CaboPrev cobra celeridade nos processos que investigam desvio de R$ 92 milhões da previdência municipal
Direção do CaboPrev afirma que Lula Cabral, caso eleito prefeito, poderá interferir nos processos e imprimir dificuldades internas no avanço dos casos
A direção do Instituto de Previdência Social dos Servidores do Cabo de Santo Agostinho (CaboPrev) está cobrando celeridade nos processos que investigam um desvio milionário ocorrido dentro da entidade na gestão do ex-prefeito Lula Cabral. Em outubro de 2017, a operação Abismo, da Polícia Federal, revelou um esquema que desviou R$ 92 milhões dos cofres do órgão. Na época, Cabral foi preso e afastado da prefeitura.
Segundo o diretor-presidente do instituto, Albérico Rodrigues, a defesa do CaboPrev está atuando como assistente de acusação em três ações movidas contra o grupo acusado de operar os desvios.
Um dos processos é uma ação penal de improbidade administrativa que tramita na 34ª Vara Federal Criminal de Pernambuco. O Ministério Público de Pernambuco solicitou que fosse dado o encerramento da instrução probatória para que, após a finalização das diligências, defesa e acusação sejam intimadas a apresentar suas alegações finais.
Há, também, uma ação civil pública em curso na Vara da Fazenda Pública do Cabo de Santo Agostinho. Esse processo busca o bloqueio de bens e contas dos envolvidos para garantir a recuperação total dos recursos desviados. Até o momento, foram bloqueados 15 bens imóveis por todo o país e R$ 740 mil em contas bancárias.
Paralelamente, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) conduz uma auditoria especial sobre os mesmos desvios. O CaboPrev, porém, diz que o tribunal optou por suspender seu julgamento até o desfecho da ação penal. O relator do caso, conselheiro Eduardo Lyra Porto, reconheceu a independência das esferas penal e administrativa, mas indicou que o resultado da ação criminal poderá impactar o julgamento administrativo. Essa decisão estaria gerando insatisfação entre os servidores.
Atualmente, o município do Cabo de Santo Agostinho tem cerca de 5 mil beneficiários na previdência municipal. Segundo o CaboPrev, o valor de R$ 92 milhões desviado em 2017 estaria corrigido em R$ 165 milhões nos dias atuais, valor que, ainda de acordo com o órgão, poderia garantir a aposentadoria de 685 servidores, levando em consideração o menor valor de aposentadoria.
"Não podemos mais esperar. Sete anos se passaram e nada foi resolvido de forma mais incisiva na Justiça e no Tribunal de Contas. As autoridades públicas representantes do Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas de Pernambuco precisam agir com a devida urgência, porque estamos falando do futuro de famílias que dependem dessas aposentadorias. A inércia e a lentidão é inadmissível e está colocando em risco a dignidade de servidores que confiaram na integridade do sistema previdenciário”, disse o diretor-presidente do CaboPrev, Albérico Rodrigues.
Ele completou dizendo que seu maior desejo é resgatar os R$ 92 milhões que foram desviados para melhorar a frente de atuação da previdência municipal. “Minha maior preocupação é o futuro da instituição diante do cenário político. Se estivesse aplicado, esse valor reajustado elevaria o patrimônio do CaboPrev para R$ 800 milhões”, apontou.
O advogado Jalígson Hirtácides, sócio da HTS Advogados Associados, que atende o CaboPrev, esclarece que tanto o atual administrador quanto a atual gestora dos fundos de investimentos Terra Nova já reconheceram o prejuízo. Ele enfatiza que a única solução viável para recuperar as aposentadorias e ressarcir o erário público é por meio das ações judiciais que estão em tramitação na Justiça Estadual, Federal e no Tribunal de Contas.
