Entrevista

Caetano Veloso quer fazer música sobre o Recife

Escalado para o FiG, o cantor diz, nessa entrevista a Bruno Albertim, que não sabe o que fará musicalmente nos próximos discos e que adoraria passar uma temporada criativa na cidade

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 18/07/2013 às 6:00
Foto: Igo Bione/JC Imagem
Escalado para o FiG, o cantor diz, nessa entrevista a Bruno Albertim, que não sabe o que fará musicalmente nos próximos discos e que adoraria passar uma temporada criativa na cidade - FOTO: Foto: Igo Bione/JC Imagem
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    Fã de bolo de rolo, de Joaquim Nabuco, de Kleber Mendonça Filho e de “uma seriedade pernambucana, um modo narrativo da conversa, que encantam um baiano”, Caetano Veloso traz outra vez seu último show ao Estado. Depois de ter no Recife, segundo o próprio Caetano, a plateia mais quente de sua atual turnê nacional, Abraçaço  fecha a noite de sábado no Festival de Inverno de Garanhuns. “Gosto imensamente de cantar em praça pública”, diz ele, que já ouviu falar com curiosidade sobre o evento, no qual contemporâneos seus como Gal e Ney já se apresentaram. Nesta entrevista, Caetano diz que gostaria até de “passar um tempo no Recife ou de escrever uma canção só sobre ele, como Caymmi fez”, para sublinhar algo mais pernambucano em sua obra. O compositor diz ainda que acha “nostalgia” querer sugerir canções como a sua  Alegria, alegria para a trilha sonora das últimas manifestações do País. “As únicas coisas que poderiam acompanhar essas novas passeatas seriam raps”, diz. Caetano Veloso acha  Recanto, o show que dirigiu para Gal Costa, um trabalho ainda mais autoral seu que seu último disco como intérprete. Depois da turnê de, ele ainda não sabe que rumo musical dará ao seu próximo trabalho. "Não tenho a mínima ideia do que vou fazer a seguir".

JC – Você deu uma entrevista para O Globo em que disse que o público do show no Recife foi ainda mais quente que o do Circo Voador, no Rio. Lembrou um texto seu em que comentava, quando do exílio, ter ido ver o Led Zeppelin em Londres e que a plateia era muito mais interessante que a banda. A temperatura do público realmente faz a diferença?
CAETANO -
  O público é parceiro das performances. Sempre. Para o bem ou para o mal. Felizmente, para o Led Zeppelin em Londres àquela altura e para mim recentemente no Recife, foi para o bem.

JC – O tempo é um elemento recorrente em sua narrativa, mas, recentemente, questões como o envelhecer ganharam mais presença. Ao mesmo tempo, você, de novo, desrespeitou clichês associados à idade ao expor um lado rock que vinha um pouco abafado pelo cantor de terno elegante. Musicalmente, quem é o Caetano que devemos esperar com o fim da trilogia roqueira em Abraçaço?
CAETANO –
  Não tenho a menor ideia do que vou fazer a seguir. Me lembro de ter escrito O homem velho há muitos anos. E de que “só eu, velho, sou feio e ninguém” é um verso da bem mais recente Odeio. Se o tema da velhice aparece mais frequentemente em minhas composições mais novas, não sei, mas acho que seria natural, já que estou entrando na velhice.

JC – Com Recanto, de Gal, você concebeu um dos shows mais afiadamente poéticos da MPB recente. Tem projeto imediato de dirigir mais alguém? Ou, por outra, há alguém no Brasil que você gostaria especialmente de dirigir?
CAETANO –
Não. O caso do Recanto  com Gal foi único. Na verdade, considero Recanto muito mais como o meu trabalho autoral de agora do que Abraçaço. Recanto foi um pouco como Cê:  eu imaginei um grupo de canções e o tratamento sonoro que elas deviam ter. Zii e zie e Abraçaço não tinham uma cara para mim, dentro de mim, antes de eu os ir fazendo. Criei uma banda para tocar as canções de Cê, assim como escolhi amigos do mundo da música eletrônica (sobretudo Kassin) para executar os sons de Recanto. Zii e zie  e Abraçaço nasceram do som da banda Cê. Acho que Abraçaço é mais naturalmente contagiante porque é assim não intencional.

JC – Você transita pelo tempo, entre o tradicional e o contemporâneo, com uma grande intimidade. E está sempre procurando conhecer os novos. Alguém te impressiona especialmente na música pernambucana contemporânea? Lembro de ter visto comentários entusiasmados seus sobre Karina Buhr...
CAETANO – 
Não ouço tanta música assim. Quando eu era novo, ouvia muito mais. Mas é verdade que eu gosto de Karina Buhr.

