Um vasto e rico acervo de fotos, documentos, discursos e correspondências do arcebispo emérito de Olinda e Recife, dom Helder Camara, em breve estará disponível para quem quiser consultá-lo em qualquer lugar do mundo. São 132 mil folhas e 15 mil fotografias que estão sendo digitalizadas pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), a pedido do Instituto Dom Helder Camara (Idhec). O material será integralmente disponibilizado em novembro, no site da Cepe, quando o trabalho terminar. Mas ainda este mês parte do patrimônio já catalogado e copiado estará liberado para consulta.
Nascido no Ceará, o sacerdote morreu 19 anos atrás, em 27 de agosto de 1999, quando tinha 90 anos de idade. Assumiu a Arquidiocese de Olinda e Recife em abril de 1964, em plena ditadura militar. Antes, destacou-se no Rio de Janeiro, onde desenvolveu importantes obras sociais, trabalho que deu continuidade em Pernambuco. Reconhecido e admirado internacionalmente, sempre em defesa dos mais pobres, ele deixou a arquidiocese em 1985, quando completou 75 anos.
“A ideia é que a memória da vida e da obra de dom Helder seja disponibilizada universalmente. Todo o acervo do Centro de Documentação Helder Camara, o Cedhoc, poderá ser consultado. Antes, a pessoa tinha que vir ao Recife e pesquisar manualmente, muitas vezes manuseando documentos bastante gastos pelo tempo. Com a digitalização, além de possibilitar o acesso de qualquer parte, garantimos a preservação histórica do acervo”, destaca o diretor-executivo do Idhec, Antônio Carlos Maranhão de Aguiar.
Só dos discursos escritos pelo Dom da Paz há 5.420 textos manuscritos e outros 4.068 datilografados. “Há discursos dos quais encontramos seis rascunhos do mesmo texto. Como tudo será colocado no site, é uma oportunidade de observar o pensamento de dom Helder em construção. Vale destacar que há trechos dos discursos em que ele usava palavras de colaboradores”, diz a historiadora Lucy Pina, do Cedhoc. Ela e a bibliotecária Vanuzia Cavalcanti estão catalogando o material antes de enviá-lo à Cepe. Parte do custeio com a digitalização foi bancada pela Prefeitura do Recife.
RARIDADES
Há várias preciosidades no acervo. Escritor voraz e amante das artes, dom Helder costumava corresponder-se com amigos brasileiros e estrangeiros. O grupo de seus colaboradores que ficou no Rio de Janeiro, chamado pelo arcebispo emérito de Família Messejanense, recebeu muitas cartas. Uma delas, escrita em outubro de 1964, quando ele estava em Roma, na Itália, participando do Concílio Vaticano II, é uma das raridades.
“Se eu fosse o Santo Padre Paulo VI, nesta altura do Concílio (padres conciliares precisando de descanso; a grande assembleia precisando dispor-se, em definitivo, para a arrancada final e Concílio) obrigaria, amavelmente, todos os bispos a ir ao cinema e embeber-se do espírito de MARY POPPINS. Que imaginação privilegiada a de Walt Disney! Os anos se passam e a fonte criadora não se esgota... Deus lhe dá o dom de por na tela tudo o que a gente sonha, tudo o que de mais belo e mais incrível a gente imagina fazer. E que pureza de sentimentos, que leveza de coração!”, escreve dom Helder.
E continua: “Filme teste de sensibilidade. Quem não o entender, quem não sair da sala de projeção se sentindo melhor (com desejo de ser bom, sentindo a criança rindo e cantando dentro de si), então trate de uma revisão de vida, em profundidade: o aviso de Cristo quanto à necessidade de fazer-se criança para entrar no reino do Céu, anda pouco atendido e exigindo atenção”, complementa o arcebispo, que teve o cuidado de colar uma figura do filme na missiva.
É a possibilidade de antigas e novas gerações aprenderem com o pensamento de dom Helder, que continua tão atual. “É uma riqueza para fãs dele, historiadores e quem quiser conhecer o arcebispo, homem tão grandioso e iluminado”, ressalta a gerente de digitalização da Cepe, Ana Cláudia Alencar. O material estará no endereço www.acervocepe.com.br.
MAIS VERBAS
Depois da garantia de que documentos, fotos e cartas de e sobre dom Helder estão preservados digitalmente, o desafio agora é conseguir recursos para guardar o acervo fisicamente. O atual prédio do Centro de Documentação Helder Camara (Cedhoc), nos fundos da Igreja das Fronteiras, na Boa Vista, Centro do Recife, está pequeno para o montante de material. Há um terreno vizinho ao centro que permitirá a ampliação do espaço. Mas para realizar a obra são necessários cerca de R$ 300 mil.
“Temos o back up do acervo em meio digital, mas é preciso assegurar condições adequadas para conservação dos documentos, com o controle de temperatura e umidade. Atualmente muitos estão guardados precariamente em caixas”, diz o diretor-executivo do Instituto Dom Helder Camara (Idhec), Antônio Carlos Aguiar.
Já existe um projeto para esse novo prédio, feito pelo arquiteto Zildo Caldas, atendendo às exigências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma vez que a Igreja das Fronteiras é tombada. “Estamos tentando aprovar um projeto na Lei Rouanet para captar verbas junto a empresas. Precisamos de doações”, explica Antônio Carlos.
BEATIFICAÇÃO
Falta pouco para ser concluída a primeira fase do processo de beatificação e canonização do arcebispo emérito de Olinda e Recife. A previsão é terminar e entregar, até dezembro, ao Vaticano, em Roma, na Itália, um relatório feito por historiadores e teólogos sobre o religioso. É chamada a etapa diocesana. Depois começa a segunda fase, nomeada romana.
“São duas comissões trabalhando. Quatro historiadores estão elaborando um relatório mostrando a vida e as ações de dom Helder. Outra, formada por três teólogos, está analisando os escritos deixados por ele. Já foi encerrada a etapa em que pessoas que conviveram e trabalharam com o arcebispo deram seus depoimentos a um tribunal nomeado por dom Fernando Saburido (atual arcebispo de Olinda e Recife) na arquidiocese”, explica frei Jociel Gomes, postulador da causa de dom Helder.
“Até o fim de novembro ou início de dezembro pretendemos levar a documentação para Roma”, conta o religioso. Não é possível prever quanto tempo o processo de beatificação, iniciado em maio de 2015, vai durar.
Ao receber o dossiê produzido no Brasil, a Congregação da Causa dos Santos, em Roma, primeiro avalia se foram cumpridas todas as regras para elaboração do material. Se estiver tudo certo, emite um decreto de validade jurídica.
Depois é feita uma biografia documentada (chamada positio, em latim) onde serão elencadas as virtudes de dom Helder. Esse documento será submetido à análise de duas comissões do Vaticano, uma de teólogos e outra de bispos e cardeais. “Geralmente o positio é escrito pelo postulador da causa. Quem indica o autor é o Vaticano”, diz frei Jociel.
Ao final, esses grupos emitirão seus pareces para o papa Francisco, que concederá ou não a dom Helder o título de venerável. “Se houver a confirmação de um milagre atribuído a ele, será declarado beato pelo papa. Se forem dois milagres, será considerado santo”, ressaltou frei Jociel.