Pergunte a adolescentes de escolas públicas o que eles querem aprender e rapidamente haverá respostas diversas: artes marciais, dança, música, teatro. São muitas as vontades dos estudantes. Mas na maioria das vezes os colégios não vão além do currículo regular, com aulas de matemática, português e demais disciplinas tradicionais. Também pouco se questiona os estudantes sobre seus desejos. Um site criado por quatro jornalistas pode ajudar a mudar essa realidade.
A ideia do Quero na escola (www.queronaescola.com.br) é simples: os alunos apontam, na plataforma online, o que interessa a eles aprender. Voluntários que acessam a página virtual e podem ensinar o que os jovens pediram se cadastram informando a disponibilidade. O portal faz a ponte entre a escola e o colaborador e agenda a atividade, seja para apenas um adolescente, um pequeno grupo, uma turma ou para toda a unidade de ensino. O nome do estudante não aparece.
“Queremos conectar as pessoas à educação: valorizar a escola com a participação da comunidade, aproveitar o que a sociedade sabe e pode compartilhar e atender aos interesses dos alunos que vão além do currículo obrigatório”, afirma Cinthia Rodrigues, uma das idealizadoras da iniciativa. Com ela estão as também jornalistas Luísa Pécora, Luciana Alvarez e Tatiana Klix.
“A grade curricular da escola não pode atender a todos os seus interesses, mas o mundo pode”, é a frase de abertura do site. Até agora estão cadastrados pedidos de estudantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina. Com a divulgação do site, existente há apenas três meses, a expectativa é de que mais alunos do restante do País acessem e registrem seus desejos.
Já são pelo menos 70 estudantes cadastrados, além de 30 voluntários. Entre os pedidos houve o de uma estudante de 16 anos de uma escola da Zona Sul de São Paulo, que quis uma palestra sobre machismo. Outro jovem, de 18 anos, aluno de um colégio da Zona Oeste paulista, pediu para aprender cerâmica. Há solicitações de aulas de mágica, fotografia e surf, entre outras. Até agora mais de 300 alunos foram beneficiados pelo site.
O Quero na Escola nasceu a partir da inquietação de Cinthia, que tem filhos pequenos matriculados num centro de educação infantil municipal de São Paulo. “Sempre fui muito a favor da escola pública e queria que a sociedade contribuísse mais com ela. Percebia que a escola acha que a sociedade não se importa, mas na verdade faltam mecanismos de atuação e apoio”, explica.
“Comecei tentando entender como poderia ajudar o professor e observei que uma possibilidade era tornando o aluno mais interessado em aprender porque os docentes reclamam muito dos estudantes ‘desinteressados’. Ao conversar com esse jovens, eu e o restante da equipe vimos que eles têm sim muita vontade de aprender, só que não necessariamente o currículo obrigatório. A falta de voz os leva a uma posição que parece de desinteresse”, observa Cinthia.
O projeto foi um dos seis finalistas do Social Good Brasil, uma associação sem fins lucrativos que promove o uso das tecnologias, das novas mídias e do pensamento inovador para melhorar o mundo.
ENGAJAMENTO
Mais do que os conteúdos das oficinas, ressalta Cinthia, o objetivo é mudar o diagnóstico dos professores e gestores de que a sociedade não está interessada em ajudar. “Contribuições são bem-vindas. Fazemos o que é possível, mas não temos pessoal habilitado para oferecer muito além do que pede o currículo. Há apenas um voluntário, filho de uma professora, que dá aulas de futebol de salão”, conta Djalma Ferreira, diretor da Escola de Referência em Ensino Médio Oliveira Lima, localizada na Boa Vista, área central do Recife.
Lá os jovens estudam todas as manhãs e ficam mais três dias também à tarde. “Tem vezes que é chato pois as aulas cansam. Quando aparece alguma novidade rapidamente a gente se interessa. É o caso de aulas de robótica que um professor de física está nos dando”, afirma Vitória Muniz, 15 anos, aluna do 1º ano.
Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves defende a necessidade de os colégios acompanharem as inovações. “Os estudantes hoje querem uma escola que dialogue com seu mundo. É preciso oferecer aulas que potencializem a criatividade deles”, destaca Mozart.
“Não dá para estimular só o lado cognitivo. As competências do século 21 exigem que os jovens desenvolvam habilidades socioeconômicas que os preparem para torná-los profissionais resilientes e com capacidade de trabalhar em equipe”, complementa Mozart.