“A Justiça vem atendendo [aos pedidos], mas ela é caracterizada pela falta de celeridade. A gente não pode afirmar que está havendo intenção da Justiça em retardar, mas um caso complexo como este deveria, ao meu ver, ser colocado como prioridade, haver um destaque”, apontou o advogado.,
Possível interferência política
A busca por celeridade nos processos está diretamente ligada à eleição municipal deste ano, em que Lula Cabral (Solidariedade) foi o candidato mais votado no Cabo de Santo Agostinho, com 60.103 votos. O ex-prefeito não foi declarado eleito porque é considerado inelegível, devido à rejeição de suas contas pela Câmara Municipal em 2017, quando administrou a cidade.
Após recursos apresentados pela defesa de Lula Cabral, o caso está aguardando julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Caso a instância dê ganho de causa ao ex-prefeito, ele poderá assumir a prefeitura. Caso perca, haverá novas eleições.
Lula Cabral, vale lembrar, é o principal personagem do escândalo do CaboPrev de 2017. O ex-chefe do Executivo é apontado como responsável pelo desvio milionário no fundo previdenciário municipal. Outras 21 pessoas foram presas na operação.
O presidente do CaboPrev acredita que, uma vez eleito para um novo mandato, Lula Cabral agirá para dirimir a agilidade dos processos.
“Mesmo eu sendo eleito pelo conselho, haverá muita pressão política no sentido de esvaziar a perseguição jurídica do resgate dos R$ 92 milhões. Nós processamos o grupo de indiciados, incluindo o candidato inelegível [Lula Cabral], ele é o grande protagonista do desvio, isso é relatório do TCE. Vamos correr risco de ter tudo esvaziado, um desmantelamento. O camarada empossado vai usar de todos os artifícios para desfazer tudo que a gente tem feito”, disse o dirigente.
Albérico Rodrigues é aliado de primeira hora do atual prefeito Keko do Armazém (PP), que ficou em segundo lugar na eleição deste ano e poderia disputar um possível novo pleito como favorito, caso Lula Cabral seja impedido de tomar posse.
“O receio de Albérico tem todo sentido. Lula Cabral não é o único, mas é um dos principais denunciados. Ele foi eleito candidato sub júdice e poderá ter autonomia de interferência no CaboPrev. Ele pode colocar a perder todo esse trabalho, colocando dificuldade nesse sentido”, concordou o advogado Jalígson.
Reeleição de Albérico na mira
O mandato do presidente do CaboPrev, Albérico Rodrigues, também virou alvo do grupo de Lula Cabral. Um projeto de lei enviado pelo prefeito Keko do Armazém à Câmara Municipal do Cabo de Santo Agostinho no último mês de setembro quer que a eleição para a presidência do órgão previdenciário ocorra entre os meses de novembro e dezembro do ano em que ocorrerem as eleições municipais. Ou seja, Albérico poderia ser reeleito ainda neste ano de 2024 para mais quatro anos à frente da entidade, com mandato iniciando em janeiro de 2025.
Embora a eleição do presidente do órgão seja feita por membros do conselho do CaboPrev, aliados de Lula Cabral afirmam que o desejo de Keko do Armazém é trabalhar para manter Albérico no cargo por mais um mandato.
Paulo Farias, ex-secretário de Lula Cabral e eleito vereador do Cabo para a próxima legislatura, afirmou, em vídeo, que pretende brigar pela derrubada da lei, caso ela ainda seja aprovada neste ano.
"Espero que a atual Câmara do Cabo tenha senstez de não atender a esse capricho de Keko. Esse projeto maroto precisa ser reprovado. É preciso alternância de poder também no CaboPrev. Iisso nao vai impedir de a gente revogar essa lei no futuro, se caso ela seja aprovada, e depois fazer com que os braços fortes da lei alcancem você e o senhor Jose Albérico", bradou em vídeo.
