Um bosque com pés de aroeira, coco, goiaba, pitanga, araçá, fruta-pão, cajá, trapiá, caju, manga e jenipapo é a nova atração do Convento São Francisco, na Cidade Alta de Olinda. O sítio, no oitão do histórico refúgio dos frades, sempre esteve ali. Mas só agora os religiosos resolveram estimular as visitas.
A ideia de abrir o quintal ao público surgiu em agosto último, nas férias dos 14 frades estudantes, moradores do convento. Durante o dia, eles trocaram os livros por pás, enxadas e facões, para fazer uma faxina no bosque. Corta mato aqui, tira mato dali e os jovens se depararam com uma raridade: a bica dos franciscanos, há anos escondida na vegetação.
“É uma das cinco bicas que existiam na Cidade Alta e, no passado, servia para o abastecimento humano. Estamos fazendo pesquisas para tentar resgatar essa história”, conta frei Bruno Santana, um dos estudantes (professo temporário, no termo mais adequado). Os religiosos querem saber a data de construção e o uso dado à fonte, se era privativo dos frades ou coletivo.
A construção de tijolos antigos ainda preserva o nicho, onde, imagina-se, ficava uma representação de São Francisco, e parte dos elementos decorativos. “Vamos providenciar exames químicos, físicos e biológicos para avaliar a qualidade da água, oriunda de uma cacimba por trás da bica. Queremos recuperar o acesso à fonte e a utilidade da água para o convento e a população”, declara frei Bruno.
Possivelmente, a bica remonta ao século 16 e é anterior à chegada dos franciscanos a Olinda, diz frei José Milton de Azevedo Coelho, veterano no convento. Segundo ele, documento de 1575 faz referência à fonte do rossio, no local mais tarde ocupado pelo templo dos religiosos. A área pertencia a Dona Maria da Rosa, benfeitora que havia erguido uma casa e uma capela no terreno e doou aos franciscanos, logo após a chegada dos frades ao Brasil, em 1585, conta frei Milton.
No verão de 1976, para economizar a água do prédio, frei Milton e os demais frades tomavam banho de cuia na fonte, que fica na parte baixa do terreno. “Tinha um banheiro ao lado da bica, usávamos só para o banho, pois não sabíamos se a água era poluída”, recorda. O Convento São Francisco de Olinda é o primeiro da ordem franciscana no Brasil.
Os frades querem integrar as visitas ao patrimônio histórico – a edificação é composta da Igreja de Nossa Senhora das Neves, das capelas de Sant’Ana e de São Roque e do claustro – com passeios pelo bosque. “O sítio é um espaço ecológico, um lugar sossegado para a pessoa sentir o vento e o cheiro da natureza, bem de acordo com a filosofia de São Francisco. Falta mais estrutura”, diz frei Bruno.
Vamos providenciar exames químicos, físicos e biológicos para avaliar a qualidade da água, oriunda de uma cacimba por trás da bica
afirma frei Bruno Santana
Protetor dos animais, São Francisco de Assis viveu no século 13 e é considerado o padroeiro da ecologia na Igreja Católica, título conferido pelo Papa João Paulo II. No bosque há bem-te-vis, sabiás e guriatãs-de-coqueiro, entre outros bichos. Os religiosos abriram uma pequena trilha até a fonte e pretendem ampliar a vereda.
O projeto de recuperação do sítio também prevê o reflorestamento da área com espécies da Mata Atlântica (substituindo invasoras) e o plantio de frutíferas. O pomar ficaria mais próximo do convento, fornecendo frutas aos frades. Por segurança, as pessoas só descem até o bosque acompanhadas de um dos estudantes, usando sapatos fechados e calça comprida.
Não é cobrada taxa para conhecer o monumento, no alto de uma colina da Cidade Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade. Doações são espontâneas e o dinheiro da contribuição dos visitantes é usado na manutenção do prédio – construído no século 16, reconstruído no século 18 e decorado com azulejos portugueses, forros com pinturas sacras, móveis de jacarandá, imagens barrocas – e no projeto de resgate do bosque e da fonte d’água