Investigação

Mortes no metrô: ainda em busca dos culpados

Por enquanto, a morte de dois PMs e o ferimento de outros dois na linha do metrô do Recife está sendo vista como fatalidade. Ninguém assume a responsabilidade

Roberta Soares
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Roberta Soares
Publicado em 17/05/2018 às 8:00
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Uma fatalidade. Por enquanto, é dessa forma que a morte de dois policiais militares e o ferimento de outros dois – um deles gravemente – atropelados por uma das composições do metrô do Recife, no Centro, está sendo vista pelo comando das instituições envolvidas no episódio: a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Polícia Militar de Pernambuco. Já se sabe que os PMs pularam o muro de isolamento para ter acesso à linha férrea, mas o questionamento sobre de quem é a responsabilidade pela tragédia continua sem resposta. De um lado, a CBTU alega que, embora as polícias tenham a prerrogativa de entrar onde querem, o acesso ao sistema, sem prévia autorização, só é possível desrespeitando as regras de segurança. Do outro, uma PM que destaca o cumprimento do dever pelos seus homens ao perseguir traficantes, mas que evitou comentar uma possível ação desastrosa ou, no mínimo, imprudente da polícia.

Seis PMs do Grupamento de Apoio Tático Itinerante (Gati) do 16º Batalhão perseguiam um grupo de traficantes, que segundo informações atua constantemente na área e, no dia do fato, estaria prestes a assassinar um rival. Ao chegar ao Bairro de São José, pelo lado sul da linha do metrô, os PMs teriam sido recebidos à bala e quatro deles iniciado uma perseguição. Os traficantes teriam pulado o muro de isolamento do sistema metroviário e, sem pensar duas vezes, os policiais fizeram o mesmo, na tentativa de prendê-los.

Foto: Guga Matos/JC Imagem
Peritos do Instituto de Criminalística realizaram perícia no local do acidente com o metrô - Foto: Guga Matos/JC Imagem
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Perícia disse que visibilidade era nula no momento do acidente - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Perícia disse que visibilidade era nula no momento do acidente - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Composição número 171 atropelou os policiais - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Composição número 171 atropelou os policiais - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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PMs foram socorridos e levados ao Hospital da Restauração; clima foi de muita tensão - Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Já na área interna da linha, os PMs teriam sido surpreendidos por uma das composições do metrô que trafegava da Estação Joana Bezerra para a Estação Recife. O trem de número 171, que atendia à Linha Sul, colidiu com os policiais, arremessando-os a uma distância de 30 metros. O sargento Enéias Severino Sena, 40 anos, morreu na hora. O cabo Adeildo José Alves, também com 40, deu entrada morto no Hospital da Restauração. O cabo Clésio Vagner Santos, 36, permanecia em estado grave, com traumatismo craniano encefálico, e o soldado Luciano Antônio da Silva, 30, era o único estável, apenas com fratura do braço esquerdo.

“Em primeiro lugar, queremos afirmar que a CBTU está de luto. Lamentamos demais o que aconteceu, principalmente porque a PM é nossa parceira permanente no sistema. Reconhecemos que as polícias têm a prerrogativa de entrar onde querem, na hora e da forma que quiserem, até porque era uma perseguição policial. Por isso não vemos como imprudência. Mas de fato a única forma de entrar na linha do metrô era pulando o muro. Não temos brechas ao longo das duas linhas elétricas (Linha Centro e Sul). Apenas a Linha Diesel (VLT) é aberta”, explicou o gerente operacional da CBTU no Recife, Murilo Barros.

Segundo o gerente, os policiais não fizeram qualquer tipo de solicitação ao metrô antes de acessar a linha férrea. “Como já disse, eles têm autoridade para entrar onde quiseram, mas se tivessem nos pedido, teríamos feito todo o procedimento para garantir a segurança. Avisaríamos ao CCO (Centro de Controle Operacional), que acionaria o maquinista para ele reduzir a velocidade e passar no trecho lentamente”, ponderou Murilo Barros. Ao ser questionado se a fiscalização do sistema não deveria ser mais intensa para evitar invasões, o gerente foi enfático. “Temos 70,5 quilômetros de linha no sistema. É impossível colocar seguranças em toda a extensão”, disse.

