Dia Mundial sem Carro

Andar a pé e de bike nas ruas do Recife ainda é um desafio

Ainda é complicado trocar o carro por outro modal na capital pernambucana

Mayra Cavalcanti e Vinícius Barros
Cadastrado por
Mayra Cavalcanti e Vinícius Barros
Publicado em 21/09/2016 às 22:00
Alexandre Gondim/JC Imagem
Ainda é complicado trocar o carro por outro modal na capital pernambucana - FOTO: Alexandre Gondim/JC Imagem
Leitura:

Você trocaria o carro por outros meios de transporte durante um dia inteiro? Esta é uma das atitudes que o Dia Mundial Sem Carro, comemorado nesta quinta-feira (22), propõe, além de trazer à reflexão o uso excessivo de automóveis e motos e todas as consequências disto para o meio ambiente. De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito de Pernambuco (Detran-PE), Recife conta com uma frota de 679 mil veículos. Mas por que tantas pessoas optam pelos meios de transporte motorizados e não por outros mais baratos e menos poluentes como bicicletas e o próprio pé?

Para o membro da Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo), Cézar Martins, é comum que as pessoas façam uma comparação de vantagens entre os modais e o carro se sobressai, aparentemente, por ser um meio de transporte espaçoso, por exemplo. "De fato, é difícil ganhar do carro no quesito conforto. Mas a bicicleta é mais rápida, mais barata, não polui e é facilmente estacionável, além de contar como um exercício físico. Só que falta segurança na cidade, falta estrutura cicloviária, tem o calor e isto pesa na hora da escolha", declara.

Segundo Cézar, é necessário que haja o estímulo ao uso das bikes. "É preciso que sejam realçados os benefícios do uso da bicicleta e que sejam mostradas as desvantagens do uso do carro", comenta. Pesquisa realizada pelo Movimento Transporte Ativo, sobre o perfil sociográfico do ciclista recifense aponta que 51,4% das pessoas que usam a bicicleta como transporte urbano o fazem por sua rapidez e praticidade. Além disto, 53% dos ciclistas permanecem utilizando a bike justamente por causa da rapidez, vindo em segundo lugar a saúde e, em terceiro, o (baixo) custo.

Parte da rotina do ser humano desde o início da vida, a prática de andar a pé é outra alternativa de locomoção. Caminhar nos trajetos diários contempla desde os pedestres fixos (aqueles que andam para todos os lugares), até os que andam para chegar aos ônibus, táxis ou carros. No Recife, o pedestre ainda tem diversos obstáculos como os buracos, a insegurança e a falta de iluminação pública da cidade. 

Para Eduardo José Daros, presidente e fundador da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe), o pedestre não recebe a devida atenção do poder público. "Todo ser humano é pedestre, nasceu nessa condição e é da natureza dele andar a pé. Mas, não conheço nenhuma pesquisa feita pelas universidades que trate sobre a situação do pedestre", disse. Sobre a segurança na ruas, Daros ressaltou o grande número de atropelamentos. "Existe uma pesquisa que afirma que se os carros trafegassem a 32km/h, a chance de pessoas morrerem atropeladas seria quase nula", disse.

O Dia Mundial Sem Carro é destacado também por César Cavalcanti, coordenador regional da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANPP). Segundo ele, a data mostra à sociedade os outros modais oferecidos na cidade. "A ideia da criação da data é indicar para as pessoas as diversas alternativas que elas têm para se deslocarem, afastando a ênfase exagerada do uso do carro particular, porque mata, polui e é ineficiente", afirmou. 

Para ele, o hábito de caminhar é deixado de lado dia após dia. "Estamos cada vez mais desaprendendo a andar. Essa atividade traz grandes benefícios, mas necessita de uma infraestrutura adequada, como antiderrapantes, amplo sombreamento, pisos sem inclinações e iluminação de qualidade para que o caminhar se torne mais agradável. Já sobre os perigos enfrentados pelos pedestres, ele é taxativo. 

"A insegurança que existe se deve às agressões, assaltos e isso extrapola os limites do transporte, ultrapassa a responsabilidade dos gestores de mobilidade, deve estar no âmbito da segurança pública. Já os atropelamentos são ligados à mobilidade. O Brasil tem um desempenho vergonhoso quando o assunto é violência no trânsito. De acordo com as estatísticas, 50 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito e a maioria é por atropelamento. Isso mostra a gravidade da questão e que só se soluciona cobrando uma postura mais atuante do Estado, para que ao menos se amenize essa situação tão terrível. Precisamos bater nessa tecla, para mostrar que esses números são totalmente rejeitáveis", argumentou. 

De 0 a 1, ciclorrotas do Recife recebem nota 0,059 em estudo

Na semana passada, a Ameciclo, em parceria com o Observatório do Recife, divulgou a primeira edição do Índice de Desenvolvimento Cicloviário (IDECiclo). A pesquisa avaliou a situação das faixas destinadas às bicicletas (ciclofaixas, ciclovias e ciclorrotas) do Recife e apontou que, no índice que vai de 0 a 1, a capital pernambucana pontou apenas 0,059. "É um valor muito baixo. Se a Prefeitura tivesse cumprido o que prevê Plano Diretor Cicloviário, este número subiria para 0,57, um aumento considerável", explica Cézar Martins.

O cálculo do IDECiclo se baseia em critérios como qualidade, segurança, conforto, largura das faixas e tamanho da malha disponibilizada. Quando analisadas individualmente, a ciclorrota que obteve maior nota foi a da Via Mangue, na zona Sul, com nota 8. A pior foi a da Rua Paula Batista, na zona Norte, com nota 3,9.

"Com o tempo, percebi que Recife é um ovo", diz estudante que trocou carro pela bicicleta

Arrependimento é uma palavra que não faz parte do vocabulário do estudante de geologia Paulo Correia, de 25 anos, quando o assunto é utilizar a bicicleta como meio de transporte. Há seis meses, ele trocou o carro e o transporte público pela bike e só vê vantagens: faz exercício físico, chega mais rápido e funciona como uma terapia para ele. "Tenho transtorno de ansiedade e andar de bicicleta me acalma, é como uma meditação. Os dias em que pedalo são os melhores pra mim", conta.

Diariamente Paulo vai e volta do bairro de Afogados até a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Cidade Universitária, Zona Oeste do Recife. "No começo, as coisas pareciam longe, mas depois fui vendo que chegava super rápido e fui me acostumando com o ritmo. Fui me desafiando também", afirma. Ele comenta que tem carro, mas que prefere o transporte de duas rodas. "Nestes seis meses, me atrasei apenas duas vezes para a aula. Uma vez quando vim de carro e fiquei preso no engarrafamento e, na outra, porque vim de ônibus e metrô", acrescenta.

Para ele, a bicicleta só traz vantagens, apesar da falta de estrutura e da insegurança. "A gente não tem muita ciclovia e, as que tem, o povo não respeita. Estaciona carro, moto anda nela. O maior problema é a falta de respeito", diz. Assim como Paulo, eu, Vinícius Barros, estagiário do JC Trânsito, também não tenho o carro como minha primeira opção de meio de transporte.

Sempre percebi que não tinha uma grande necessidade de dirigir e nunca achei essa prática tão fundamental quanto alguns amigos e outras pessoas próximas acham. Sou pedestre em boa parte do meu dia, nos meus deslocamentos da parada do ônibus para o trabalho, do trabalho para a faculdade e, sempre que posso e a insegurança permite, faço trajetos a pé.

Últimas notícias