O abandono acompanha a vida de Júlia, de 19 anos, desde a infância. Deixada pelos pais num circo itinerante aos 4 anos de idade, ela não teve opção além de segurar firme a oportunidade de sobreviver entre as cordas bambas do trapézio que lhe era oferecido, em Feira de Santana, na Bahia. Tinha apenas 10 anos quando engravidou pela primeira vez e virou esposa de Jorge, hoje com 32 anos, com quem teve cinco filhos. O drama vivido pela trapezista foi relatado nesta sexta no Conselho Tutelar de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, onde a jovem tentava explicar como suas crianças acabaram sendo encontradas em situação de abandono e levadas a um abrigo, anteontem, pela segunda vez. Os nomes são fictícios, para resguardar a identidade dos menores.
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“Eu nunca nem estudei, nem brinquei. Nasci no meio do circo, onde meus pais me deixaram, e fui criada pela dona do lugar. Meu ex-marido me conheceu lá. Ele me viu no trapézio e passou a trabalhar na portaria. Viajamos por vários lugares do Brasil”, lembra Júlia, lamentando não ter tido a oportunidade de ser criança. “O tempo que tinha livre era para trabalhar e cuidar dos meus filhos. Dos 10 até os 17 anos eu sempre estive grávida. Todo ano trabalhava até os sete meses de gestação e depois era só cuidando das crianças. E aí engravidava de novo. Já não aguentava mais”.
Nas idas e vindas do circo, o espetáculo veio parar no Recife, há cerca de dois anos. Júlia conta que foi traída por Jorge e acabou se envolvendo com outro homem e indo morar com ele em Moreno, há um ano e seis meses. Ao largar a vida circense, ela deixou também os cinco filhos com o pai e, em janeiro, as crianças foram encontradas em situação de abandono no circo e acolhidas em um abrigo. “Assim que soube fui no Conselho Tutelar da Muribeca para saber onde os meus filhos estavam e fiquei visitando eles toda quarta-feira, até liberarem a guarda para mim”, relata.
De acordo com a jovem, que é analfabeta e só passou a ter documento após o episódio, o rapaz com quem foi morar assumiu as crianças, mas o casal acabou brigando e ela voltou para a casa do ex-marido, há cerca de um mês, pois não tinha onde morar. Segundo os vizinhos, era comum o pai sair para trabalhar e deixar os pequenos sozinhos, antes da chegada da mãe. Jorge trabalha de manhã como ajudante de pedreiro e à noite, como garçom.
O RESGATE
Anteontem, após várias denúncias dos moradores, o Conselho Tutelar resgatou as crianças abandonadas de 2, 3, 4, 7 e 8 anos. Trancados e em condições de higiene precárias, os pequenos estavam sozinhos há dois dias, segundo a vizinhança. O odor das fezes encontradas no chão do imóvel era tão forte que dava para sentir do lado de fora da casa. O menino mais velho tinha um ferida na virilha e as outras estavam com poucas roupas. Sem comida, sem banho.
A mãe havia ido para Moreno, na segunda-feira, levando o filho de 2 anos, para reatar com o ex. E o pai das crianças foi atrás dela na quarta-feira, deixando quatro dos filhos enclausurados na casa onde morava, próximo ao Conjunto Dom Helder, em Jaboatão. “Quando eu cheguei de volta para pegá-los, e vi como tudo estava, chorei tanto! Porque eu lutei muito para poder tomar conta dos meus filhos para perdê-los assim”, desabafa. “Se meu ex-marido tivesse ficado em casa, cuidado das crianças e não ido atrás de mim, nada disso teria acontecido”.
Júlia tem esperança de, ainda este ano, ter de volta as crianças. E diz que o marido teria pensado em entregar os primogênitos para adoção. “Eu estou me sentindo muito mal, porque não tem uma mãe que não sente dor pelo filho. Espero que consiga tê-los de volta, mas vai ser uma batalha muito difícil”, sussurrou.