ENTREVISTA

Bárbara Heliodora fala dos 450 anos de Shakespeare

Uma das maiores críticas teatrais brasileira fala da obra do seu dramaturgo preferido, que leu ainda na infância

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 20/04/2014 às 5:04
Foto: Guga Melgar/Divulgação
Uma das maiores críticas teatrais brasileira fala da obra do seu dramaturgo preferido, que leu ainda na infância - FOTO: Foto: Guga Melgar/Divulgação
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Em dezembro último, ela decidiu que não mais escreveria críticas teatrais. Aposentou-se da função que há décadas lhe rendia adjetivos como “severa” e “temida”. Aos 90 anos, é a grande autoridade sobre Shakespeare no Brasil, com citações e referências até no exterior. Bárbara Heliodora ainda era uma menina quando se apaixonou pela obra do dramaturgo elisabetano. Ao telefone, na antevéspera desta entrevista, ela esbanjava simpatia e disponibilidade, sem esconder o encanto por falar de bardo. Respondeu às perguntas por e-mail, um dia depois de ter ido assistir à atriz e amiga Fernanda Montenegro dar depoimento ao Museu da Imagem e Som, no Rio de Janeiro. Em hipótese alguma, se recusa a falar sobre o autor de tantos clássicos do teatro mundial. Bárbara faz parte do universo cênico brasileiro. Senhora que, segundo ela mesma, nasceu para plateia. Peça fundamental na maneira de se olhar e se viver Shakespeare.

JC – A dimensão da fama de Shakespeare fez com que o nome dele virasse não só substantivo próprio como adjetivo e até verbo – isso no caso de gírias que dizem respeito, no palco e na vida, ao amor, ao drama, à tragédia e ao melindroso. Mas, 450 anos depois, será que o mundo conhece, realmente, Shakespeare?
BÁRBARA HELIODORA –
O mundo “conhece” a fama de Shakespeare. Que ele é popular em muitos países, não há dúvida. Aqui no Brasil ele ainda é pouco conhecido, pois nunca tivemos uma tradição forte de montagem dos clássicos, e até relativamente pouco tempo não havia sequer traduções da maioria das peças. Mas estamos progredindo!
 
JC – A senhora é hoje a grande sumidade em Shakespeare no Brasil e uma das maiores autoridades mundiais no assunto. Como repassar, entretanto, além dos livros e publicações, o conhecimento que se tem sobre este autor? Como a juventude brasileira se interessa por Shakespeare?
BÁRBARA –
Em primeiro lugar, divulgar a obra, tornar acessível a leitura das peças. E há toda uma série de estudos clássicos sobre a obra que seria eventualmente conveniente ver publicada por aqui. Como hoje em dia há aulas de teatro em muitas escolas, é possível divulgar Shakespeare assim também.
 
JC – De que maneira a commedia dell’arte influenciou a obra de Shakespeare? Esse reflexo também chega ao universo trágico do autor?
BÁRBARA –
Que se saiba, duas companhias de commedia dell’arte estiveram em Londres na época em que Shakespeare estava escrevendo, e em algumas peças (como Trabalhos de amor perdidos, por exemplo) temos presença de personagens diretamente ligados a ela. Eu pessoalmente creio que a primeira cena de Otelo evoca cenas em que Shakespeare aproveitou a estrutura da cena para usar de modo bem diverso do original.
 
JC – A atriz Lucélia Santos, em uma palestra na Festa Literária de Pernambuco (Fliporto), em 2012, afirmou que “para se montar (uma peça de) Nelson Rodrigues sem errar, é preciso seguir à risca o texto escrito por ele”. Assim também é o caso de Shakespeare? Qual ou quais os principais caminhos para se acertar numa montagem shakespeariana?
BÁRBARA –
Como boa parte da obra de Shakespeare é escrita em verso, é claro que o texto tem de ser rigorosamente seguido. Aliás não conheço nenhum bom texto teatral que não deva ser rigorosamente seguido pelos atores, pois qualquer alteração pode afetar o sentido do que o autor disse quando escrevia para criar uma ação.
 
JC – Em décadas de crítica teatral, quais as melhores adaptações da obra shakespeariana que a senhora assistiu no Brasil? O que eles tinham de peculiar?
BÁRBARA –
Sem dúvida a melhor adaptação que vi foi o Romeu e Julieta do Grupo Galpão, de Minas Gerais. Mesmo adaptando para as necessidades do grupo e das circunstâncias, o novo texto foi absolutamente fiel às intenções de Shakespeare.
 
JC – O teatro à época de Shakespeare tinha uma estrutura peculiar: palco nu, com pouco cenário; o público ficava ao redor do elenco, vendo o ator em todas as dimensões. Ao que parece, uma estética muito próxima ao que o teatro contemporâneo tem resgatado com muita ênfase. Como essa característica influenciava a cena shakespeariana, e como isso pode ser usado, hoje, no nosso teatro, de forma satisfatória?
BÁRBARA –
O palco elisabetano era muito especial, com vários espaços (palco exterior, palco interior, palco superior). Como era a céu aberto, todos os espaços eram claramente visíveis para a plateia, que cercava tudo por três lados. Não havia cenários, apenas um ou outro elemento para identificar o absolutamente necessário. Tudo ficava no texto e nos atores. Como as produções (pobres) de hoje em dia, a falta de cenografia facilita uma dramaturgia muito livre.
 
JC – Em dezembro, a senhora resolveu deixar a crítica jornalística. Aposentou-se, mas continua a se dedicar aos estudos e às produções sobre teatro. Como têm sido esses últimos meses? A senhora tem visto espetáculos? Sente saudades do jornal?
BÁRBARA –
Tenho trabalhado muito, fazendo traduções, agora de autores elisabetanos até hoje desconhecidos por aqui. E agora estou escrevendo um livro. É bom trabalhar no que gosto.
 
JC – Paira sobre a figura de Barbara Heliodora uma imagem de “temida” e “severa”, com relação às suas críticas. O que é contraditório quando se vê seu nome entre as maiores referência no setor, aqui e no exterior. Por que tanto “medo” de Barbara Heliodora?
BÁRBARA –
Creio que parte disso é mito. Sempre procurei ser bastante objetiva na crítica; talvez isso, em lugar de elogios ocos, seja considerado como severidade...
 
JC – A classe artística costuma dizer a senhora tem uma preferência por uma “estética teatral” particular. Isso é verdade? Que estética seria essa?
BÁRBARA –
Cada época e cada autor tem a sua estética, e essa é que tem de ser levada em conta quando se analisa um espetáculo. Em alguns casos, o diretor impõe ao texto uma nova estética; quando ele é muito bom e a ideia se justifica, o resultado pode ser muito bom.
 
JC – Se em jornalismo preza-se o discurso de busca pela imparcialidade, na crítica de arte não é diferente. A senhora já chegou a ser persona non grata de muita gente – a exemplo de Gerald Thomas e Ulisses Cruz. Mas também querida por Fernanda Montenegro e Sergio Britto, embora tenha feito ponderações sobre seus trabalhos. Nossos artistas ainda não estão abertos às críticas? Temos um ranço de paternalismo?
BÁRBARA –
Via de regra fui muito bem aceita pelos criticados. Os casos citados são citados por serem poucos. De modo geral me parece que os nossos bons artistas sabem muito bem qual é a função da crítica e sabem que eles podem ser enriquecidos por ela.

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