Seis meses após concluir o relatório em que alerta autoridades do Estado do Amazonas para os riscos de motim no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, emitiu um documento semelhante, só que se referindo ao Complexo Prisional do Curado, no bairro do Sancho, Zona Oeste do Recife. Entre as recomendações feitas ao governo do Estado estão a redução da superpopulação carcerária e a contratação de agentes penitenciários, como forma de controlar o que a entidade chama de “frágil equilíbrio do Complexo, imposto pelos presos, corroborado pelo Estado”.
O relatório sobre o Compaj de Manaus – onde no último domingo uma violenta rebelião deixou 65 detentos mortos, chocou o País e repercutiu no mundo – é de janeiro de 2016. Em julho, o MNPCT divulgou, em seu site, o documento resultante de uma visita realizada ao presídio recifense no dia 2 de junho do mesmo ano. “As unidades do Complexo do Curado apresentam um forte quadro de superlotação, ao passo que há um número reduzido de funcionários nos locais, especialmente de agentes penitenciários”, diz o texto. Nas três unidades, 6.460 detentos abarrotam um espaço onde deveria haver 1.819. São 3,5 vezes a capacidade do local.
CONTRATAÇÕES
Ainda segundo o relatório do MNPCT, existem 30 presos para cada agente penitenciário no Complexo, o que afrontaria uma diretriz do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, segundo a qual o número ideal é de cinco detentos para cada servidor. “Os agentes penitenciários ficam restritos às entradas e às seções administrativas das unidades”, diz outra parte do texto. Eles não entrariam, segundo o relatório, devido ao “forte tensionamento no local e por estar em menor número em relação ao grande contingente de presos”.
Antes o problema fosse apenas a superioridade numérica dos detentos. Dois agentes penitenciários ouvidos em reserva pela reportagem afirmam que a categoria está cada vez mais desprotegida devido ao fluxo constante de armas de fogo para dentro da unidade. “Ter um revólver lá dentro já é banal. Tem preso que anda com duas pistolas na cintura para se fazer respeitado”, conta um deles. Apenas em 2016, 40 armas foram apreendidas no Complexo do Curado.
A incapacidade do Estado para impor ordem à unidade tem um reflexo óbvio: a autogestão, baseada na lei do mais forte, dos próprios presos. “Ironicamente, eles se sentem mais à vontade para delinquir do que se estivessem nas ruas. De uma certa forma, lá dentro estão mais protegidos”, conta um dos agentes penitenciários.
Superlotação, ausência do Estado, poder imposto pelos criminosos, tráfico de armas e drogas. Os ingredientes para uma tragédia como a de Manaus cozinham há anos no caldeirão do Complexo do Curado. Seria possível acontecer algo do tipo em Pernambuco? “Enquanto esse esquema de autogestão for lucrativo para os grandes traficantes presos, tudo fica como está”, diz outro agente, para depois completar com uma frase enigmática: “O sistema prisional engole um elefante por dia, mas pode vir a se engasgar com um mosquito”.
Se é possível citar um alento dentro do caótico cenário das unidades penitenciárias, as grandes facções criminosas, tidas como responsáveis pela matança amazonense, por sua vez, ainda não têm capilaridade no Estado. “Ainda é uma situação confortável nesse sentido. Um e outro detento se diz integrante desses grupos, mas não há o nível de organização de outros lugares”, comenta o juiz Luiz Rocha, que durante quatro anos esteve à frente da 1ª Vara de Execuções Penais do Estado. “O real problema é a ausência do Estado nas unidades prisionais”, completa.
O promotor da 19ª Vara de Execuções Penais, Marcellus Ugiette, comunga da tese. “Tragédias como a de Manaus se devem à ineficiência do Estado para gerir os presídios. Não há como evitar fatos como esse, lá ou em qualquer outro lugar, sem uma presença forte, dentro da lei, do poder público”.
O secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, garantiu que a superlotação no Complexo do Curado e em outras unidades do sistema prisional será minimizada este ano. “Em agosto, já inauguraremos mil novas vagas dentro do Complexo de Itaquitinga (na Zona da Mata Norte). Recebemos R$ 44 milhões do governo federal para a construção de uma nova unidade – ainda em lugar não definido – e para a modernização dos equipamentos do sistema penitenciário”.
Sobre os riscos representados pelas grandes facções criminosas do Sul-Sudeste nos presídios de Pernambuco, Eurico minimiza. “É uma coisa residual. Mas mesmo assim, todo nosso setor de inteligência está atento às movimentações desses grupos”.