Bengalas e cães-guia podem estar com os dias contados para deficientes visuais, que representam 3,6% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Óculos tridimensionais, desenvolvidos por três alunos do curso técnico de eletrônica do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), têm chance de substituir esses instrumentos que auxiliam os cegos quando precisam se locomover. A boa notícia é que, além de inovador, o protótipo não custa caro – os jovens calculam que para montá-lo são necessários entre R$ 50 e R$ 100. E os “inventores” não pretendem patentear a ideia. Vão deixá-la aberta para quem quiser copiar, melhorá-la e até fabricar o equipamento.
O projeto para desenvolver os óculos começou dois anos atrás. A ideia surgiu do professor Gilmar Brito. “Tenho amigos com deficiência visual e pensei que o IFPE, como instituição de ensino, deve contribuir com a sociedade. Fiz a proposta aos alunos e eles toparam. O desenvolvimento dos óculos vai ajudar pessoas cegas e também acrescentar profissionalmente para os estudantes”, destaca Gilmar, um dos orientadores. Outros três docentes participaram na orientação: Meuse Nogueira, Aida Ferreira e Ioná Rameh.
Os óculos identificam objetos e obstáculos que estejam com até quatro metros de distância de quem o utiliza (esse intervalo pode variar, conforme a capacidade dos sensores instalados nele). O funcionamento é simples. Numa armação de óculos comum são colocados três sensores ultrassônicos. Cabe a esses radares medirem a distância do objeto ou pessoa.
“É possível calcular a distância do sensor para o objeto através do tempo que demora para essa onda sonora bater nele e voltar. Igual como faz um morcego”, explica Michael Barney, 18 anos, um dos alunos que desenvolveu o protótipo. “Mandamos essa informação para uma central, um controlador que também está acoplado nos óculos. Essa unidade de processamento a remete para um celular, via cabo ou bluetooth”, diz Michel, que está concluindo o técnico em eletrônica e já cursa o primeiro período de engenharia da computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“O celular, então, reproduz um som que é passado para o deficiente, por meio de um fone de ouvido. Quanto mais perto a pessoa estiver do obstáculo, mais alto fica o som. A frequência varia de acordo com a distância”, diz Jonathan Kilner, 19, outro aluno integrante do projeto. Ele também está terminando eletrônica e estuda na mesma turma de Michel. O terceiro estudante que participou do desenvolvimento dos óculos é Saulo Alexandre, que não integra mais a equipe.
Os óculos 3D foram apresentados no início de abril em um evento realizado na Austrália que congregou tecnologia e acessibilidade (Web for all 2017 - The future of accessible work), com a presença de representantes de grandes empresas como Google, Microsoft e IBM. O trabalho do IFPE foi o único do Brasil. “Gostaram muito dos óculos, ouvi elogios. Uma das sugestões que tivemos lá foi incluir um dispositivo que informe ao deficiente, por meio de GPS, como chegar a algum local, como o banheiro, por exemplo”, relata Michel, o único dos três alunos que viajou para Austrália.
SUGESTÕES
Cabe ao funcionário do IFPE e revisor de braile José Carlos Amaral (cego desde a adolescência) ajudar os estudantes com críticas e sugestões. “Ele usa cão-guia e nos disse que gostaria de saber a previsão do tempo antes de sair de casa, pois em dias de chuva não vale a pena levar o cachorro. Inserimos nos óculos esse serviço. Ele aciona um botão, que acessa a internet e informa a previsão do tempo”, diz Michel.
“Uma das coisas que temos dificuldade no nosso dia a dia, com a nossa locomoção, é a questão dos obstáculos aéreos. Porque a bengala identifica até certo ponto com boa eficiência os obstáculos que estão no nível do chão. Os outros, aéreos, muitas vezes passam despercebidos, o que pode causar acidente”, comenta José Carlos. Com os óculos não haverá essa dificuldade. “Acredito que futuramente os óculos vão beneficiar muitas pessoas cegas”, diz.