Lucas dos Prazeres estava escalado para fazer a trilha do novo espetáculo da coreógrafa Maria Paula Costa Rêgo quando foi supreendido pela ausência de um bailarino. “Ele viajou, acabou se atrasando para voltar e eu já estava resolvida a fazer um solo com Anne Costa”, diz Maria Paula. Com a ausência, veio o convite, inusitado e aceito: criativo e inquieto, o músico que vem ampliando a curva de alcance de percussão pernambucana contemporânea ficou com o papel. Na próxima quinta, no Sítio da Trindade, Lucas estreia como bailarino do Grupo Grial.
Ao lado de Anne Costa, bailarina de trânsito frequente entre o popular e o contemporâneo, Lucas dos Prazeres é o intérprete de Abô, espetáculo do Grial calcado na religiosidade do candomblé. “Ele é o mais novo bailarino do Grial”, diz, risonha, Maria Paula, responsável pela criação da companhia ao lado do escritor Ariano Suassuna. Criado em 1997, o Grial vem desenvolvendo sua escritura coreográfica em torno da matriz inicial: as tradições populares.
Embora seja uma estreia profissional, não é a primeira vez que Lucas pisa numa arena para dançar. Filho dos bailarinos Conceição dos Prazeres e Edvaldo Prazeres, ele gosta de dizer que estreou ainda na barriga da mãe. “Ela dançou comigo até o sétimo mês de gravidez”, diz, sobre a mãe que saiu do Balé Popular do Recife para criar a sua companhia Brincando e Dançando. “Eu dançava na companhia. Soltar meu corpo com esse espetáculo vai me ajudar muito, inclusive nos meus shows musicais. Maravilhosa essa ‘paulada’ de Maria Paula de me chamar par dançpar depois de 20 anos em que não faço isso. Acho que ainda posso me reencontrar plenamente com a dança, quem sabe não vem um solo por aí”, diz, rindo, o artista de 21 anos, que lançou o DVD da Oruqestra dos Prazeres ano passado.
Para apreender o universo do candomblé não foi preciso muito investimento: o intérprete trabalhou com seu próprio repertório pessoal. “Comecei a trabalhar em janeiro desse espetáculo, foi rápido porque me deparei com pessoaqs que tinham as informações muito presentes. Lucas tem uma longa vivência em terreiros, conhece muito bem a história e as características dos orixás”, diz Maria Paula. Para criar Abô, o grupo fez vários périplos pelas festas de candomblé do Recife.
No espetáculo, Lucas não apenas dança, mas também canta e toca instrumentos menores. Nos palcos, Lucas é conhecido pelo uso polifônico de instrumentos inusitados como latas, baldes e tampas de panelas.
Abô não é uma reprodução de rituais religiosos. “É uma coisa dilatada, a gente partia de um movimento elementar e ia percendo seu ritmo, sua poética, dilatando os movimentos. Depois de trabalhar muito um movimento, eu dizia: “alarga os braços, vamos aumentar”. Com 45 minutos de duração, Abô tem figurino e cenário de Gustavo Silvestre e luz de Jathyles Miranda.
“Abô é a defesa das raízes afro-brasileiras como elementos de contemporaneidade através da construção de um espetáculo de dança contemporânea tendo como cerne as mitologias que habitam os rituais de candomblé”. Nas religiões afro-brasileiras, Abô é o nome dado ao banho de ervas que purificação o corpo e repele todos os maus espíritos.
A estreia vem com expectativas. O último trabalho do Grupo Grial, Terra (2013), venceu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de Melhor Espetáculo de dança. O solo de Maria Paula refletia as marcas dos povos indígenas no brasileiro.
Abô - De amanhã a 31 de maio, às 19h30, no Sítio Trindade (Estrada do Arraial, s/nº, Parnamirim). Gratuito.