Para quem pensa que Carnaval é somente a festa da carne e a profanidade do ser, Wena Lúcia de Souza, 66 anos, é a prova viva de que a folia é alimento da alma e pode servir de arma de superação. Há 11 anos ela desfila no Bloco da Saudade, um dos mais tradicionais do Recife. Mas em 2016, não tinha certeza se conseguiria participar, porque no dia 7 de dezembro de 2015 sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e ficou sem falar. Logo ela, que canta no coral do bloco. Passou uma semana internada. Nesse período, o que mais Wena pensava era em como faria para brincar o Carnaval. Ficou “desesperada”.
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Ao ser perguntada se acha que isso a ajudou na recuperação, ela diz não ter dúvida. A vontade de estar na folia foi um estímulo à reabilitação. Depois das sessões de fonoaudiologia e fisioterapia, Wena restabeleceu a voz, mas não disse nada a ninguém do bloco. Só a família sabia. No início de janeiro, houve a primeira prévia, num espaço no bairro das Graças, Zona Norte da capital. Era o primeiro acerto de marchas. Wena preparou uma surpresa. Ela estava sem contato com o pessoal do Bloco da Saudade desde o dia em que sofreu o AVC. “Eu me arrumei todinha e saí só de casa. Cheguei lá, abri a porta do camarim e houve a maior festa. Foi um chororô tão grande. Todo mundo chorou de alegria porque eu tinha conseguido voltar. Eu estava com a fantasia pronta, mas eles não sabiam. A presidente, Izabel Bezerra, me chamou imediatamente ao palco. Eu disse que não conseguiriaa cantar e ela falou para eu cantar do jeito que desse. Ela me acolheu de uma maneira incrível”, relembrou.
O amor pelo Carnaval foi ensinado pelo pai, Rui de Souza. Segundo Wena, ele era um folião apaixonado. Chegou a fundar uma troça chamada Nariz de Flandres, durante a infância da filha. “Minha mãe fazia as nossas fantasias e nós íamos ver caboclinho e maracatu na Avenida Dantas Barreto, Centro do Recife. É uma época da qual tenho saudade. Eu via as pessoas desfilando com amor e pensava ‘um dia será a minha vez’. Assistia também ao Homem da Meia Noite, era especial.” Wena é uma das fundadoras do Bloco Confete e Serpentina, que tem 18 anos. Mas se afastou da agremiação, segundo ela, por problemas políticos. No entanto, essa ruptura contribuiu para o ingresso no Bloco da Saudade, um sonho antigo.
“Quem me ajudou foi um amigo chamado Lula, porque ele me viu triste por ter deixado o Confete e Serpentina. Então, ele me apresentou à presidente e até hoje eu estou lá”, relatou Wena. O melhor Carnaval da vida, ela considera, foi justamente o primeiro ano na agremiação. “O Bloco da Saudade é um marco na história da festa em Pernambuco, porque foi um divisor de águas dos grupos adormecidos, incentivou a volta das tradições. Em 2018, ele completa 45 Carnavais e até hoje todo mundo quer desfilar nele”, ressalta. Além disso, é uma satisfação para Wena vestir-se para a folia. “Quando estou fantasiada, me sinto uma princesa daquelas de contos de fadas, glamourosa, tirando fotos. Acho o máximo”, admite.
LEMBRANÇAS
Mas, antes mesmo de fundar ou ingressar em algum bloco, Wena já produzia lembranças carnavalescas para a vida. Em uma festa no Sport Club do Recife, há pelo menos duas décadas, ela foi a sensação. “Eu sou muito assanhada. Aí chamei uma amiga para entrar no salão, para abrir o salão comigo. Mas o chão estava muito encerado. Eu escorreguei e saí deslizando, mas não caí”, recordou, aos risos.
Além do Bloco da Saudade, Wena é envolvida na coordenaçõ do Aurora dos Carnavais, evento que reúne, há 19 anos, blocos líricos na Rua da Aurora, bairro de Santo Amaro, área central do Recife. “Desde 2012, quando o idealizador da iniciativa, Romero Amorim, faleceu, eu e mais quatro pessoas assumimos. É um legado que ele deixou para nós, não podemos deixar se apagar”, defendeu.