Uma proposta de Redução da Mortalidade Materna conseguiu diminuir em 54,23% o número de óbitos de mães, durante a gravidez ou até 42 dias após o parto, no Hospital Agamenon Magalhães (HAM), na Zona Norte do Recife. Superando a meta inicial que era de redução de 30%, o projeto é piloto e pode, futuramente, servir de modelo para outras unidades de saúde. Atualmente, o HAM está há 89 dias sem óbitos maternos.
O índice leva em consideração as mortes de maio de 2016 a abril de 2017 e de maio de 2017 a maio deste ano. Nestes dois períodos, foram registradas 11 e 6 mortes, respectivamente, na unidade. A redução foi possível a partir de uma parceria com a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e a empresa farmacêutica MSD.
O projeto não atuou com investimentos ou melhorias físicas, mas com a capacitação e humanização dos multiprofissionais que atuam na assistência obstétrica e neonatal. “Isso foi possível em um projeto grande que uniu todo o redesenho do processo assistencial no serviço, a revisão de protocolos, a capacitação de profissionais e também um olhar para a rede com a capacitação de Pernambuco todo, incluindo os vários municípios que encaminham mulheres para o nosso hospital”, comenta a diretora do HAM, Cláudia Miranda. Para ela, a preparação das equipes que atuam nos municípios é de extrema importância para a detecção de anormalidades e o encaminhamento imediato das gestantes para os centros de referência.
Desde o início de 2017, mais de 250 profissionais do HAM e de outras unidades puderam passar por qualificações. De acordo com Cláudia Garcia, Diretora Executiva da Prática Assistencial, Qualidade, Segurança e Meio Ambiente do Albert Einstein, essas capacitações clínicas, que foram realizadas em São Paulo, são importantes para os resultados no dia a dia. “É esse tipo de treinamento que a gente, por meio de experiências práticas, expõe os médicos e a enfermagem (à situações) para que eles tenham uma coordenação correta, no tempo certo, seguindo um protocolo e um algoritmo que leve ao sucesso do procedimento”, explica.
Entram nas estatísticas os óbitos com causa relacionada ou agravada pela gestação ou pelo acompanhamento feito nas unidades hospitalares. As principais causas da mortalidade durante a gravidez e no período pós-parto são hemorragias, infecções, quadros de hipertensão, tromboembolismo venoso e abortamento. Ainda segundo Miranda, os partos cesariana também são um agravante para a mortalidade.
Segundo Guilherme Leser, diretor de relações governamentais da MSD Brasil, projetos como este são importantes para toda a sociedade e devem servir de exemplo. “Para nossa surpresa, conseguimos mais de 54% de redução na mortalidade. Vamos conseguir dar continuidade ao projeto e assim dar a possibilidade de, quem sabe, replicar esse modelo em outras instituições. Essa é uma possibilidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas e a qualidade da saúde no país”, pontua.
Em Pernambuco, segundo a Secretaria de Saúde, foram registrados 60 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos em 2015 e 58,1 em 2016. No HAM, o intervalo médio entre os óbitos passou de 17,6 dias para 40,2. Desde o início do projeto já foram realizados 3.783 partos na unidade.
Negligência
A dona de casa Cremilda Barbosa de Souza, 37 anos, não teve as melhores experiências em hospitais durante suas gestações e chega a ser considerada uma sobrevivente dos serviços de saúde das redes pública e privada. Após ter passado por apuros dando à luz a sua segunda filha em casa, a ex-agente socioeducativa achou que sua terceira gravidez seria tranquila por estar fazendo todo o acompanhamento em hospitais particulares. Apesar do alto preço pago no plano de saúde, faltaram profissionais capacitados e humanizados no momento mais importante: o parto.
Sua terceira filha, Kiara Daiane Barbosa Amorim, hoje com cinco anos, nasceu em uma sala de triagem durante a madrugada enquanto, segundo a dona de casa, os médicos descansavam. No dia que a pequena nasceu, Cremilda chegou no hospital por volta das 20h. Lá, contrariando os médicos, disse que não queria fazer cesárea e que queria um parto mais humanizado. “Eu queria o mais natural possível e os médicos não gostaram. Fizeram de tudo para me convencer. Eles disseram que iam me deixar lá [na sala de triagem] e que sabiam que eu ia terminar desistindo do parto normal pelas dores”, explica. Perto das 2h da madrugada, ela entrou em trabalho de parto. “Eu só gritei para o meu marido chamar minha mães e os médicos que estavam descansando. Quando minha mãe chegou, pedi que segurasse a criança, que na mesma hora nasceu”, relata a dona de casa. Por ter nascido em local desapropriado, a bebê contraiu uma infecção nos olhos que demorou meses para ser curada.
Além da pequena, a dona de casa tem outros três filhos, Edna Daiane Barbosa, 20 anos, Stacy Daiane Barbosa, 7 anos, e Angelo Souza, de um ano. Todas as gestações, exceto a de Kiara, foram monitoradas em hospitais públicos. Quando estava grávida de seu caçula, o pré-natal na rede pública foi interrompido por causa de uma simples mudança de endereço. “Eu precisei me mudar e o pessoal do posto não quis mais fazer meu acompanhamento. Fiquei um tempo sem ter como fazer e só depois, quando já estava com sete meses, me mudei novamente e pude terminar o acompanhamento”, lembra.
Para o nascimento de Angelo, a ex-agente socioeducativa decidiu recorrer à ONG Cais do Parto, que há 27 anos auxilia mulheres grávidas durante o pré-natal e o pós-parto em Recife e Região Metropolitana. “Dessa vez, deu tudo certo. Também aconteceu em casa, mas com o auxílio delas. Tive uma doula, que não estava na hora, mas chegou em seguida e nos ajudou”, lembra.
Felizmente, Cremilda não teve complicações em seus partos não acompanhados, mas a dona de casa tem consciência que o final poderia ter sido diferente. Pensando em evitar casos como este, o Ministério da Saúde tem implementado estratégias para diminuir os riscos de óbito materno e promover a humanização no momento do parto. O objetivo do órgão é reduzir pela metade o índice de mortes nestas circunstâncias no Brasil.
O indicador da Razão de Mortalidade Materna (RMM), utilizado pelo Ministério, calcula os óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2015, no país, o índice foi de 62 e 64,4 em 2016. Entre 1990 e 2015, o Brasil conseguiu reduzir em 57% a taxa de mortalidade materna e pretende, até 2030, baixar 30. Segundo o órgão, os anos de 2017 e 2018 ainda não tiveram os dados publicados.