Há pouco mais de três meses, a paisagem da Praia de Mangue Seco, no distrito de Nova Cruz, em Igarassu (Grande Recife), ganhou novos elementos. Vieram na forma de tapumes, estacas e lonas. Uma área privada com cerca de 28 hectares, praticamente à beira-mar, foi invadida por famílias de sem-teto oriundas, além de Igarassu, de municípios como Paulista e Itamaracá, também na Região Metropolitana. O detalhe é que a o local faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Nova Cruz, instituída em 1986 pelo então governador Gustavo Krause para preservar o entorno dos estuários do Rio Timbó e do Canal de Santa Cruz, entre outros cursos d´água.
De acordo com a lei 9.931 fica vedada, nas áreas de proteção ambiental, o parcelamento da terra para fins urbanos e a ocupação com edificações, além do desmatamento e remoção da cobertura vegetal. Uma rápida circulada pelo local da invasão e percebe-se que a lei está sendo desrespeitada de todas as formas. A maior parte da ocupação está localizada no pedaço que fica em frente à Praia do Capitão, em Mangue Seco. Os pequenos trechos relativos a cada moradia são loteados com cercas, mas a maioria dos barracos de lona não tem moradores. Algumas casas de alvenaria já começam a ser construídas na área. Queimadas são frequentes, assim como as gambiarras para a obtenção de energia.
VIOLÊNCIA
O problema não é apenas ambiental. Quem fala é a população da localidade: o ocupação mudou também a rotina de Nova Cruz, e da pior forma. Os relatos de assaltos são frequentes entre moradores e comerciantes. “A gente quase não tinha roubo por aqui. Agora é a todo instante. A coincidência é muito grande”, reclama a garçonete Adriana Maria da Conceição, que há 20 anos mora em Nova Cruz.
Alguns pequenos comerciantes da praia têm medo de falar com a reportagem. “Faz de conta que eu não estou falando com vocês. Já me assaltaram cinco vezes e tocaram fogo no meu quiosque. É esse pessoal daí”, diz, apontando para a invasão, uma senhora que tem um bar na faixa de areia.
Entre os relatos mais intrigantes estão os de violência sexual. “Já cheguei a dar roupa para uma mulher que foi violentada e deixada, nua, na entrada da invasão”, comenta uma comerciante de Mangue Seco. “Estupro era coisa de que a gente nunca tinha tomado conhecimento aqui. Eu já soube de pelo menos três casos nos últimos meses, sempre nas redondezas da ocupação”, reclama o também comerciante Fernando dos Santos.
Os moradores dizem ter provas de que o terreno é ocioso e alegam ter respaldo jurídico para a invasão, que batizaram de Ramalho II, numa referência a um sítio das proximidades, chamado Ramalho. Sem se identificarem, dizem apenas que nem a prefeitura de Igarassu, nem hotel proprietário do terreno não sinalizaram com uma resolução para o destino das cerca de 1,2 mil famílias – estimativas dos ocupantes – que vivem no local. “Queremos moradia digna, só isso”, disse um deles, que se identificou apenas como Jean.
Segundo o advogado Charles Roger, que representa o hotel proprietário do terreno, já existe uma ordem de reintegração de posse expedida pela Justiça, mas ainda há definição sobre como será feita a desocupação da área. “Já solicitamos à Prefeitura de Igarassu para que notifique as construções de alvenaria, bem como à Celpe para que não realize qualquer expansão na rede elétrica da área”, diz.
O secretário municipal de meio ambiente, Roberto Siqueira, explica que não houve danos significativos à vegetação de Mata Atlântica, mas que a permanência da ocupação acarretará em danos ambientais para toda a área. “Estamos atentos à questão, mesmo se tratando de uma área privada. Não se pode permitir a ocupação urbana desordenada”, explica.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) informa que está acompanhando o caso. Para poder tomar providências, o órgão solicitou à prefeitura um documento em que a o local da invasão conste como parte da APA de Nova Cruz. Com relação à reintegração de posse, o MPPE explicou que já tomou conhecimento da decisão da Justiça pela desocupação, e que vai acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.