A confirmação de que os PMs pularam o muro foi feita pela própria perícia criminal. Segundo o perito Heldo Souza, não havia outra forma de acessar os trilhos e até ele precisou fazer o mesmo para realizar a perícia. “Pelo que apuramos, os PMs viram um dos trens e foram desviar dele, mas não perceberam a outra composição que vinha no sentido contrário e é silenciosa. A colisão foi muito forte e na lateral direita do trem, que sofreu avarias na escada, no pára-choque e no farol. O impacto nos PMs também. O corpo do sargento que faleceu no local tinha um grande ferimento na cabeça”, contou. Segundo o perito, a área era de pouca velocidade e um declive, o que contribuiu para aumentar a velocidade do trem.

A CBTU alega que, embora as polícias tenham a prerrogativa de entrar onde querem, o acesso ao sistema, sem prévia autorização, só é possível desrespeitando as regras de segurança

Segundo a CBTU, o trecho onde aconteceu o acidente é um dos mais perigosos de toda a rede porque é uma área de cruzamento. “Quatro metrôs podem passar ali ao mesmo tempo. Temos trens indo e voltando tanto na Linha Centro como na Linha Sul”, afirmou Murilo Barros, da CBTU. O possível desligamento do farol do trem deve ter acontecido porque é regra operacional exigida sempre que as composições se cruzam ou entram nas estações. Já a possibilidade de os PMs terem recebido uma descarga elétrica foi praticamente descartada porque, segundo o metrô, embora a alimentação do sistema seja por uma rede aérea de três mil volts, só há vazamento de energia quando algum fio é furtado. “E se isso acontecesse o sistema teria parado”, explicou Murilo Barros. A Polícia Militar se pronunciou apenas por nota, na qual define o episódio como um lamentável acidente e destaca que os militares morreram no estrito cumprimento do dever, em defesa da sociedade pernambucana.

ACESSO FÁCIL PARA QUEM PULA MURO

Invadir as duas linhas elétricas do metrô do Recife – as Linhas Centro e Sul – é relativamente fácil. Mas desde que a pessoa esteja disposta a pular o muro, que em alguns trechos chega a dois metros de altura e cerca todo o sistema que liga o Centro da capital aos municípios de Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes. Por cortar a periferia da Região Metropolitana do Recife e ter diversas áreas onde moradias foram construídas literalmente coladas à rede, em vários pontos é possível encontrar verdadeiras escadas improvisadas para facilitar a passagem.

Nas imediações do local do acidente com os policiais militares, entre as Estações Joana Bezerra e Recife, no bairro de São José, por exemplo, o acesso é extremamente fácil do lado norte da linha, onde fica a comunidade conhecida como Papelão. Vale ressaltar que os PMs entraram na linha pelo lado sul, que embora não tenha buracos, também têm pontos que servem de trampolim para o acesso à linha. Como a maioria dos moradores atua como recicladores na Comunidade do Papelão, o muro do metrô foi transformado numa espécie de amparo para a estocagem de papelões coletados. Foi por lá, inclusive, que a polícia entrou para prestar socorro aos PMs feridos e realizar a perícia do local do acidente.

“Entrar é fácil, mas para quem quer pular o muro. Há alguns anos o sistema tinha algumas brechas, mas todas foram fechadas. Pelo menos nesse trecho entre o Centro e até depois da Estação Joana Bezerra está tudo isolado. Agora, a malandragem sabe entrar e sair. Já tem até os pontos certos para pular”, relata Roberto Carlos da Silva, um morador da comunidade. Reciclador como a maioria dos moradores, ele é um dos que usa o muro do metrô para estocar os papelões coletados. “Por isso tive a preocupação de colocar um arame farpado na área onde está meu material, exatamente para evitar que o pessoal, principalmente as crianças, usem como escada”, conta.

Murilo Barros, gerente operacional da CBTU, garantiu que o muro que isola as Linhas Centro e Sul está totalmente fechado atualmente. “Estamos com uma empresa terceirizada contratada para fechar todo o muro de vedação, isolando qualquer tipo de passagem, por menor que seja. Não temos nenhum buraco ou muro derrubado. Agora, o muro está ali para dizer que aquela área é restrita da CBTU, é privada e é proibido invadir”, afirma.

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