Os ataques de tubarão registrados em menos de dois meses no mesmo trecho da orla de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, colocaram o Estado na mira do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Nos próximos dias, a Promotoria de Meio Ambiente entrará com ação civil contra a gestão estadual. O objetivo é cobrar das autoridades o reforço na segurança do litoral e a retomada dos estudos nas áreas de risco, como a da Igrejinha de Piedade, que soma 12 ataques desde 1992. Pernambuco já registrou 65 incidentes envolvendo tubarões e banhistas no mesmo período. O mais recente aconteceu domingo, quando José Ernesto Ferreira da Silva, 18 anos, acabou ferido na perna e na genitália. O jovem faleceu nessa segunda-feira (4) no Hospital da Restauração (HR) e entrou para as estatísticas como a 25ª pessoa a perder a vida em um ataque de tubarão em Pernambuco.
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Durante dez anos, uma parceria entre a Secretaria de Defesa Social (SDS) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) garantiu o monitoramento do litoral pernambucano. O barco Sinuelo realizava a captura, marcação e soltura dos animais na costa. Assim, eles eram rastreados em tempo real. Se algum tubarão se aproximasse demais do litoral, poderia ser capturado e, em seguida, solto em áreas afastadas da praia. De 2004 a 2014, mais de 400 animais foram capturados.
“Houve uma redução expressiva no número de incidentes. Conseguimos obter várias informações a partir do projeto, mas o acompanhamento precisa ser contínuo”, defende o engenheiro de pesca Jonas Rodrigues, que participou da pesquisa no Sinuelo. Em abril, Pablo Diego Inácio de Melo, 34, também foi vítima de ataque nas imediações da igreja de Piedade. “Não tínhamos incidentes há anos. Agora aconteceram dois em um curto espaço de tempo. Será que houve alguma mudança? Só o monitoramento poderia dizer”, argumenta.
O entendimento do especialista é o mesmo do MPPE. “Era um trabalho eficiente, elogiado no mundo inteiro, que acabou interrompido. Não houve a substituição por nenhum projeto. O Estado se retirou do trabalho de prevenção e passou a atuar nas areias, no socorro das vítimas”, pontuou o promotor de Meio Ambiente da capital, Ricardo Coelho. Mas, para ele, nem a atuação em terra firme tem mostrado resultados. “Em 2017, o MPPE fez recomendações tanto ao Estado quanto à Prefeitura do Recife. Algumas foram acatadas, mas a parte mais importante não foi”, lamentou.
Entre as demandas solicitadas pelo MPPE está a atuação do poder público em escolas estaduais, municipais e nas comunidades, para conscientizar a população quanto aos riscos de se banhar em áreas sujeitas a ataques de tubarão. O MPPE também cobra a contratação de Bombeiros Militares; a compra de equipamentos como jet skis, embarcações e componentes eletrônicos; a utilização de bandeiras e boias para sinalizar as áreas de risco; a colocação de telas nos pontos mais críticos e a utilização dos recursos provenientes de compensação ambiental para investimentos na área. “Só em 2017, o Estado recebeu mais de R$ 200 milhões de empresas, mas o dinheiro está sendo usado para outras coisas. Esse recurso deveria servir para cuidar do meio ambiente. Os rios poluídos levam sujeira para o mar e, assim, causam desequilíbrio ambiental”, defende o promotor.
Em nota, a Procuradoria Geral do Estado esclareceu que “não se irá antecipar a supostos argumentos a serem futuramente aduzidos na petição inicial, reservando-se a contrariá-los no momento processual próprio.” Para o presidente do Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), coronel Leodilson Bastos, o problema não está na atuação do Estado. “Temos sinalização explicativa e bombeiros trabalhando. Precisamos da ajuda da população, que ela siga as recomendações dos guarda-vidas”, salienta. Apesar disso, o órgão pedirá ao comando dos Bombeiros um incremento nas ações de fiscalização. “Também vamos fazer contato com as associações dos comerciantes que trabalham nas áreas de risco para reforçar os avisos”, adiantou. O assunto deve estar na pauta de uma reunião marcada para a manhã de hoje.
Sobre as pesquisas, o presidente descarta a possibilidade da volta do Sinuelo. “Foi uma iniciativa importante, porque nos permitiu conhecer mais sobre as espécies de tubarão, mas teve início e fim.” Um edital para novos projetos deverá ser lançado ainda neste semestre. De acordo com o coronel, o Estado tem mais de R$ 500 mil em recursos para os novos projetos aprovados.
RECIFE
No Recife, a proposta do MPPE é habilitar a Guarda Municipal para atuar como salva-vidas, em apoio ao Corpo de Bombeiros. Em nota, a Secretaria de Segurança Urbana esclareceu que a missão da guarda é resguardar o patrimônio e os equipamentos públicos municipais e fazer o ordenamento do trânsito da cidade. “A recomendação do MPPE foi devidamente respondida em agosto do ano passado com estes esclarecimentos”, diz o comunicado.
TELAS
Citada entre as recomendações do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) que não teriam sido atendidas pelo Estado, a colocação de redes de proteção contra tubarões divide opiniões entre especialistas. A estratégia é utilizada em outros locais do mundo, a exemplo de países como Austrália e África do Sul. A principal preocupação de quem trabalha na área é com o impacto ambiental que a intervenção no oceano causaria.
“Em várias regiões onde se optou pelo uso da tela para evitar os incidentes, a estratégia já está sendo repensada. Isso porque existem vários problemas. Por exemplo: os tubarões às vezes conseguem passar e acabam presos, não saem depois. Em alguns locais, a utilização das telas acabou provocando o aumento do número de incidentes. Isso se explica porque pode haver aprisionamento de peixes e, assim, a atração do animal. Para mim, parece uma solução pouco viável, sem garantias de que o problema seja resolvido”, argumenta o engenheiro de pesca e pesquisador Jonas Rodrigues.
Além disso, o litoral pernambucano seria geograficamente desfavorável à implantação de um sistema como esse. “Nos locais onde a tela é utilizada, a configuração é diferente. Tratam-se de baías, que possibilitam a cobertura do espaço. Aqui não seria possível cobrir o litoral inteiro”, explica o especialista. Para ele, a melhor solução seria o monitoramento, a exemplo do que a embarcação Sinuelo fez de 2004 a 2014.
O também engenheiro de pesca Bruno Pantoja, presidente do Instituto Propesca, é defensor da utilização de uma rede de aço a ser instalada em oito dos pontos mais propensos a ataques no litoral pernambucano. “Não atrapalha a dinâmica marinha, não vai capturar animal algum ou interferir nas correntes. É somente uma barreira física para impedir que outras pessoas não sejam vítimas de ataque de tubarão”, defende. O custo de implantação, segundo ele, seria de R$ 1,2 milhão para cada trecho, com um ano de manutenção.
É justamente o preço e a novidade do material utilizado – aço, ao invés de nylon – que pesam contra o projeto. De acordo com o promotor de Meio Ambiente do Recife, Ricardo Coelho, um estudo realizado pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit) a pedido do MPPE concluiu que o projeto é inviável. “A análise concluiu que existem outras alternativas mais baratas e eficazes, como nylon. Essa proposta é cara e sem nenhuma outra experiência no mundo”, explicou.