Um terço dos projetos de lei enviados por João Campos para a Câmara em 2021 foram em regime de urgência
Oposição reclama que urgência atrapalha o debate; governo defende tramitação acelerada
Um em cada três projetos de lei enviados pelo prefeito do Recife, João Campos (PSB), para a Câmara dos Vereadores em 2021 seguiu o regime de urgência - em que a tramitação é acelerada e o tempo de discussão da matéria é reduzido. Durante todo o primeiro ano de gestão, o socialista enviou 63 textos para o Legislativo; dos quais 22 tiveram a tramitação acelerada, segundo levantamento feito pelo JC no site da Câmara.
A prefeitura tem recorrido à urgência para fazer avançar projetos estratégicos para regulamentar a ocupação urbanística da cidade, como a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e a Transferência do Direito de Construir (TDC), como mostrou o JC na semana passada. Também inclui promessas de campanha como o CredPop, programa de crédito popular instituído pelo município. Todos esses temas tiveram prazo reduzido para apresentação de emendas e debates.
Entre os 13 textos enviados pelo Executivo para a Câmara este ano, três estão em regime de urgência (o que equivale a 23,07% das propostas encaminhadas neste início de ano).
"O que ocorre é uma banalização do Executivo em pedir a urgência. E aí, a gente não consegue fazer modificações necessárias, realizar adiência pública, fazer um debate mais aprofundado nas comissões", afirma o veredor Ricardo Antunes, líder da oposição na Câmara.
Ele cita como exemplo a outorga onerosa, um desdobramento do Plano Diretor que orienta a ocupação da cidade e o financiamento de projetos de regularização fundiária. "Era um texto que precisaria ser mais esclarecido, porque tem trechos obscuros, confusos, e a gente não tem tempo de convidar um secretário para explicar como será o funcionamento, de trazer o setor imobiliário para conversar. É péssimo para a Casa e péssimo para a sociedade", explica.
Quando um texto está em regime de urgência, o prazo para apresentação de emendas antes que ele seja distribuído nas comissões é de apenas cinco dias; contra dez para as matérias normais. Ao chegar na comissão, a proposta urgente precisa receber um parecer em, no máximo seis dias; ao invés de 20 dias na tramitação ordinária. Uma vez que o relator é definido na comissão, ele tem apenas cinco dias para dar um parecer a favor da aprovação ou não da matéria; são dez dias para os projetos normais.
"Quando o prefeito envia um projeto, ele pede que seja concedida a urgência, ele não determina. A Casa é quem coloca em votação no colégio de líderes. Mas geralmente, o governo ganha porque tem ampla maioria. São os líderes dos partidos que decidem. Quando o prefeito pede o regime de urgência, entende-se que, na prática, a matéria vai ter esse regime. Eles aprovam o que quiserem e é a sociedade que perde", se queixa Antunes.
Além do prazo curto para emendas e discussão, o regime de urgência, na prática, retira instrumentos da oposição para atrasar a aprovação de um projeto. De acordo com o regimento da Câmara, a discussão de textos urgentes no plenário da Casa não pode ser adiada para uma próxima sessão. O debate também pode ser encerrado e a proposta colocava para votação depois que apenas quatro vereadores discursem para emitir sua opinião. Também não se pode pedir vistas, nem conceder insterstício (um período de 72 horas entre a primeira a segunda votação para que os vereadores possam reavaliar a proposta).
Para o líder do governo, Samuel Salazar, o regime de urgência não tira a possibilidade de que as matérias sejam debatidas na Casa. "A única coisa que muda é o prazo para apresentação de emendas, que reduz de dez para cinco dias. O DNA da Câmara (no projeto) está mantido, porque os vereadores ainda podem sugerir melhorias. Não existe rolo compressor, a gente sempre tenta dialogar e melhorar os textos", afirma.
Além da urgência, o governo pode recorrer a outro instrumento, que é o pedido de dispensa de prazo. Quando isso acontece, até o prazo para emendas é anulado e só os relatores nas comissões podem propor alterações no texto. Segundo Salazar, mesmo quando o governo pede a dispensa de prazo, isso é feito de forma negociada, como ocorreu com o AME Carnaval, para atender mais rápido os trabalhadores do setor.
A definição sobre ter ou não a urgência, diz o líder do governo, é definido pela secretaria municipal que precisa da lei dentro de um determinado prazo.
Balanço das propostas enviadas pelo ex-prefeito Geraldo Julio (PSB), entre 2013 e 2020, indicam que a urgência pode ser um instrumento mais utilizado no primeiro mandato. Após a reeleição, a partir de 2017, o Executivo reduziu muito o percentual de propostas com a tramitação acelerada; com exceção de 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19.