VIOLÊNCIA

Esquecida pelo poder público, Entra Apulso tenta resistir ao tráfico

Ausência de políticas pública estimula crescimento de atividade criminosa

JC Online
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Publicado em 23/09/2017 às 19:27
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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Em termos estruturais, a comunidade de Entra Apulso, no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, é um oásis às avessas. O contraste entre o cinturão de grandes edifícios e estabelecimentos de classe média, no entorno, e as pequenas casas da localidade, no centro, é um dos mais emblemáticos exemplos de desigualdade que se pode citar na capital.

A convivência entre mundos tão diferentes é, via de regra, harmoniosa. Mas, vez por outra, sofre abalos. São episódios em que o histórico de anos de esquecimento da comunidade por parte do poder público volta na forma de crimes bárbaros, como aquele em que traficantes queimaram um veículo com duas pessoas dentro. A afronta aconteceu há exatamente uma semana, na noite do domingo, 17 de setembro, por volta das 18h30, ao lado da saída de um dos maiores shopping centers da cidade.

 

Mas essa é apenas a ponta do iceberg. Entra Apulso está mergulhada em águas bem mais profundas, em que o cotidiano de negligência das autoridades em termos de urbanismo, educação, segurança, saúde e lazer impede que a longa distância para o mundo “urbanizado” seja diminuída. Por falta de tentáculos do poder público, a localidade é atualmente o epicentro de uma disputa por pontos de venda de drogas – mais precisamente crack – na Zona Sul. Grupos que atuam no local vivem às turras com rivais das comunidades da Ilha do Destino, também em Boa Viagem, e Irmã Dorothy, no bairro da Imbiribeira, igualmente na Zona Sul.

LUCRO

“Ali funciona a boca de crack mais rentável de toda área sul, por isso essa disputa”, comenta, em reserva, um policial militar que atua nas redondezas. Apenas nos pouco mais de dois meses entre julho e o início de setembro, a PM apreendeu 1,3 quilo de crack (o “tijolo” de onde se tiram as porções menores) e 652 pedras. Isso apenas na área de Boa Viagem. Dois dias após os assassinatos na entrada da Entra Apulso, militares apreenderam, em uma casa da localidade, uma metralhadora calibre 9 milímetros, uma granada, duas pistolas e 3,9 quilos de maconha.

Não é necessário recorrer a tratados na área de sociologia para entender que o tráfico ocupa um vácuo deixado pelo poder público. Em Entra Apulso, o Estado é um fantasma. Os três únicos equipamentos são duas escolas – uma estadual, outra municipal – e um posto de saúde da família. Nada mais. A unidade de ensino do Estado, a escola Inalda Spinelli, não poderia passar mais longe das propagandas do governo, em que a rede pública é uma das melhores do Brasil: as vidraças são quebradas e o entorno é sujo. “Muitos pais não querem que os filhos estudem aí, mas fica difícil colocá-los em outras unidades”, comenta Jaíza Metódio, que trabalha na creche comunitária do local.

Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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Ao lado da escola, a única quadra esportiva da comunidade está desativada desde o início do ano. No mesmo local, um terreno onde deveria ter sido construída uma escola municipal – pleito antigo dos moradores – é apenas um amontoado de areia. Planejamento urbano também é uma lenda na área. As primeiras pessoas começaram a se mudar para Entra Apulso no final dos anos 1970. De lá para cá, a comunidade cresceu para cima, com casas que já alcançam três pavimentos, entre ruelas estreitas e sem qualquer rede de saneamento. Hoje, estima-se que 10 mil vivam espremidas em duas mil residências em uma área de oito hectares.

Entra Apulso tem um dos comércios mais vibrantes da Zona Sul. A comunidade é uma espécie de meca dos salões de beleza, de pequenas lanchonetes e da venda de acessórios para telefones celulares. Segundo levantamento do Instituto Shopping Recife, que atua em várias frentes no local, são cerca de 380 pontos comerciais cadastrados. E episódios como o do último domingo representam um duro golpe na vida dessas pessoas. “Desde aquele crime, o movimento aqui caiu pela metade. As pessoas ficam com medo de virem”, lamenta a cabeleireira Cristiane Oliveira, que há sete anos tem um salão na Rua Visconde de Jequitinhonha.

Na última quinta-feira, moradores de Entra Apulso iniciaram um movimento para desestigmatizar a localidade. Crianças e adultos saíram às ruas pedindo paz. “Isso aqui é um lugar maravilhoso, de gente honesta e trabalhadora, que mesmo esquecida pelos governos ainda consegue ter um histórico de paz e mobilização”, comenta Jaíza Metódio. Recado mais claro para as pessoas que esqueceram Entra Apulso, impossível

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