Após comprovarem que a infecção pelo zika na gestação causa lesões oculares graves nas crianças, oftalmologistas da Fundação Altino Ventura (FAV) realizaram as três primeiras cirurgias, no mundo, de correção de estrabismo (doença em que os olhos perdem o alinhamento correto) em pacientes que nasceram com a síndrome congênita do vírus, cuja manifestação mais expressiva é a microcefalia. A operação foi realizada há menos de um mês, e o resultado surpreende os médicos. “Observamos uma resposta imediata: mais de 80% apresentaram melhora na função visual, na mobilidade dos olhos e na atenção visual. Isso é extraordinário. Desde 1985, faço oftalmopediatria e já operei inúmeros pacientes com estrabismo. Mas ninguém (antes da nossa equipe), no mundo, tinha operado crianças com a síndrome congênita do zika. Não saberíamos como seria a resposta à cirurgia. Agora, percebemos que essa intervenção vale a pena”, frisa a oftalmopediatra Liana Ventura, presidente da FAV.
Na terça-feira, em entrevista ao programa Casa Saudável, da TV JC, ela explicou a importância do procedimento. “O resultado não é só estético. A consequência é a melhora principalmente da função visual: após a cirurgia, a criança passa a ser mais participativa nas terapias de reabilitação e, por isso, atinge melhor desenvolvimento global. É por isso que digo o quanto é importante investir nesses pacientes.”
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A médica acrescenta que, para o fim deste mês e o início de 2019, estão agendadas outras cirurgias de correção de estrabismo em crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika. “Entre as pesquisas que realizamos, uma detectou que 87% dos casos afetados pelo vírus têm estrabismo. Outro grupo tem também alteração de campo visual, de função e deficiência visual e até nistagmo, um movimento dos olhos porque a visão não é boa. Avaliamos, então, de que maneira poderíamos melhorar esse quadro e decidimos iniciar a cirurgia de estrabismo.”
A oftalmologista frisa que, além do resultado preliminar, no pós-operatório imediato, as crianças que passam pela intervenção cirúrgica geralmente apresentam benefícios visuais passados os seis primeiros meses do procedimento. “Quando a visão desses pacientes evolui, percebemos que há uma melhora de aproximadamente 200% nas terapias (reabilitação visual, auditiva, motora e intelectual). Isso é comprovado cientificamente”, frisa Liana.
A pequena Graziella Vitória, que completa 3 anos dia 25, é uma das três crianças que passaram pela cirurgia para correção do estrabismo. A mãe, a dona de casa Inabela Tavares, 33, manifesta gratidão pela oportunidade que a filha teve para ser submetida ao procedimento. “O caso dela era bem grave. Quando nasceu, foi praticamente diagnosticada sem visão. Ela não se interessava pelas coisas ao redor, manifestava pouca interação social, não fixava o olhar nem conseguia levantar a cabeça. Usou seis tipos de óculos, mas não melhorava. Hoje, após a cirurgia, ela interage melhor, rir e acompanha os brinquedos com os olhos”, relata Inabela, alegre com os ganhos da menina.
Moradora do Alto José Bonifácio, Zona Norte do Recife, Inabela tem se dedicado aos cuidados com Graziella Vitória de forma integral. “Ela faz as atividades de reabilitação na Fundação Altino Ventura e no Cervac (Centro de Reabilitação e Valorização da Criança), além de hidroterapia com um grupo de dez crianças que têm microcefalia. Já fez duas operações no quadril, duas nos olhos, duas no nariz e uma na cabeça. O tampão que usa nos olhos ficará até completar um mês da cirurgia de estrabismo. Agradeço à equipe da Fundação Altino Ventura, que nunca desistiu dos nossos filhos”, diz Inabela, emocionada. Pela FAV, já foram atendidas 285 crianças com a síndrome congênita do zika. Desse universo, cerca de 60% permanecem em acompanhamento pelo Centro Especializado em Reabilitação da instituição, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife.