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Confusão envolvendo Aguinaldo Silva põe em choque debates sobre classe e representatividade

Debates diferentes entram em atrito a partir das falas do escritor sobre Beyoncé

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Cadastrado por

Augusto Tenório

Publicado em 25/08/2021 às 17:41 | Atualizado em 25/08/2021 às 17:56
Análise
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Um debate está borbulhando nas redes sociais após os comentários de Aguinaldo Silva sobre Beyoncé ter se tornado a primeira mulher negra a usar um diamante amarelo da Tiffany. O escritor fez uma crítica ao tom da notícia, usando argumentos de classe. Ele foi rebatido por personalidades negras, que usam argumentos de representatividade.

Dessa forma, misturam-se em uma única discussão dois debates que, apesar de relacionados, não necessariamente conversam entre si de maneira harmoniosa. São dois discursos que visam construir uma crítica às estruturas de poder que definem a organização social ocidental.

Aguinaldo Silva aponta que o uso do diamante por uma bilionária não representa um avanço real às classes trabalhadoras, donas apenas de sua força de trabalho. "Mas para mim, justiça social só quando qualquer mulher, independente da raça, idade, religião ou fama puder usá-lo. Isso acontecerá algum dia?", questionou o escritor em seu Twitter.

Personalidades negras, como os artistas Jéssica Ellen e Rafael Zulu, rebateram a fala de Aguinaldo. "O problema do Brasil não é a Beyoncé ser milionária, é a elite branca se incomodar com nossa autonomia e ascensão social", disse a atriz. O ator completou o questionou sobre a falta de protagonista negros em suas novelas: "O senhor sempre foi do dreamteam dos autores da Rede Globo nos tempos áureos e nada de preto em destaque. Agora me vem nesta altura do campeonato criticá-la por isso? Pra gente, ela é referência e régua de onde queremos e podemos chegar. Não vem colocar a gente contra o nosso povo não. Não caímos mais nessa"

Esses argumentos não estão presentes somente em debates virtuais, mas também no campo da teoria política e social. Por trás da fala de Agnaldo, está o crescente questionamento acerca da existência de bilionários, pessoas com mais dinheiro do que poderiam gastar em toda sua existência.

Para se ter noção do que é um bilhão de dólares: imagine, caro leitor, uma pessoa que possa viver mil anos. Agora pense que, se esse indivíduo trabalhasse recebendo o equivalente a US$ 10 mil em valores atuais, mensalmente, desde o descobrimento do Brasil, em 2021 ela ainda não seria bilionária. Sua "fortuna" seria US$ 62,5 milhões. 

Com o crescimento do número de bilionários, fica evidente a acentuação da desigualdade social. Dessa forma, as conquistas dessa seleta parcela da população não poderiam ser celebradas pelos demais. Mas nem tudo é tão simples, pois não é possível debater a desigualdade de classe sem pensar em como o racismo também exerce a manutenção social.

Essa reflexão passa, justamente, sobre os debates e exigências de maior representatividade, pois conforme cresce o número de pessoas negras (e também representantes de grupos historicamente marginalizados, como indígenas) em locais de poder, desmonta-se a estrutura do racismo.

O alimento para a autoestima individual, ponto de constante atrito e disputas, é ponto essencial para a transformação. É possível discutir se Beyoncé, apesar de ser uma das poucas pessoas que trabalharam para ser bilionária, faz ou não parte da elite "opressora". Mas não parece lógico ignorar sua influência sobre a população negra ou colocá-la, como diz tweet de Aguinaldo, como parte da "elite branca".

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