Eles já fazem parte do cenário. Em meio às cerca de 400 mil pessoas que vão e vêm em seus afazeres diários, arrastam sacos de salgadinho, pipoca e inúmeros produtos pelos trens e estações do metrô. De tão rotineira a presença, muitas vezes passa despercebidos, apesar de buscarem os clientes, literalmente, no grito. O trabalho de ambulante é proibido no metrô, por leis estadual e federal, e volta com força dois meses após a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no Recife anunciar ações conjuntas para coibi-la.
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“É para botar no jornal? Eu vou ser preso?”, questiona o garoto que diz ter 12 anos, enquanto se desloca pela linha Centro, vendendo pipoca, produto mais ofertado. “Não é minha mãe que manda, não, eu que quero ajudar ela. E só estou trabalhando este mês, porque é férias, eu estudo.” Ele é uma das muitas crianças flagradas pelo JC entre os ambulantes em atuação no metrô, que ofertam de tudo: água mineral, bombom, chocolate, capa de celular, alicate.
Com 17 anos, Júlia (nome fictício) diz morar com a tia e precisar de dinheiro para as despesas, por isso vende pipoca. “Estudo o 1º ano do ensino médio e quero fazer contabilidade”, conta. “Fico na estação Recife das 9h às 17h e à noite vou para a escola. O fluxo é bom. Mas tem hora que a fiscalização vem em cima. Na semana passada apanhei de cinco”, diz, mostrando arranhões nos braços. Enquanto dá entrevista, dois seguranças se aproximam e fazem sinal para ela sair. Ela se afasta um pouco.
Mas por que se arriscar numa luta diária, vendendo mercadoria em local proibido? Júlia explica em números. Apesar da concorrência e do baixo valor do produto (R$ 0,50), ela comercializa, em média, 500 sacos de pipoca por dia, ganha em torno de R$ 130, já que compra cada pacote por R$ 0,24. São R$ 780 na semana. No mês, R$ 3,1 mil. Renda maior que a de muito trabalhador de carteira assinada.
Vários usuários do metrô apoiam a atividade, por questão social, ainda mais em tempos de crise. “A cidade não dá oportunidade de emprego, é o meio que encontram para trabalhar”, defende o estudante Alexandre Fernandes, 21. Outros reclamam da desordem. “Eu acho que não cabe esse tipo de serviço no metrô. As pessoas fazem muita sujeira, jogam no chão”, contesta a dona de casa Marineide Ferreira, 63, apontando para o lixo entre os trilhos. Nos vagões também é possível ver embalagens ao chão.
Em maio, a CBTU firmou parceria com a Prefeitura do Recife, Polícia Militar e Grande Recife Consórcio de Transportes para intensificar a fiscalização, com seus seguranças, e coibir o comércio informal nas composições. “Apreendemos um caminhão e meio de mercadorias, mas passamos a fazer ações esporádicas e a situação piorou. Vamos reforçar nos próximos dias”, declara o assessor de comunicação da CBTU-Recife, Salvino Gomes. O órgão não tem números de apreensões ou de ambulantes.
Conforme a CBTU, a maioria dos comerciantes entra pelo sistema de integração e esconde os produtos em mochilas. “Sobre a agressão, o que ocorre na maioria das vezes é o contrário: os ambulantes, contrariando a lei, insistem em vender em local proibido e agridem os seguranças”, diz a assessoria em nota, salientando que a força coercitiva é necessária para se defenderem, havendo várias ocorrências de agressão dos ambulantes contra passageiros, funcionários e seguranças.