JC – Você escreveu um artigo especialmente apaixonado sobre o filme de Kléber Mendonça Filho (O som ao redor). Você escreveu: “que um filme assim tenha sido feito em Pernambuco, com gente de lá e por gente de lá, é prova da beleza intrínseca que se possibilita nessa quina nordestina do Brasil”. O que, para você, materializa ou indica a beleza intrínseca pernambucana?
CAETANO –
  Esse filme tem o espírito estético pernambucano concentrado. Mas Pernambuco tem personalidade muito forte. De Luiz Gonzaga a Nação Zumbi, Guel Arraes ou Cláudio Assis, a gente reconhece a pegada da terra de João Cabral. Há Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre. E há toda a força urbana do Recife, concentrada nos anos 1940 e 50, de pé, no centro da cidade. Existe uma seriedade pernambucana, um modo narrativo da conversa, que encantam um baiano.

JC – No artigo, você também dizia não ter visto ainda a Febre do Rato, de Cláudio Assis. Já viu?
CAETANO –
Vou ver antes de ir a Garanhuns. Preferia ter visto no cinema, mas vou procurar ver em vídeo.

JC – Alguns de seus discos são assumidamente mais baianos, cariocas, paulistanos. Estar é inspirar-se? Como seria uma canção “pernambucana” de Caetano?
CAETANO –
Uma canção que eu adoraria ter escrito é Festa, de Gonzaguinha. Aquele carioca captou o lance fundamental. Adoro cidades. Gostaria de passar um tempo no Recife ou de escrever uma canção só sobre ele, como Caymmi fez. De fato, falo muito do lugar onde estou vivendo. Mas acho que o centro do meu negócio está na ponte Bahia-São Paulo que Leminski via em nós (Gil, Gal e eu) nos anos 1970.

JC – Caetano, atualizando 1968: já somos melhores em estética como não o éramos em política?
CAETANO –
  Ainda tive que enfrentar o preconceito contra axé-music. O funk carioca, que é um fenômeno de criatividade, foi considerado lixo cultural por muito tempo. Mas acho que houve algum progresso. A música do centro e do oeste chegou ao litoral e muita coisa interessante não precisou envelhecer para ser reconhecida. Acho que o Brasil conheceu algum progresso nessas últimas décadas. Inclusive político.

JC – Sou de um geração que emoldurou gritos de Fora Collor com a sua Alegria, alegria. As manifestações populares recentes teriam, para você, uma trilha sonora?
CAETANO –
Outro dia, o cineasta André Luiz Oliveira me mandou um vídeo das manifestações em Brasília com canções tropicalistas minhas como música de fundo. Acho que ele estava sendo nostálgico. Eu próprio nem me lembrei dessa passagem rápida de Alegria, alegria  pelos caras-pintadas (que, aliás, também viam a Globo e reproduziam  Anos rebeldes). As únicas coisas que poderiam acompanhar essas novas passeatas seriam raps.

JC – Acho que, em Noites do Norte, você ironizou os mecanismos do jornalismo cultural brasileiro ao elaborar um material de divulgação em que você respondia às próprias perguntas. O que você perguntaria, hoje, a Caetano Veloso?
CAETANO -
Não me lembrava desse release a que você se refere. Será que era engraçado? Acho que não tenho uma pergunta formada para fazer a mim mesmo agora. Ou tenho perguntas demais, que causariam uma enorme confusão. Seja como for, creio que eu não saberia responder.

JC – Não fosse esse Festival de Inverno de Garanhuns, dificilmente uma cidade do Agreste pernambucano veria um show como o seu Abraçaço. Mas, recentemente, Petrolina recebeu o show. Interiorizar, do ponto de vista geográfico, a sua música é algo que lhe interessa? Gal e Ney já fizeram esse festival... Trocou algum tipo de impressão com eles?
CAETANO –
Nunca falei com Gal ou Ney sobre o Festival de Garanhuns. Mas já ouvi muito sobre ele. Gosto imensamente de cantar em praça pública. Faço isso todo ano em Santo Amaro e já fiz algumas vezes no Rio (o melhor show de minha vida foi o Circuladô em Realengo), em São Paulo e em Salvador. Quanto a Petrolina, já cantei lá (e/ou em Juazeiro) umas três ou quatro vezes. Eu adoro aquele lugar, com o Rio São Francisco no meio.

JC – Alguns produtores dizem que a pirataria e a legislação obsoleta de direitos autorais ajudaram a elevar os preços dos espetáculos no Brasil. Com as mudanças recentes relativas ao Ecad, é possível que os preços de ingressos tornem-se menos caros?
CAETANO –
Não sei. Se tudo for para o melhor dos resultados, creio que até isso possa ser uma consequência da nova lei.

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