassem os gabinetes para acompanhar o pronunciamento presencialmente no plenário. Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Kassio Nunes Marques estavam na corte no momento da fala.
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Em um duro e breve pronunciamento, o magistrado afirmou que "diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras", em referência à conversa que teve com o presidente Jair Bolsonaro, no dia 14 de julho, na qual o chefe do Executivo se comprometeu em moderar o discurso belicoso em relação aos ministros que integram a Corte, bem como cessar os ataques ao sistema eleitoral. Ao encerrar, Fux disse que, infelizmente, não temos visto comprometimento de autoridades com as próprias palavras no cenário atual.
"Como tem noticiado a imprensa brasileira nos últimos dias, o Presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Além disso, Sua Excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do Plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", afirmou Fux.
Em sua resposta, Fux afirmou que atitudes beligerantes do presidente contra os ministros e o sistema eleitoral muitas vezes se amparam em interpretações equivocadas de decisões tomadas pelo Supremo. "Diante dessas circunstâncias, o Supremo Tribunal Federal informa que está cancelada a reunião outrora anunciada entre os Chefes de Poder, entre eles o Presidente da República", disse Fux.
No discurso, o ministro frisou que partiu dele a iniciativa de realizar a reunião com Bolsonaro em meados do mês de julho, na tentativa de frear a escalada de ataques ao sistema eleitoral e dissipar a crise institucional instalada na Praça dos Três Poderes. O encontro foi o primeiro ato do que ensaiava ser uma tentativa maior de acordo multilateral entre as instituições, envolvendo também os presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressista-AL) ,e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A negociação, porém, foi impedida pelo próprio Bolsonaro, que desde então dobrou a aposta e subiu a cada dia mais o tom contra o ministros do STF que também integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Como Presidente do Supremo Tribunal Federal, alertei o Presidente da República, em reunião realizada nesta Corte, durante as férias coletivas de julho, sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os poderes para a harmonia institucional do país", afirmou Fux.
O discurso de Fux nesta quinta-feira, 5, foi mais enfático do que o observado na segunda-feira, 2, quando se manifestou em defesa da democracia, na sessão de retomada dos trabalhos no Supremo. Dessa vez, diferente do observado anteriormente, Fux citou o presidente Jair Bolsonaro e seguiu a toada de respostas institucionais aos ataques sucessivos que partem do Palácio do Planalto atentando contra a lisura do processo eleitoral e a credibilidade das instituições do Judiciário.
Também na segunda-feira, 2, os ministros do TSE aprovaram, por unanimidade, a abertura de um inquérito administrativo que vai investigar Bolsonaro pelos crimes de abuso de poder político e econômico, uso indevido dos meios de comunicação social, fraude, corrupção, atentado contra o Estado Democrático de Direito, dentre outros. No mesmo dia, o presidente e o vice-presidente da corte eleitoral assinaram uma nota em conjunto com todos os ex-presidente desde 1988, na qual defenderam as urnas eletrônicas e se opuseram ao projeto do voto impresso por sua capacidade de retroagir ao período de fraudes das eleições, observado antes de 1996.
Em entrevista à rádio Jovem Pan News, na última quarta-feira, 4, Bolsonaro sinalizou que poderia agir fora dos limites da Constituição contra o ministro Alexandre de Moraes, responsável por determinar a abertura de um inquérito, vinculado ao das fake news, para investigar o presidente por possíveis atos criminosos ao realizar a transmissão ao vivo no dia 30 de julho. A live realizada com estrutura do Palácio do Planalto e retransmissão da estatal TV Brasil teve como principal elemento a reprodução de notícias falsas e vídeos fora de contexto já desmentidos pela Justiça Eleitoral.
"O ministro Alexandre de Moraes abriu um inquérito de mentira, me acusando de mentiroso. É uma acusação gravíssima. Ainda mais num inquérito sem qualquer embasamento jurídico. Não pode começar por ele. Ele abre, apura e pune? Sem comentários. Isso está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto não está dentro das quatro linhas da Constituição. Ninguém é mais macho que ninguém", afirmou o presidente.
Sem sequer um dia de trégua, Bolsonaro voltou a disparar nesta quinta-feira críticas contra o STF, Moraes, Barroso e chamou o povo para ir às ruas defender a Constituição. "Podemos reunir o povo em SP para mais um apelo ao ministro Barroso", acusado por ele de querer eleger Lula em 2022.
"Bandeiras de Barroso são aborto, liberação das drogas", disse. O presidente disse que "não podemos continuar com ministros (judiciário) arbitrários" e que Moraes faz "ações intimidatórias" contra ele. "A hora dele chegará porque joga fora da Constituição". "Alexandre de Moraes é a própria mentira dentro do STF". Bolsonaro convocou o "povo paulistano a comparecer à avenida Paulista para 'defender constituição'.
Alçado ao posto de alvo preferencial das ameaças do presidente, o ministro Alexandre de Moraes usou as redes sociais também nesta quinta para responder às acusações que tem recebido. Sem citar Bolsonaro, o relator do inquérito que mira o chefe do Executivo foi categórico ao afirmar que não irá esmorecer frente aos avanços inconstitucionais do Planalto.
"Ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da Democracia e do Estado de Direito", escreveu no Twitter.
Alinhado com Moraes, o discurso de Fux ocorre num momento de inflexão na relação entre o Executivo e o Judiciário. Ontem, na entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro apresentou cópias de um inquérito aberto pela Polícia Federal (PF) dez dias após o segundo turno das eleições de 2018 para investigar uma denúncia de invasão do sistema da urna eletrônica, apresentada pelo próprio TSE. As apurações estão em curso desde então, em caráter sigiloso, e nunca foi constatado nenhum indício de que o ataque tenha afetado o resultado das eleições daquele ano.
Em resposta ao presidente, o TSE divulgou na madrugada de hoje uma nota rebatendo as declarações de Bolsonaro. O texto afirma que o acesso de hacker a programação da urna eletrônica não representou qualquer risco à integridade daquelas eleições e frisou que os eventos foram amplamente divulgados à época.
"O código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", disse o comunicado do TSE, que rebateu as acusações de Bolsonaro em sete pontos. "Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado".
Leia a íntegra do discurso
Como Presidente do Supremo Tribunal Federal, alertei o Presidente da República, em reunião realizada nesta Corte, durante as férias coletivas de julho, sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os poderes para a harmonia institucional do país.
Contudo, como tem noticiado a imprensa brasileira nos últimos dias, o Presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Além disso, Sua Excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do Plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro.
Diante dessas circunstâncias, o Supremo Tribunal Federal informa que está cancelada a reunião outrora anunciada entre os Chefes de Poder, entre eles o Presidente da República. O pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes.
Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.
O Supremo Tribunal Federal, de forma coesa, segue ao lado da população brasileira em defesa do Estado Democrático de Direito e das instituições republicanas, e se manterá firme em sua missão de julgar com independência e imparcialidade, sempre observando as leis e a Constituição.