O cômodo é pequeno – só quarto e sala – mas é o lugar onde Alexsandro Francisco dos Santos encontrou dignidade e esperança. A maior parte dos móveis ele ganhou, mas a geladeira, o fogão e a panela de pressão, orgulha-se em dizer, foram comprados com o seu dinheiro. Alexsandro é um sobrevivente. Há dois anos, está longe do crack e do álcool. Sabe que, se tomar um copo de cerveja ou uma dose de cachaça, talvez não consiga parar mais. Aos 36 anos, voltou a estudar. Faz planos. Espalhou currículo. Procura emprego. O aluguel do quarto e sala custa R$ 300. É pago pelo Atitude, principal programa estadual de assistência a usuários de drogas. “Eles me ajudaram a ter vontade de viver novamente. Se não fosse o Atitude, eu já estaria morto”, diz, com a consciência de quem já tentou, por duas vezes, tirar a própria vida. Pesquisa inédita revela que um contingente expressivo de usuários, assim como Alexsandro, conseguiu parar ou reduzir o consumo de droga após participar do programa.
Cerca de 60% diminuíram a frequência e 38% conseguiram largar o vício, enquanto estavam no projeto, criado em setembro de 2011. O levantamento foi feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança Pública da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Os pesquisadores traçaram o perfil dos beneficiários do Atitude e o impacto sobre o consumo de crack e o medo da violência. O estudo aponta que a maioria das pessoas atendidas faz uma avaliação positiva do projeto: 97% recomendariam para um amigo ou parente e 77% dão notas acima de 8 para o programa. Os dados completos serão apresentados hoje, às 9h30, na Faculdade de Direito do Recife.
A divulgação da pesquisa acontece em um momento delicado do Atitude. Desde o segundo semestre do ano passado, o programa vem sofrendo cortes de orçamento, com redução de pessoal e fechamento de alguns serviços. A coleta dos dados foi feita exatamente no período anterior ao contingenciamento do programa: o primeiro semestre de 2015, nos meses de fevereiro e março. Foram analisados o cadastro de 5.714 usuários, além de entrevistas individuais e grupos focais com beneficiários, familiares e profissionais do programa.
O Atitude foi idealizado como um dos braços do Pacto pela Vida, criado para reduzir o alto índice de homicídios registrados em Pernambuco. O projeto tinha como meta atender, prioritariamente, usuários de crack ameaçados de morte. A pesquisa revela que esse objetivo vinha sendo atingido, uma vez que 77,2% dos usuários afirmaram se sentir mais seguros quando estavam participando do projeto. Cerca de 65% dos entrevistados disseram já ter sofrido algum tipo de ameaça.
O levantamento foi coordenado pelo professor e pesquisador da UFPE José Luiz Ratton e pelo pesquisador Rafael West. Ao investigar o impacto que o programa causa na relação de dependência dos usuários, o estudo contatou que, antes do Atitude, cerca de 82% das pessoas atendidas faziam uso diário de drogas. Após envolvimento nas ações do programa, esse percentual caiu para 22%. “O levantamento comprovou, com dados científicos, um sentimento que já existia de que o Atitude ajuda a construir uma percepção de qualidade de vida para o usuário. Mesmo os que não largam a droga, têm acesso a serviços de saúde, orientação psicóloga e de direitos que afetam positivamente suas vidas”, afirma o pesquisador Rafael West.
Diante da avaliação positiva apontada pela pesquisa, ele espera que a divulgação do levantamento contribua para uma retomada dos serviços suspensos. “É um programa cujo resultado mais expressivo é salvar vidas. A redução de investimentos compromete os resultados obtidos. Torcemos para que haja uma decisão de manter e incentivar o programa. Os dados mostram que o Atitude vinha conseguindo seu objetivo”, avalia Rafael West.
A maior prova desse resultado, ele ressalta, é o alto grau de confiabilidade de quem mais importa neste trabalho: os próprios usuários. “Eles se sentiam respeitados dentro do programa. Esse sentimento é fundamental para ajudar numa decisão tão difícil como a de reduzir ou interromper o uso de drogas, principalmente o crack”, destacou.
O perfil feito pelo levantamento mostra que a maioria dos usuários do Atitude é negra ou parda, jovem, heterossexual, com baixa escolaridade e desempregada. Justamente o perfil que se observa entre vítimas de homicídio, presos do sistema penitenciário ou pessoas em situação de vulnerabilidade social.