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Entrapulso, uma minicidade entre os espigões de Boa Viagem

Comunidade é exemplo de resistência. Casebres de outrora deram lugar a casas de alvenaria

João Carvalho
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João Carvalho
Publicado em 22/09/2012 às 19:44
Foto: Marcelo Soares/JC Imagem
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A rotina de Luzinete era a mesma. Sentava no chão do pequeno espaço invadido há poucas semanas, numa comunidade ainda sem nome, e cavava ali mesmo, no terreno de mangue dentro do barraco, o almoço da família: pequenos peixes e caranguejos. Estávamos em 1975 e moradores de uma comunidade batizada de Mata-Sete começava a ser despejada de uma área que ía onde hoje é o Shopping Center Recife, até a beira-mar de Boa Viagem. A nova área onde as famílias eram empurradas a fórceps não tinha ainda um nome, mas o destino já guardava uma história de resistência para ela. Estavam sendo retiradas porque a região já estava passando pela especulação imobilária. Prédios como o Holiday, Acaiaca e a Casa Navio estavam sendo construídos.

Dois mil e doze. Luzinete Alves do Nascimento, ou Lu da Pamonha, passa o dia no comando de uma cozinha e de 16 funcionários fixos, todos nascidos e criados na comunidade, filhos e netos dela, com o dinheiro das comidas de milho que produz há 35 anos. Em nada se parece com a mulher que na década de 70 foi uma das centenas de pessoas que invadiram aquela área, logo batizando de Entrapulso. A expansão do que antes era uma favela, formada por casas feitas de papelão e palhas de coqueiro, cresceu e resistiu tanto quando a família de dona Lu. Hoje a Entra a Pulso é uma mini-cidade encravada num dos bairros mais nobres do Recife, Boa Viagem, bairro da Zona Sul, conhecida principalmente pela praia e badalação. A comunidade virou uma mini-cidade dentro da cidade. Sobreviveu e cresceu com o trabalho dos moradores e com pouquíssima ajuda do poder público, ainda sofrendo com a falta de pavimentação e saneamento. Uma ilha que resistiu a especulação imobiliária.

Invasão nascida de outra invasão, a Entrapulso começou a ser formada com a expulsão de pescadores e trabalhadores rurais que tinham criado a Mata-Sete. As famílias íam construindo os barracos naquela área de mangue mas eram retiradas pela prefeitura. Foram resistindo. Muitos invasores da época moram no lugar até hoje. “Eles derrubavam pela manhã, a gente vinha a noite e reconstruía tudo”, fala dona Lu. Por isso o nome de Entra a Pulso. O resultado da resistência foi vindo aos poucos.



Uma das conquistas chegou há 25 anos, quando foi transformada numa Zeis, Zona Especial de Interesse Social. “Aqui ninguém mete a mão nem tira a gente. Hoje somos organizados, temos escola, restaurantes, serviços de todos os tipos. Não precisamos sair daqui pra quase nada”, explicou Lot Bernardino de Sena, presidente da associação dos moradores. Desde que se aposentou como funcionário público, há 12 anos, se dedica em lutar pelos direitos da Entrapulso.

No início, foi difícil. “Eles chegavam pela manhã e derrubavam tudo. A noite a gente volta e construía tudo de novo. Por isso o nome”, lembrou Lot. “A história dessa comunidade foi construída aos poucos, com resistência, perseverança, vontade de transformar”, falou. Hoje a comunidade conta com duas escolas, uma estadual e outra municipal, além de uma creche. O Instituto Shopping Recife construiu, há dois anos, uma sede no coração da Entra Apulso, onde os moradores podem fazer cursos, ter aulas e usar a biblioteca formatada no local. Um núcleo de informática também pode ser usado pela comunidade.

Mesmo com tantos problemas, o orgulho de ser um morador está estampado em cada morador de quem vem de fora para participar do dia a dia do lugar. “Eu moro em Vitória de Santo Antão e venho todo dia pra Recife. Há um ano trabalho nessa escola e não quero deixar. Fui muito bem recebida por todos aqui, alunos, pais e a comunidade”, relatou a professora Joseane Gomes. Ela passou num concurso da Prefeitura do Recife e ensina na escola que existe na comunidade, a Abílio Gomes. A outra escola é a Inalda Spineli, do Governo do Estado. A luta para melhorar o futuro da comunidade tem endereço certo. “Lutamos por mais educação. Precisamos de pelo menos mais uma escola aqui dentro”, disse Lot.

A Entrapulso ainda cresce. Em maio passado dezenas de famílias que invadiram a área em cima do túnel Augusto Lucena, que margeia parte da comunidade, foram retiradas do local. Imediatamente invadiram a área ao lado e foram construindo moradias de madeira, papelão e algumas de alvenaria. Já são 99 barracos no local e outros estão sendo construídos. “Viemos pra cá porque não temos pra onde ir. Não vamos sair”, disse Eliane Oliveira. Ironicamente essa nova região do lugar é conhecido pelos moradores antigos como “a invasão”. “Aqui é nossa casa”, desabafou Eliane. Resistindo, como os primeiros habitantes, no passado.

Foto: Marcelo Soares/JC Imagem
Comércio é o ponto forte da comunidade Entrapulso. - Foto: Marcelo Soares/JC Imagem
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Hoje a Entrapulso passa por um crescimento vertical. - Foto: Marcelo Soares/JC Imagem
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Lot Bernardino: 25 anos na Entrapulso, 12 deles dedicados a ajudar a comunidade. - Foto: Marcelo Soares/JC Imagem
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Vista geral da Entrapulso, que resiste à especulação imobiliária. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Professora Joseane dá aulas às crianças da comunidade. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Lu da Pamonha é a maior comerciante da Entrapulso. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Mesmo sem áreas de lazer as crianças conseguem espaço para a diversão. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Um dos becos estreitos. Marca registrada da Entrapulso. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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A Entrapulso continua a crescer. Novos barracos estão sendo construído. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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A Entrapulso continua a crescer. Novos barracos estão sendo construído. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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A Entrapulso continua a crescer. Novos barracos estão sendo construído. - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

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