O que dizem o TCE, a Justiça, Lula Cabral e Keko
Em nota, Lula Cabral afirmou que acompanha com tranquilidade o andamento do processo envolvendo o Caboprev. "Ninguém mais do que o próprio Lula cabral deseja a conclusão do processo, da forma mais rápida possível, para que a verdade seja restabelecida. Infelizmente o tema em questão segue sendo usado pelos adversários políticos de Lula numa absurda e criminosa campanha de fake news", disse a assessoria do deputado estadual.
Em nota enviada ao JC, o TCE-PE informou que o processo de auditoria encontra-se desde o dia 13 de março de 2024 em "sobrestado", ou seja, aguardando a conclusão de uma ação penal proposta pelo Ministério Público Federal e que tramita na Justiça Federal.
"Isso ocorre porque, apesar de os julgamentos dos processos serem independentes, o resultado do processo na Justiça Federal poderá influenciar no julgamento da auditoria especial no Tribunal de Contas. O processo no TCE-PE, sob a relatoria do conselheiro Eduardo Porto, já finalizou a etapa de fiscalização e após o julgamento na Justiça Federal, será analisado pelo Tribunal de Contas", afirmou o TCE-PE.
A reportagem também procurou o Tribunal de Justiça de Pernambuco para comentar a acusação de Albérico sobre uma suposta lentidão no andamento da ação civil em curso na Vara da Fazenda Pública do Cabo de Santo Agostinho, também relacionada ao escândalo do CaboPrev, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria.
Em relação à denúncia do grupo de Lula Cabral sobre a "perpetuação" de Albérico na presidência do CaboPrev, o vice-prefeito do Cabo, Professor Arimatéia, afirmou que, atualmente, o presidente do órgão não tem prazo definido de mandato, nem limite para reeleição, e que o projeto de lei apresentado pelo Executivo busca disciplinar esses prazos.
"A gente hoje não tem um tempo de mandato definido para a entidade. O presidente é escolhido pelo conselho de administração e nomeado pelo chefe do Executivo, portanto não é ele quem manda. Não temos na legislação um período definido, e isso fica muito vago. Pelo contrário do que dizem, hoje é muito mais fácil perpetuar alguém no cargo, e o que estamos propondo é disciplinar esse período, colocando mandato de quatro anos e permitindo uma recondução", disse Arimateia ao JC.
"Hoje o CaboPrev é uma instituição consolidada, saudável, com quase meio bilhão de recursos, dado o tratamento que a gente deu no governo, mesmo com o desvio que foi feito pelo ex-gestor. É muita conversa querendo desviar o foco desse debate", completou o vice-prefeito.
Relembre o escândalo do CaboPrev
A operação Abismo foi deflagrada pela PF no dia 19 de outubro de 2018 após uma auditoria especial realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) identificar irregularidades na empresa Terra Nova/Bridge Gestão e Administração de Negócios, que teria recebido R$ 92,5 milhões do CaboPrev.
O valor repassado em forma de investimento pelo Caboprev corresponde à metade dos recursos do fundo previdenciário, o que vai de encontro aos Princípios da Razoabilidade e o da Prudência, que determinam a diversificação dos investimentos.
De acordo com a PF, as investigações da operação tiveram início em março deste ano e apontam que foram transferidos mais de R$ 90 milhões de reais do instituto previdenciário do Cabo, que antes se encontravam investidos em instituições sólidas, para fundos de investimento compostos por ativos “podres”.
Isso significa que não tem lastro e com uma grande probabilidade de inadimplência futura. Este esquema coloca o risco de pagamento da aposentadoria dos servidores do município e há possibilidade de já estarem prejudicados com a ação.
Os suspeitos estão sendo indiciados por lavagem de dinheiro, associação criminosa, crimes financeiros, corrupção ativa e passiva. A pena desses crimes ultrapassa 30 anos de reclusão.
O então prefeito do Cabo de Santo Agostinho, Lula Cabral, foi preso junto a outras 21 pessoas. Ele ficou três meses preso e reassumiu a prefeitura um ano depois. Durante o período, o então vice-prefeito Keko do Armazém administrou o município.